terça-feira, janeiro 14, 2014

Carta aberta aos não-esquerdistas.




Ou: O cegante brilho de nossas botas.

por Colombo Mendes





Aos amigos da direita, ou, melhor, da não-esquerda. Aos daqui, aos de lá, aos de toda parte (porque são muitos os tipos), mas, sobretudo, àqueles que se dão a censurar, diminuir e até ridicularizar aqueles outros que têm-se dedicado a fazer algo para que saiamos todos do duradouro estado de letargia em que nos encontrávamos. Àqueles que se imbuíram de uma superioridade tirada sabe-se lá de onde, que bem poderiam dedicar-se a orientar aqueles que julgam perdidos pelo afã de resolver a situação; que bem poderiam ajudar de alguma forma aqueles que julgam que põem os pés pelas mãos em suas ações, como organizar hangoutsvários e protestar contra aqueles que sempre massacraram os não-esquerdistas impunemente (e.g., Porta dos Fundos e Ghiraldelli versus Sheherazade).

Aos gostosões intelectuais, aos aprendizes de fariseus, aos santarrões, aos caçadores de falhas alheias, aos próceres da prudência, enfim, a todos que resmungam entre os dentes que quaisquer formas de ativismo e militância são contra os preceitos conservadores. Peço permissão a toda essa gente para imbuir-me de uma autoridade tirada não sei de onde para dizer-lhes:




Concordo com vocês: são hangouts, palestras e entrevistas demais. Contudo (eis uma obviedade), há esquerdistas demais falando e escrevendo por aí; é preciso equilibrar essa conta. Seria maravilhoso se todos fossem capazes de dar contribuições como as do professor Olavo de Carvalho, do Padre Paulo Ricardo, do Mário Ferreira dos Santos, mas não é assim. Evidentemente, como estes, há apenas estes e mais alguns que ainda estão preparando-se, creio. A propósito, o conselho do professor Olavo, de que devemos estudar muito antes de sairmos por aí falando o que pensamos, é muito prudente e deve ser seguido por todos; mas a admoestação se refere à publicação de idéias próprias, inéditas, não para a reprodução do que aprendemos nem para a denúncia do que é errado.

Não precisamos sentirmo-nos prontos, maduros, tinindo, capazes de ensinar ao mundo o muito que aprendemos e que dominamos como poucos para que comecemos a falar de nossas próprias experiências, fartas de erros e percalços. Por isso mesmo, boa parte dos hangouts não são especificamente para vocês, superiores, que já têm muito mais a dar do que a receber. Por suas próprias características de tempo e abordagem, os hangouts, são para neófitos, servem para atrair e acolher aqueles que (como nós fizemos em algum momento) estão querendo ir além do que aprenderam nas escolas e do que lêem nos jornais. Esseshangouts têm algo de grupo de reabilitação, como alcoólicos anônimos. Ou, ainda, os hangouteiros talvez sejam como os moleques que vão para a rua entregar panfletos de restaurantes, de assistência técnica de ar-condicionado, de escolas de informática; o transeunte lê o panfleto, interessa-se e, depois, vai atrás do que é propagandeado. Não devem – nem têm como – concorrer com o Curso Online de Filosofia, por exemplo; devem, sim, introduzir os temas, acolher os recém-chegados e atrair os que olham com desconfiança. Também, servem os hangouts para quem os faz acontecer, no sentido de organizar o pessoal, de mobilizar e aglutinar forças.

Parafraseando o que diz C. S. Lewis no prefácio de “Cristianismo puro e simples”, quando propõe que é necessário defender primeiro uma causa comum para, só depois, aprofundar conhecimentos e expor e debater desavenças, eu diria que os hangouts, as palestras, as entrevistas e as reações aos ataques esquerdistas conformam uma grande sala-de-estar, pela qual se entra na residência e se passa; depois, os convidados e os anfitriões se recolhem aos seus aposentos e fazem o que deve ser feito. Vocês, superiores, já estão em seus aposentos, recostados em seus recamiers, trajando roupões de seda roxos, charutando e "eruditizando-se" deliciosamente, enquanto a esquerdalha prepara-se para invadir suas residências e estourar-lhes os miolos (na verdade, não será necessário "invadir”; a esquerda entrará tranqüilamente nas casas dos gostosões da prudência). Enquanto limitam-se a estudar (o que em si não é ruim, obviamente) e resmungar em seus confortáveis aposentos, há hordas do lado de fora, querendo tomar a propriedade. Definitivamente, não há prudência [palavra adorada por vocês] em desprezar os poucos aliados que estão na sala-de-estar.

Além disso tudo, há a necessidade de equilibrar a balança da opinião pública, que há muito está capenga para a esquerda. Esses hangouts, essas entrevistas, a que vocês se recusam a participar (lamentavelmente, pois, não tenho dúvidas de que seus relatos de vida, de formação, serviriam a muitas pessoas) e que insistem em menosprezar, ajudarão a levar pessoas do “nosso lado” (seja lá o que isso for) para a mídia (o que já está ocorrendo, aliás; vide Felipe Moura Brasil na Veja); ajudarão a respaldar os “dos nossos” que estiverem por aí, escrevendo em blogs, jornais e revistas, falando na televisão e no rádio e ensinando em escolas e universidades.

Todos nós devemos, sim, fazer o que vocês fazem e nos admoestam que façamos: estudar a sério, reservadamente. Todavia, se fizermos “só” isso (entre aspas, porque, reconheço, já é muito), as esquerdas crescerão mais do que já cresceram e nos sufocarão mais do que já nos sufocam, ao ponto de que nem isso (estudar reservadamente) nos será permitido fazer. Esses muitos hangouts podem ser um meio de reconquistarmos o direito de dizer que um mais um é dois.

Como católico (dos piores), evito emitir opiniões contra o protestantismo; como um pretenso conservador, evito emitir opiniões contra os liberais (embora não consiga, muitas vezes; o que é um erro). Temos inimigos demais querendo nossas cabeças, de modo que não creio que devamos atacar aqueles que, em determinada especificidade, agem em desacordo com aquilo que julgamos correto. Precisamos de companhias para a viagem, pois a estrada é cheia de perigos. Por exemplo: há algum tempo, a cada quatro anos, vemo-nos obrigados a votar em gente que jamais votaríamos se vivêssemos em um cenário político minimamente decente. Se chegamos ao ponto de votar em sociais[socialistas]-democratas por pura necessidade de sobrevivência, por que, por outro lado, atacamo-nos mutuamente?

Espero, honestamente, poder viver o dia em que teremos tempo e tranqüilidade para discutir, entre nós, os erros e acertos dos mais variados pormenores, sobre os meios com que nos comunicamos, as maneiras como falamos etc. Contudo, por ora, estamos recém tentando falar.

Hoje, não posso dar-me ao luxo de chamar a atenção do soldado ao lado porque suas botas não estão bem lustradas. Depois que conseguirmos ao menos sair do buraco em que estamos escondidos, enquanto somos bombardeados por todos os lados, talvez eu pense nisso. Não é hora de ficar no buraco, admirando o brilho de minhas botas; a não ser que eu não me importe em ser soterrado pelo inimigo.



Fonte: Midia Sem Máscara, http://colombomendes.blogspot.com.br

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