domingo, abril 13, 2014

Um comunista incapaz de reler o próprio livro.








Título original do artigo de Percival Puggina: Galeano diz que realidade mudou e que não releria seu livro mais conhecido




O escritor e jornalista uruguaio, Eduardo Galeano, disse nesta sexta-feira, em Brasília, que não voltaria a ler As Veias Abertas da América Latina, seu livro mais conhecido. Galeano, que venceu vários prêmios internacionais e teve obras traduzidas em diversos idiomas, ficou conhecido como defensor de propostas contestadoras e é frequentemente associado a ideias polítcas de esquerda

“Eu não seria capaz de ler o livro de novo. Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é pesadíssima. Meu físico não agüentaria, eu cairia desmaiado”, brincou Galeano, de 73 anos. "Em todo o mundo, experiências de partidos políticos de esquerda no poder às vezes deram certo, às vezes não, mas muitas vezes foram demolidas como castigo por estarem certas, o que deu margem a golpes de Estado, ditaduras militares e períodos prolongados de terror, com sacrifícios humanos e crimes horrorosos cometidos em nome da paz social e do progresso", declarou o escritor. "Em alguns períodos, é a esquerda que comete erros gravíssimos”, completou. 

Ainda sobre As Veias Abertas da América Latina, Galeano explicou que a obra foi o resultado da tentativa de um jovem de 18 anos de escrever um livro sobre economia política sem conhecer devidamente o tema. “Eu não tinha a formação necessária. Não estou arrependido de tê-lo escrito, mas foi uma etapa que, para mim, está superada”, confessou. 

Autor internacional homenageado pela 2ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura que começou nesta sexta-feira, em Brasília, o escritor disse que, embora algumas das questões abordadas nesse livro continuem “se desenvolvendo e se repetindo”, a realidade mundial mudou muito desde que a obra chegou às livrarias. Hoje, Galeano confessa que não tem interesse em reescrevê-lo ou atualizá-lo. “Meus espaços de penetração na realidade cresceram tanto fora, quanto dentro de mim. Dentro de mim, eles cresceram na medida em que eu ia escrevendo novos livros, me redescobrindo, vendo que a realidade não é só aquela em que eu acreditava”, ressaltou o escritor. 

“A realidade é muito mais complexa justamente porque a condição humana é diversa. Alguns setores políticos próximos a mim achavam que tal diversidade era uma heresia. Ainda hoje há sobreviventes dessa espécie que acham que toda a diversidade é uma ameaça. Por sorte, não é. Ou seria justa a exigência do sistema dominante de poder que, em escala mundial, nos obriga a uma eleição muito restrita, ridiculamente mesquinha, e nos convida a elegermos como preferimos morrer: de fome ou de aborrecimento”, detalhou Galeano. 

Escritor não vai entrar para a política 

O escritor negou a intenção de concorrer a uma vaga no Parlamento uruguaio, o que chegou a ser anunciado pela imprensa local. Galeano disse que não serve para a carreira política. “Minha única ambição é ser um escritor capaz de reproduzir a esperança, a razão e a falta de razão deste mundo louco que ninguém sabe para onde vai. Ser capaz de entrar nessa realidade que parece ser incompreensível. Isso é algo muito difícil que já me consome todo o tempo". 

Acusando o cansaço da viagem ao Brasil, o escritor evitou responder a algumas perguntas, como o que achava das manifestações populares que tomaram as ruas brasileiras em junho do ano passado; sobre as críticas à realização da Copa do Mundo no Brasil – "este é um tema muito delicado, sobre o qual não é possível se manifestar tão facilmente" – e sobre a persistência de muitas das mazelas apontadas em As Veias Abertas da América Latina.

Galeano falou bem do presidente uruguaio José Mujica e brincou com o episódio em que o falecido presidente venezuelano Hugo Chávez presenteou o presidente norte-americano Barack Obama com um exemplar de As Veias Abertas da América Latina. “Chávez teve a melhor intenção do mundo, mas deu a Obama um livro escrito numa língua que o presidente norte-americano não conhece. Isso foi um gesto generoso, mas também cruel”. 

Sobre outra de suas paixões, o futebol, preferiu não arriscar um prognóstico para a Copa do Mundo. “Não acredito nos profetas. Nem nos bíblicos, que dirá nos esportivos. Assim, o melhor é calar a boca e esperar", concluiu. 

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