por Carlos I. S. Azambuja(*)
O texto abaixo é um pequeno extrato da apresentação do livro “A Origem do Estado Islâmico – O Fracasso da ‘Guerra ao Terror’ e a Ascensão Jihadista”. O livro foi escrito por Patrick Cockburn, e a apresentação, que recebeu o título de “Uma Serpente entre as Pedras”, foi escrita por Reginaldo Nasser, mestre em Ciência Política (Unicamp) e doutor em Ciências Sociais (PUC-SP), professor do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais – San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC) e chefe do Departamento de Relações Internacionais da PUC-SP.
Patrick Cockburn fez as melhores reportagens sobre o tema. Descreve a situação como uma estratégia de Alice no País das Maravilhas. Os EUA querem destruir o ISIS (Estado Islâmico), mas se opõem a todas as forças que estão combatendo o ISIS. O principal Estado que se opõe ao ISIS é o Irã, que apóia o governo xiita do Iraque. Mas o Irã, como se sabe, é nosso “inimigo”.
Provavelmente as principais tropas terrestres que combatem o ISIS são os curdos do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) e os seus aliados, que estão na lista de terroristas dos EUA. A Arábia Saudita, principal aliada norte-americana junto com Israel, está comprometida e dominada por uma versão extremista do Islã (a doutrina wahabita, uma forma particular do islamismo sunita), o que a faz ter uma posição omissa ou até de apoio a movimentos como o ISIS, que é, aliás, orientado pela mesma doutrina wahabita. A Arábia Saudita é um Estado missionário. Cria escolas e mesquitas espalhando a sua versão radical do Islã. Assim, eles são os nossos aliados; e os nossos inimigos são os que estão combatendo o ISIS.
O parágrafo acima, que faz parte da orelha do livro, é de autoria de Noam Chomsky (filósofo, cientista cognitivo, comentarista e ativista político norte-americano, reverenciado em âmbito acadêmico como "o pai da linguística moderna". É também uma das mais renomadas figuras no campo da filosofia analítica).
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Transcrevemos, a seguir, um pequeno trecho, escrito em junho de 2015, da “Apresentação – Uma Serpente entre as Pedras”,de Reginaldo Nasser:
Cockburn mostra, fartamente, exemplos de ações militares e diplomáticas completamente equivocadas por parte dos EUA, que, ao invés de derrotar o ISIS, só o fortaleceu.
Sim, é possível e é provável que erros de análise e de compreensão de fenômenos sociais e políticos sejam cometidos, mas será que é razoável supor que o aparato diplomático militar dos EUA seja tão despreparado a ponto de cometer, reiteradamente, erros grosseiros?
Ou podemos ter também, como hipótese, que talvez o fracasso da guerra possa ser de fato o seu sucesso? Os líderes políticos e generais em Washington e Londres podem estar recebendo pesadas críticas domésticas por seus erros no Iraque e na Síria, mas alguns analistas do mundo árabe observam que, na verdade, estão sendo muito bem sucedidos na execução de um plano para dividir o país. No fundo, a unidade entre a resistência sunita e xiita sempre foi motivo de preocupação por parte desses líderes.
Seja como for, o fato é que a ascensão meteórica do ISIS e sua declaração de restabelecer o Califado são algo sem precedentes na história do sistema estatal árabe que teve início após o fim do Império Otomano e a Conferência de Paz de Paris, em 1919. Pela primeira vez, um ator não-estatal islâmico, que agora é simultaneamente nacional e transnacional, esculpiu uma nova unidade política no mundo árabe, onde as fronteiras permanecem relativamente inalteradas aio longo de todo o Século XX.
Embora mencione em vários momentos, Cockburn não explora em profundidade o surgimento de uma nova forma de especialidade política ligada à criação do Estado Islâmico no Oriente Médio, negando claramente a essência geográfica do campo das relações internacionais: o Estado Islâmico com um território claramente delimitado.
Ainda que se possa duvidar da sua durabilidade, trata-se, evidentemente, de uma demonstração da fraqueza do processo de criação artificial de estados-nação na região do Oriente Médio, caracterizado pelo arroubo das potências ocidentais em construir um sistema político na região à sua imagem e semelhança. O fracasso do nacionalismo como uma ideologia política no Oriente Médio influenciou o surgimento de movimentos radicais islâmicos que reivindicam a constituição de uma nova ordem política nesses territórios: o Califado.
O colapso do Iraque e da Síria como estado-nação tem dado a esses movimentos força para consolidar os seus projetos e alargar os seus objetivos sobre um território que pode cobrir a região do Oriente Médio e além. De fato, esse espaço geopolítico deve ser analisado também sob a perspectiva de que novas possibilidades de exploração de recursos (petróleo, principalmente) podem dar ao novo Califado em termos de Poder dentro do sistema internacional.
O ISIS é especialista em estimular o medo. Os vídeos que produz, de seus combatentes executando soldados e pilotos de avião, tiveram um papel importante para aterrorizar e desmoralizar seus inimigos. Entretanto, esse medo também pode unir um amplo arco de oponentes do ISIS que eram antes hostis uns em relação aos outros.
Como nota Cockburn, se o apelo do Estado Islâmico aos muçulmanos sunitas na Síria, no Iraque e em todo o mundo funciona, em parte, com num sentimento de que suas vitórias são presentes de Deus e inevitáveis, isso também pode ser sinal de fragilidade, já que qualquer derrota pode afetar a alegação de apoio divino.
Ainda que seja improvável cumprir a promessa de garantir a viabilidade de seu Califado no Iraque e na Síria contra o poderio militar dos EUA e sua coalizão dentro do território governado por dois governos xiitas, sua ideologia provavelmente continuará a inspirar seguidores. Quer se trate de um ISIS abrigado nos centros urbanos de Mosul e Raqqa ou espalhado nas periferias, mesmo assim será capaz de lançar ataques esporádicos dentro das cidades iraquianas e sírias, em particular por meio de carros-bombas e ataques suicidas. O Estado Islâmico poderia rasgar o Oriente Médio e causa ainda mais agitação, para as gerações futuras, onde os Estados não têm uma ideologia que lhes permita competir com um foco de lealdade baseada em seitas religiosas ou grupos étnicos.
A capacidade do ISIS para apelar a um imaginário islâmico através de fronteiras e sua restauração do Califado representa a cristalização de uma ideologia jihadista que se desenvolveu ao longo dos últimos 30 anos. Seu líder, Abu Bakr AL-Baghdadi, propaga que o Califado é um tipo de Estado onde “árabes e não árabes, homens brancos e negros, orientais e ocidentais são todos irmãos...A Síria não é para os sírios e o Iraque não é para os iraquianos. A Terra é de Alá”.
O grande pensador da guerra, Karl Von Clausewitz, julgava que sempre reinará uma grande incerteza durante os confrontos armados, já que é simplesmente impossível ter conhecimento pleno de todas as informações em jogo. Como conseqüência, toda a ação, em certa medida, será planejada na “névoa da guerra”, que pode dar aparência deturpada às coisas.
É impossível dissipar a névoa, mas o leitor perceberá com certeza que, após a leitura dessa obra, poderá acompanhar com mais segurança as inúmeras peças em movimento nesse verdadeiro xadrez geopolítico do Oriente Médio.
(*)Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
Publicado no Alerta Total
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