A primeira dama americana, Michelle Obama, comenta o legado do marido e a esperança americana diante de Donald Trump. Onde está o erro?
Enquanto o mundo se preparava para comemorar o Natal e já trata Donald Trump como presidente americano (até mesmo já o culpando por bombardeios protagonizados por Barack Obama e Hillary Clinton), Michelle Obama deu uma entrevista a Oprah Winfrey na semana passada falando sobre a presidência de seu marido e sobre Donald Trump.
Oprah é uma das maiores doadoras de campanha de Barack Obama e, naturalmente, apenas permite a visão da assessoria de imprensa do Partido Democrata na TV. A entrevista e seus efeitos não foram comentadas na mídia brasileira.
Em um dado momento, Oprah pergunta à primeira dama se ela acredita que Barack Obama, que se elegeu com o slogan de “Hope” (esperança), deu esperança aos americanos. Michelle Obama respondeu, titubeando tanto quanto Dilma Rousseff envidando seus melhores esforços para terminar uma frase, que acredita que sim. Afinal, “podemos ver a diferença agora. Veja, agora nós sabemos como é não ter esperança”.
Michelle Obama ainda disse que a “[e]sperança é necessária. É um conceito necessário e Barack não falou apenas sobre esperança porque ele pensou que era um slogan legal para ganhar votos”.
A CNN reportou apenas a frase de Michelle Obama em sua manchete, com os comentários sem gagueira da primeira-dama, seguido por uma pesquisa do Pew Research Center dizendo que “mais do que um em cada três — 38% — dos americanos acha que Trump será um presidente ‘ruim ou péssimo'” (o que alguém sem diploma em estatística e filosofia lógica também pode notar que é uma minoria: 35% acham que será bom ou ótimo, 18% médio, e os números são ainda melhores do que na época da campanha).
Já a Fox News, além da fala de Michelle, comentou a resposta do próprio Donald Trump, em um evento no Alabama: “Michele Obama disse que não há esperança. Eu presumo que ela esteja falando do passado, não do futuro. Eu acredito honestamente que ela quis dizer algo diferente do que acabou dizendo”. Um tom extremamente conciliador, apesar das palavras confusas.
O silêncio da imprensa brasileira, sempre incensando o Partido Democrata, tem explicação, mesmo no caso de Michelle Obama, cotada por alguns como a sucessora óbvia de Hillary, enquanto ela era “favas contadas” e “favoritíssima” ao pleito, tornando a América uma espécie de oligarquia familiar, máfia ou tribo. Além de se expressar em uma língua cheia de recortes desconexos a la Dilma Rousseff, o que se apreende da fala de Trump está correto, e Michelle Obama, Oprah e a CNN tentam fazer as pessoas viverem com uma contradição que até uma criança percebe como óbvia ululante.
Afinal, esperança é algo que aponta para o futuro (“Forward”, adiante, foi outro slogan usado por Obama). Se Barack Obama, após 8 anos na presidência, fez o povo americano preferir Donald Trump e os Republicanos, como alguém pode bendizer tanto um partido e um presidente simbólico, mas oco, se quem vive sua política 24 horas por dia prefere justamente se livrar dela? A esperança do americano, afinal, está em tornar a América grande de novo, pulando justamente o período Democrata.
Por isso Donald Trump venceu: tornar a América tão boa quanto era e não é mais é algo que toca o coração americano. Apenas dizer “I stand with her” (“Eu fico com ela!”), como o anódino bordão de Hillary Clinton, é apenas proferir uma frase vazia e auto-referente. Mas adivinhe qual dos dois últimos candidatos é considerado “narcisista” por toda a mídia, com toda a população no mundo, que da realidade só conhece as manchetes da CNN, concordando?
Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs" (ed. Record). No Twitter: @flaviomorgen
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