quinta-feira, abril 05, 2018

Inverdade Histórica





por Edilson Vitorelli(*).






O argumento mais repetido pelos críticos da prisão de condenados em segundo grau é que o texto da Constituição não a permite. Se está escrito, então não pode. O ministro Celso de Mello já afirmou: 

“Se a Constituição ou a lei diz trânsito em julgado, é trânsito em julgado, e não decisão de segundo grau que ainda não transitou em julgado”. 
➤Esse argumento é uma inverdade textual e histórica.

A Constituição não diz: 

“Ninguém pode ser preso para cumprimento de pena antes do trânsito em julgado da decisão”. 
Ela diz: 

“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 
Dizer que “não ser considerado culpado” é sinônimo de “não poder iniciar o cumprimento da pena” não é texto. É interpretação. Não se pode agitar a Constituição para o ar e dizer que lá está escrito. Não está. 

Vamos para a interpretação. 
A Constituição de 1988 é a primeira do país a conter texto semelhante. Mas uma constituição não se escreve no vácuo, e é de se imaginar que dispositivos polêmicos da Constituição tenham gerado debate entre as múltiplas correntes que compuseram a Assembleia Nacional. 

Qual era o entendimento do STF sobre prisão após a condenação em segundo grau, em 1988, enquanto a Constituinte debatia? Fácil: o STF entendia que os condenados em segundo grau poderiam ser presos. Em 1987, o ministro Octávio Gallotti afirmou, reiterando uma longa linhagem de precedentes: 

“A interposição de recurso extraordinário é insuscetível de acarretar o beneficio de apelar em liberdade” (HC 64707). 
Se o STF admitia, em 1988, que condenados fossem presos antes do trânsito em julgado da decisão, interpretar o texto que diz “não será considerado culpado” como se dissesse “não pode ser preso” significa dizer que o constituinte pretendeu tornar inconstitucional o pensamento do STF até ali. 

Se a pretensão fosse essa, era de se esperar que tivesse gerado polêmica. Entretanto, quando se pesquisam os debates da Constituinte, percebe-se que o texto do artigo 5º, LVII, não gerou polêmica alguma. Ele já estava contido no Projeto de Constituição, foi mantido idêntico nas chamadas “emendas do centrão”, não recebeu qualquer proposta de alteração e não foi objeto de debate por qualquer dos constituintes. Até propostas para implantar a pena de morte foram debatidas, mas ninguém, absolutamente ninguém, se levantou para fazer um discurso contra ou a favor desse dispositivo. Nenhum dos constituintes imaginava uma revolução em prol dos condenados de segundo grau. 

A análise histórica descortina a verdade. Quem quer dizer que não se pode prender corruptos condenados depois da decisão de segundo grau não pode se esconder atrás do texto constitucional, porque isso lá não está escrito. Nem pode colocar esse retrocesso na conta dos deputados constituintes. Na Assembleia Nacional mais democrática da nossa história, onde tudo se debateu, isso não foi sequer cogitado. Para os constituintes, em 1988, o condenado podia ser preso depois da decisão de segundo grau, como sempre tinha sido possível até ali. 

(*)Edilson Vitorelli é procurador da República do Ministério Público Federal em Campinas (SP)


Nenhum comentário: