quarta-feira, abril 19, 2017

Portugal está superando a crise sem o ajuste fiscal?

Portugal está superando a crise sem o ajuste fiscal?.







A BBC Brasil repercutiu uma reportagem da The Economist sobre Portugal, com a seguinte chamada: “Portugal está superando crise econômica sem recorrer a fórmulas de austeridade, diz Economist” (link aqui). Não consegui ler a reportagem da The Economist, logo não posso falar a respeito do que escreveu a prestigiada revista inglesa que, não obstante o prestígio, fez aquela capa com o Cristo Redentor decolando. Porém acompanhei o ajuste em Portugal o suficiente para ficar intrigado com a matéria. Neste artigo vou apresentar alguns dados ao leitor na tentativa de mostrar o que aconteceu e está acontecendo em Portugal e o que podemos tirar de lição da experiência da terrinha.

Como de costume os dados usados são do FMI e estão disponíveis na internet (link aqui). A figura abaixo mostra a evolução do PIB per capita português. Repare que a trajetória de crescimento na Crise de 2008, depois da crise ocorre uma queda no PIB per capita e, em 2014, a trajetória de crescimento é retomada. Curioso é que segundo a reportagem da BBC Brasil: “Portugal chegou a ensaiar um forte pacote de austeridade entre 2011 e 2014.”, ou seja, segundo a reportagem da BBC Brasil o crescimento retornou durante o período da política de austeridade. De fato, a política de auste
ridade foi revertida com a chegada de António Costa, do Partido Socialista, ao poder, isto aconteceu em 2015. A valer a leitura da reportagem da BBC Brasil, as datas em que ocorreram os eventos descritos e os dados de PIB per capita o candidato socialista pegou a economia já crescendo.





Deixemos para lá a reportagem e olhemos mais para os dados. A figura abaixo mostra o gasto público em Portugal. Em 2010, ano anterior ao início do ajuste, o governo português gastou € 93,24 bilhões, em 2012 o gasto chegou a € 81,72 bilhões, uma queda de mais de 10%. Em 2016, último ano da série que estou usando, o gasto foi de € 85,92 bilhões, ainda menor que antes da crise. Não sei para os jornalistas que fizeram a reportagem e para parte da turma que andou comentando, mas para mim uma queda de mais de 10% do gasto em dois anos e mais de cinco anos depois o gasto continuar abaixo do que estava pode ser visto como uma política de austeridade.
A figura abaixo mostra o gasto como proporção do PIB. Repare que de 2011 a 2012 o gasto caiu mais do que o PIB, indo de 51,8% do PIB em 2010 para 48,5% do PIB em 2012 mesmo com a economia em recessão. Em seguida o gasto volta a subir em relação ao PIB e, depois da volta do crescimento, o gasto retoma a trajetória de queda em relação ao PIB. Vale notar que mesmo em 2014 o gasto como percentual do PIB ficou abaixo do observado em 2010.
Temos o que aprender com Portugal? Antes de responder olhemos para os dados e comparemos o dito ajuste fiscal duríssimo que aconteceu no Brasil com o que vimos de Portugal. A figura abaixo mostra os gastos do governo brasileiro em reais entre 2002 e 2016, como estou preocupado com trajetória e não com níveis preferi manter os dados nas moedas locais para não me preocupar com efeitos de ajustes por câmbio ou paridade de compra. A figura abaixo mostra o gasto público no Brasil. Repare que, ao contrário de Portugal, aqui não tivemos queda de gasto, nem perto.
Por conta das diferenças entre a dinâmica do Euro e do Real alguém pode reclamar da comparação de gastos em moeda local, olhemos então para a comparação do gasto como proporção do PIB. Repare que desde 2014, quando o governo brasileiro reconheceu que era necessário fazer um ajuste fiscal, o gasto como proporção do PIB está sempre subindo. O máximo que conseguimos fazer foi diminuir a velocidade de crescimento, é isso que estamos chamando de ajuste fiscal duríssimo.


A comparação me parece deixar claro houve um ajuste fiscal em Portugal, que o crescimento de Portugal voltou durante o período do ajuste fiscal e que mesmo com a política expansionista de António Costa o governo português está gastando menos do que gastava antes do ajuste tanto em euros como em proporção do PIB. Deste lado do Atlântico não foi possível identificar nada parecido com o ajuste fiscal português. Aparentemente há muito mais do que mar a nos separar.

Concluo sugerindo que nos inspiremos no exemplo português, pelo menos na fase de ajuste. E você? O que acha de seguirmos o exemplo da terrinha?

P.S. Agradeço ao Henrique Raineri, do grupo Economia no FB por ter apontado um erro na primeira figura e na análise do PIB per capita, de fato copiei errado o código da série e acabei trabalhando com valores nominais, peço desculpas aos leitores. O erro já foi corrigido, a conclusão principal permanece: o PIB per capita voltou a crescer ainda durante período de austeridade, só que em 2014. Vale registrar que António Costa, do Partido Socialista, tomou posse em novembro de 2015.

Nenhum comentário: