quinta-feira, fevereiro 02, 2017

Se o Carnaval gera riqueza, por que depende de dinheiro público?



por Ricardo Bordin



Em meio ao cenário de recessão que assola o Brasil desde que o “dique” que segurava a catástrofe financeira engendrada pelo PT em seus 13 anos de Planalto¹ (leia-se: logo após garantir a reeleição de Dilma), as prefeituras de mais de 70 municípios do Brasil já avisaram que não irão destinar dinheiro do pagador de impostos para a realização dos desfiles de carnaval. Não chega a parecer sandice: se eu estou passando por um período de vacas magras, natural é ficar um tempo sem frequentar festas, certo? A irresponsabilidade fiscal, ao fim e ao cabo, cobra seu preço, e supérfluos acabam por entrar na lista de cortes a serem efetuados nas despesas.

Não foi bem assim, todavia, que reagiu determinada parcela de nossa população. Em meio aos muxoxos produzidos aqui e acolá, foi possível captar três principais motivos para o azedume. Vejamos, pois, se procede a choradeira:

1) A festa pagã mais tradicional do país gera empregos:

Segundo consta dos arrazoados, o dinheiro proveniente dos cofres públicos investido na folia de Momo retorna na forma de oportunidades para os envolvidos com os preparativos e a produção do evento. De fato, não há como negar o que se vê.

São criadas vagas diretas no mercado de trabalho quando a administração local repassa dinheiro para as escolas e blocos, e estas, então, compram material para a confecção de fantasias e demais adereços, adquirem instrumentos musicais e promovem gastos afins. A “indústria do carnaval”, ademais, pode ter a capacidade de gerar empregos de forma indireta, estimulando os setores hoteleiro e alimentício, por exemplo, fomentados pelos gastos dos foliões.

Mas o perrengue reside no que não se vê. Se este prefeito direcionar estes mesmos recursos para Educação e Saúde (e eu duvido que alguém de mente sana discorde deste remanejamento), outras atividades econômicas relacionadas a estes setores, da mesma forma, serão impulsionadas e poderão, então, contratar mais pessoal. E se os cidadãos não poderão gastar seus caraminguás durante os dias de apresentações – fazendo o “dinheiro circular”, o sonho dos Keynesianos² (e pesadelo de quem fica pra ver o resultado), fique tranquilo: eles acharão alguma outra coisa para gastar. E possivelmente sejam gastos mais úteis, sinceramente.

Ah, mas e se a festa atrai pessoas de outros rincões? Passemos, então, ao item 2.

2) Se há demanda, então deve haver interesse publicitário;

Carnavais como o do Rio de Janeiro dispensam comentários: são espetáculos que trazem turistas de todas as partes do globo, empilhando dólares e euros nas caixas registradoras dos empreendedores locais, desde o vendedor de chá na praia até o proprietário do Copacabana Palace.

Mas é de se indagar: se este show possui um potencial de marketing tão notável, como ele não consegue se auto-sustentar? Por que as agremiações precisam de subvenção do Estado? Um evento transmitido para diversos países não tem como captar recursos por conta própria?

A resposta, ao que parece, pode ser encontrada no regulamento da liga das escolas de samba do RJ – e que costuma ser emulado, em grande parte, por outras associações do gênero Brasil afora:
VIII - não utilizar, distribuir ou apresentar-se com qualquer tipo de “merchandising” (implícito ou explícito) em Enredo, Alegorias, Adereços, Alas, Destaques, Samba-Enredo ou quaisquer outros meios, exceto: a. nas vestimentas dos Empurradores de Alegorias; b. em prospectos com letras do Samba-Enredo; c. nos instrumentos musicais da Bateria, desde que sejam as marcas de seus respectivos fabricantes.



Ora, se as escolas de samba são tolhidas por suas próprias entidades representativas da ferramenta mais eficiente que poderiam utilizar para obter recursos – isto é, o merchandising – fica fácil entender porque todo ano seus diretores precisam ir com o pires na mão mendigar para o prefeito e o governador.

Não que seja o caso de fazer um carro alegórico em forma de garrafa de Coca-Cola, ou a porta-bandeira tremular um símbolo do Mcdonalds, mas exibir marcas, de forma discreta, poderia representar a independência daqueles desfiles de carnaval capazes de seduzir a audiência em relação ao governo.

Eu também não gosto muito de ver anúncios na camisa do meu time, mas eu entendo que é necessário para a subsistência dele. Só fica esquisito quando há anunciantes demais. É a diferença entre aquele carro antigo colorido (tal era o número de patrocinadores) da equipe March de F-1, e a eternizada em nossa memória McLaren de Ayrton Sena ostentando o Malboro no aerofólio.

Ou seja, sequer estamos diante de um caso similar aos financiamentos da Lei Rouanet, nos quais costumam ser contemplados certos artistas que jamais sobreviveriam no livre mercado – e outros muito ricos que não precisariam, aliás –, pelo simples fato de que os consumidores, cuja vontade é soberana, não os elegeriam para brilhar nas telas ou palcos. Ao contrário: os organizadores do carnaval são capazes de gerar muita receita, mas eles não conseguem canalizá-la para seus cofres porque se recusam a fazer propaganda – ou são proibidos: em algumas cidades, é a própria lei que restringe a exploração comercial. Aí só resta resmungar mesmo.

3) Se não houver dinheiro público envolvido, não haverá desfiles nem nosso “sagrado” carnaval: será?

Este argumento lembra-me do início do governo Temer: “se não houver Ministério da Cultura, não haverá cultura”, diziam os incautos e os argutos. Quer dizer que as pessoas ficarão trancafiadas em casa na última semana de fevereiro, se não rolar patrocínio estatal? Não haverá samba nos morros e nas periferias? Não sairão às ruas os blocos e muambas? Não se reunirão às pessoas nas praias, nos botecos e até mesmo em suas casas para fazer uma bagunça? Custa-me crer.

Além disso, se fazem tanta questão assim de desfilar na avenida, que tal promover um financiamento coletivo (crowdfunding), como bem ensinou o pessoal do “Libera Que Eu Conservo”³, e mandar uma banana para o prefeito?

Conclusão: não procede a lamúria, meritíssimo. Segue o baile – seja ele de carnaval tradicional ou não: tem gente que prefere carnaval eletrônico ou até mesmo carnaval zombie, veja só. “Não deixe o samba morrer”? Muito justo, desde que ainda haja interesse suficiente das pessoas nos desfiles clássicos de carnaval, e que estes não impliquem em desviar recursos escassos extraídos do setor produtivo que poderiam ser aplicados em áreas mais sensíveis da sociedade.

Ou melhor ainda: a partir de uma eventual economia viabilizada pela negativa estatal em subsidiar o carnaval, o prefeito poderia dar desconto no IPTU, quem sabe. Mas daí é sonhar alto demais…





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