por Rodorval Ramalho
Provavelmente, nunca vivemos um tempo tão temeroso da verdade. Esse temor se expressa através do relativismo, do niilismo, do cinismo, do ceticismo e várias outras doenças do espírito. Tais enfermidades têm um canto de sereia envolvente – a facilidade com que se chega ao cume dos seus argumentos.
Por outro lado, emergem versões das mais variadas formas de cientificismo, tentando nos convencer de que o império do conceito é a única maneira de nos relacionarmos com o mundo que nos envolve. Para estes, esse mundo pode ser, gradativamente, resumido a uma idéia, um sistema, uma equação. Assim, o que não vier dos esforços experimentais da ciência é considerado futilidade, ilusão, engano, delírio.
O cristianismo tem sido a maior e mais consistente alternativa a essas patologias modernas do espírito; não é à toa que é a religião mais perseguida do mundo, por mais que isso não figure com o devido destaque nas manifestações da imprensa.
Assim, em tempos de tanta desorientação e numa conjuntura de perseguição sistemática, a permanência e a força do cristianismo me parecem um milagre e uma necessidade. Faz lembrar-me de uma passagem do texto sagrado que se refere à crucificação e à desistência do soldado romano de quebrar os ossos do Cristo, após ter quebrado os dos homens que lhe ladeavam, como mandava a tradição.
Cumpria-se mais uma profecia: “Iahweh guarda seus ossos todos, nenhum deles será quebrado.” (Salmo 33). Bela imagem da história do cristianismo: conseguem até saturá-lo de dores e perseguições, mas não eliminá-lo, como foi (e continua sendo) a vontade de setores importantes das “luzes” modernas.
Portanto, não é demais lembrar, principalmente aos cristãos, que a afirmação dessa tradição depende, profundamente, de uma busca permanente da verdade, da pesquisa incansável e de um esforço racional sistemático. Nada disso exclui a fé.
O brilhante historiador inglês Paul Johnson, em seu incontornável 'Uma História do Cristianismo', nos chama a atenção.
“O cristianismo é, por essência, uma religião histórica. Baseia suas alegações nos fatos históricos que declara. Se estes forem abolidos, ele não é nada. Assim sendo, poderá um cristão examinar a verdade desses fatos com a mesma objetividade que apresentaria com relação a qualquer outro fenômeno? Poder-se-á esperar dele que cave a sepultura de sua própria fé, se for esse o caminho apontado por suas investigações? No passado, poucos estudiosos cristãos tiveram coragem ou a confiança de colocar a livre perseguição da verdade antes de qualquer outra consideração. Quase todos estabeleceram um limite em algum ponto. Não obstante, como seus esforços defensivos provaram-se fúteis!”.
E segue o erudito historiador inglês.
“Afinal, o cristianismo, identificando verdade com fé, deve ensinar –e, adequadamente compreendido, de fato o faz – que qualquer interferência à verdade é imoral. Um cristão com fé nada tem a temer dos fatos; um historiador cristão que estabelece limites para o campo de investigação, em qualquer ponto que seja, está admitindo os limites de sua fé. E, naturalmente, também destruindo a natureza de sua religião, qual seja uma revelação progressiva da verdade. Por conseguinte, o cristão, a meu ver, não deve ser impedido, nem no mais leve grau, de seguir o fio da verdade; com efeito, é positivamente fadado a segui-la.”
Não nos enganemos, entretanto, sobre o alcance dos conceitos humanamente formulados. Não nos deixemos levar pelos malefícios de uma atitude que imagina ser possível capturar o mundo com as palavras e enclausurá-lo numa gaiola conceitual.
O interesse pela verdade, ao qual se refere o historiador inglês, é semelhante ao que nos propõe Olavo de Carvalho em texto recente:
“Hoje, quando nos preparamos para contemplar uma vez mais o Menino Deus em seu berço humilde, por favor lembrem-se: Ele é a fonte e o limite do nosso conhecimento. Ele é a medida, a régua e a balança. Ele é o alfa e o ômega. Para além desses limites, existe apenas o mistério insondável da Liberdade Divina.”
Portanto, a tradição cristã nos orienta a nunca temer ou abandonar a busca da verdade, seja qual for o momento, o diálogo e os interlocutores. Ao mesmo tempo, nos indica que não devemos cair na tentação herética de reduzir a criação a conceitos, fórmulas ou equações.
É este o fio da navalha no qual se movimenta o cristão.
Imagem: São Paulo na Prisão, de Rembrandt, 1627.
José Rodorval Ramalho é sociólogo.
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