por Paulo Rosenbaum
Consultando dicionários, a palavra oposição cai na seguinte chave temática: de um lado conveniência e consentimento, de outro, discrepância e protesto.
O levantamento faz parte de uma análise mais panorâmica para avaliar o terreno baldio onde pisamos. Faz parte do jogo político que um governo conviva com seu contraponto. Trata-se de um sistema binário, onde um não pode viver sem o outro. Quando o poder não compreende que essa competição é o que dá sentido ao processo democrático, ou está mal intencionado ou perdeu o rumo. Uma e outra coisa podem se sobrepor, mais frequentemente do que se imagina.
Tudo isso tangencia o óbvio, mas é como se a realidade turva do solo não permitisse a transparência. E se, num mundo de instantâneos, o papel do jornalismo ainda faz algum sentido, um deles talvez seja elucidar, abrindo mão de tentar explicar.
Nos países onde a oposição aceitou fazer parte de uma coalização tácita — isso é, finge que se encoraja, mas consente no apoio inercial — boicota eleições, ou foi sendo apagada pelo medo de contestar populistas, desastres são certeiros.
Em um contexto assim, a sociedade, sem representatividade real, vai sendo empurrada para a polarização — nosso ponto atual no GPS — e ao sectarismo. E o sectarismo pode ser considerado o recheio das revanches. Ser oposição significa impedir que a prática adesista se instale para sempre e que o monológico não prevaleça.
Guardadas as circunstâncias, não é mais necessário obedecer a um poder que passou a negar as regras pelas quais o alcançou. Mas, qual tipo de desobediência caberia numa arena democrática?
Opor-se é renegar a submissão e reagir à coação. Significa insurgência à continuidade, e aceitação do revezamento, preservando o senso de República. Opor-se é lançar-se contra turbilhões em consenso. É negar linchamentos, mesmo aqueles que politicamente oportunos.
Opor-se é renegar a submissão e insurgir-se contra a continuidade e, ainda, aceitar o revezamento
Neste sentido, ser oposição é manter a integridade mesmo diante da evidente adulteração das regras do jogo. Ser o poder constituído deveria significar resistir às demandas do partido. Não só aquelas que não foram escolhidas pelos que votam como as geradas pelas injustiças e abusos. Especialmente quando estas últimas forem uma usurpação justificada pela autoridade adquirida pela votação.
O mais grave dos delitos, acobertados pelo sufrágio, é colocar em execução planos para os quais não se foi eleito. Não vale evocar a bula dos calhamaços rotulados de “programa partidário”, a que na vida prática ninguém dá a mínima, começando pelos próprios partidos.
Oposição serve para fazer a reparação e ampliar a distância que nos separa da unanimidade. Restaurar fé nos contrários é bloquear o culto à personalidade. Uma oposição lúcida acredita que é distinta e distante dos que habitam a outra margem, ainda que nunca eticamente superiores a priori.
Discrepar significa estar apartado da cooptação. É insinuar-se na luta enquanto a maioria se calou ou foi amordaçada. É defender o dever sem escudar-se no argumento duvidosamente legalista dos direitos adquiridos.
Oposição e poder deveriam respeitar quem confiou no voto, assim como desconfiar das aclamações ideológicas. Cabe à oposição o encargo de reunir forças daqueles que não transigem com totalitários. Uma oposição não aceita impunidade e repudia radicalmente toda forma de indução à violência: do discurso aos incêndios.
O sistema binário — poder x oposição — deveria aceitar o desafio que constitui a essência da democracia: garantir segurança e liberdade de expressão como prioridades absolutas. À oposição cabe fazer cisma, separar-se no voto e revidar, na medida da necessidade. Além de impedir o revanchismo e calcular como mostrar ao senso comum cada ponto cego dos óculos viciados no poder.
Por isso tudo, ser oposição ou governo exige mais responsabilidade, mais atenção e densidade do que escalar palanques a cada ciclo eleitoral.
Fica evidente: neste momento, infelizmente, não contamos com governo ou oposição.
Fonte: Pletz
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