sábado, março 10, 2018

O que os cursos sobre o “golpe” revelam sobre as universidades estatais brasileiras



por Leonardo Ferreira(*)





Depois de uma década aparentemente adormecida e em plena satisfação, parece que a comunidade acadêmica brasileira enfim despertou, relembrando-nos daquela velha intelectualidade ativista que caracterizou as décadas finais do século XX. Lembramo-nos bem que durante o governo do Partido dos Trabalhadores fazer qualquer crítica àqueles que estavam no poder era praticamente um sacrilégio e até o humor político que sempre fez chacota com qualquer governante foi saindo aos poucos de cena. Quem não se lembra do Casseta & Planeta?

A ditadura branca do politicamente correto fazia vista grossa aos escândalos de corrupção cada vez mais frequentes no governo Lula enquanto ridicularizava e condenava as vozes dissonantes que tentavam esboçar qualquer oposição. Com a queda da ex-presidente Dilma Rousseff e a ascensão de Temer ao poder, os amantes da liberdade de expressão finalmente puderam comemorar. Sem o PT no comando, discordar e criticar o governante voltou a ser prática comum, com todo o apoio dos movimentos que antes condenavam tal “rebeldia”.

Imagine nos tempos de Lula um curso em uma universidade federal com o título “O Golpe do Mensalão”. Imagine se nesses últimos anos tivéssemos cursos sobre “O Golpe da Pedalada” ou “O Golpe da Petrobrás”, eventos históricos de grande relevância que em qualquer país de democracia sólida resultariam em renúncias ou processos de impeachment imediatos. Difícil conceber tal cenário, não é?

Bastou chegarmos a mais um ano de eleições para que certos “cursos” e articulações voltassem a surgir, revelando-nos uma curiosa harmonia entre determinados partidos políticos e nossas universidades. Não vemos harmonia entre comunidade acadêmica e sociedade como muitos ilustres docentes insistem defender, mas sim uma ligação direta entre academia e partidos políticos específicos, ou, para ser mais claro: entre academia e a ideologia socialista que serve de base para a existência de vários partidos.

As universidades estatais brasileiras há muito deixaram de ser campos de estudos e desenvolvimento científico relevantes ou pelo menos salutares para uma ordem social estável. Em contraste, tornaram-se centros de formação política de extrema importância estratégica para determinados partidos que trabalham incessantemente visando a remodelagem da sociedade por métodos no mínimo questionáveis. Tais instituições recebem milhões de reais dos pagadores de impostos todos os anos e continuam apresentando resultados insignificantes em produção científica relevante e outros indicadores.

A criação de “cursos” sobre o “Golpe de 2016” – questionando, entre outras pautas, a atuação da Polícia Federal e a Operação Lava-jato – cria uma narrativa que se adequa à recuperação política dos partidos radicais em declínio e demonstra, mais uma vez, em quê nossos “acadêmicos” estão empenhados: contra os anseios populares de ordem e justiça e a favor da utilização de abundantes recursos financeiros retirados de terceiros para militar em causa própria e manter seus poderes, uma verdadeira casta aristocrática que busca a autopreservação por meio de causas aparentemente nobres como a “luta por democracia”.

Esta total divergência com os anseios populares nos mostra o quanto as universidades se transformaram em verdadeiras bolhas mantidas por uma espécie de elite das cátedras, onde ninguém entra sem antes jurar fidelidade aos métodos e à cosmovisão dirigentes, fazendo-nos até lembrar de determinadas estruturas religiosas e hierárquicas tanto criticadas justamente por aqueles que utilizam meios semelhantes.

Enquanto as universidades continuarem funcionando como colônias de intelectuais que se julgam os redentores da humanidade, o Brasil continuará ocupando as posições mais irrelevantes dos indicadores internacionais de educação, mesmo tendo gastos exorbitantes (proporcionalmente maiores do que muitos países desenvolvidos ou em franca ascensão). Na prática, tais gastos se convertem em privilégios para aqueles que os recebem ou em investimentos mal aplicados que quase nunca resultam em real melhoria para as futuras gerações de brasileiros que necessitam de uma formação sólida que proporcione algo de positivo em suas vidas ao deixarem a academia e buscarem o mercado de trabalho.

(*)Leonardo Ferreira Graduando em Ciências Econômicas e Comércio Exterior pela Universidade de Fortaleza e fundador do grupo de estudos Clube Atlas.
Fonte - ilisp.org


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