sexta-feira, dezembro 09, 2016

Aos homens de toga tudo é permitido?





por Ricardo Gustavo Garcia de Mello




A primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) composta pelos ministros: Marco Aurélio, Luiz Fux, Rosa Weber, Edson Fachin e presidida por Luís Roberto Barroso, decidiu nesta terça-feira (29/11/2016) ao fazer o julgamento de um habeas corpus que questionava a prisão de cinco pessoas de uma clínica clandestina de aborto que foi fechada pela polícia em março de 2013 no Rio de Janeiro, entenderam que neste caso o aborto até o terceiro mês de gravidez não é crime. Mas esta decisão tomada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal para um caso específico do Rio de Janeiro irá influenciar juízes de todo Brasil e da América Latina.

De acordo com o julgamento do habeas corpus 124.306 relatado pelo Ministro Marco Aurélio, que pode ser acessado aqui, o ministro presidente da Primeira Turma do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou no documento do habeas corpus 124.306 o seguinte:


3. [...] é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A criminalização, nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade.

4. A criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez e a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria.

5. A tudo isto se acrescenta o impacto da criminalização sobre as mulheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos. Que a criminalização do aborto até o terceiro mês de gestação fere os direitos fundamentais da mulher, está decisão de um caso específico irá influenciar todos os juízes do Brasil. Para o ministro, os artigos do Código Penal, que criminalizam o aborto no primeiro trimestre de gestação, violam os direitos fundamentais da mulher, que tem, segundo o ministro, autonomia para fazer escolhas existenciais e tomar decisões morais a propósito do rumo de sua vida.


O ministro Luís Roberto Barroso ao considerar a criminalização da gravidez no terceiro mês de gestação como incompatível com os direitos fundamentais da mulher, a sua autonomia sexual e reprodutiva, considerando que criminalizar a gravidez no terceiro mês de gestação é um ato impositivo do Estado e que cabe à mulher desejar continuar ou interromper a gravidez, é parte do direito dela fazer suas escolhas existenciais e os homens não podem questionar as escolhas da mulher, já que não engravidam, por isto que descriminalizar o aborto significa atender ao princípio da proporcionalidade entre homens e mulheres. E para o ministro a criminalização do aborto reprime principalmente a vida das mulheres pobres que não possuem condições de pagar clínicas para fazer aborto, acabando por recorrer a procedimentos destrutivos que causam graves lesões físicas e psicológicas.

Primeiro a gravidez não é o resultado acidental ou imposição estatal, mas fruto da relação entre o homem e a mulher que produz um outro ser, uma outra pessoa humana, que não é um mero agregado da mulher ou do homem, e muitos menos um bolsa de células. E segundo ninguém detém o direito de julgar a vida de um inocente e vulnerável como uma vida que não deve ser vivida.

Ao considerar o feto ou embrião um bolsa de células que pode ou não ser abortado de acordo com a vontade individual, se coloca a questão do princípio de não-contradição, é impossível ser e não ser ao mesmo tempo e no mesmo sentido, ou seja, o feto é uma pessoa humana ou uma bolsa de células. Porque se o feto for uma bolsa de células descartável ele não pode ser uma pessoa humana ao mesmo tempo e no mesmo sentido. O princípio de não-contradição que a questão do aborto apresente para os seus defensores, não pode ser respondida pela defesa da vontade individual, já que uma pessoa humana não pode ser ao mesmo tempo e no mesmo sentido uma pessoa humana e uma bolsa de células descartável.

E em terceiro lugar o princípio da proporcionalidade sustentado pelo ministro Luís Roberto Barroso padece de dois sérios problemas. Primeiro, esquece de incluir a pessoa humana mais vulnerável e inocente que existe na relação entre homem e mulher, o embrião. E segundo, caso a mulher de acordo com este princípio de proporcionalidade, quiser levar a sua gravidez até o nascimento da criança, o progenitor pode muito bem se declarar não responsável pela criança, já que foi ela que escolheu ter o filho e não ele.

A consequência da decisão da primeira Turma do Suprema Tribunal Federal que descriminalizou o aborto para este caso da clínica do Rio de Janeiro, foi a de ter aberto o precedente para que outros processos decidam descriminalizar o aborto. E ao descriminalizar o aborto se comete um crime não contra as leis do Direito positivo ou a Constituição, mas um crime contra o Direito Natural da pessoa humana que existe independentemente da circunstância tempo-espaço, situação social ou condição médica.

O Direito Natural existe independentemente do contrato-social ou do Direito positivo, ele é a norma constituinte da própria natureza humana, por mais que existam diversas leis, constituições, jurisprudências, culturas e não exista o “consentimento de todo o gênero humana num contrato global”, o Direito Natural existe e o seu conhecimento pressupõe o cultivo da razão e da moral. Por debaixo da roupagem das diferentes culturas e leis existe uma mesma natureza humana.




As Leis naturais do Direito natural, como o respeito à dignidade da vida da pessoa humana, não pode ser criado ou abolido de acordo com uma convenção com base na opinião pública, voto popular, contrato ou convergência das ideias de juristas ilustrados. Os grupos de pressão, organizações políticas e movimentos sociais não podem modificar as Leis naturais que asseguram a existência da pessoa humana. A pessoa humana possui um valor absoluto e não pode ser relativizado como meio de ação de um grupo de pressão, movimento social, Estado, organização política ou jurídica. A pessoa humana é sempre um fim em si e nunca o instrumento de uma ideologia ou programa, é nisto que se encontra a base dos Direitos Humanos e de todo o humanismo autêntico. De acordo com Miguel Reale (1910-2006) o valor da pessoa humana é um patrimônio irrenunciável e exclusivo da espécie da humana revelado pelo Direito Natural para todo o sempre, que apesar de sofrer oscilações de sentido, a sua essência permanece indelével.

O Direito Natural é a única fonte segura de autoridade para as Leis positivas pelo fato dele ser eterno e universal e não particular, convencional ou arbitrário. Hannah Arendt (1906-1975) afirma que o Direito Natural responde a necessidade das leis positivas humanas têm de ser uma fonte externa eterna e universal, que transcenda, como uma “lei maior”, o próprio ato legislativo fundado na força ou na opinião pública das multidões, cambiantes por definição.

Quando não existe mais a noção de Direito Natural o homem cai na ditadura do mais forte ou do mais esperto por não existir mais fundamento sólido ao direito à vida e nem parâmetros para as arbitrariedades. Sendo possível formar uma juristocracia. A juristocracia é o ativismo jurídico dos juízes, magistrados, advogados e grupos de pressão que se julgam capazes de modificar até as Leis Naturais para “desenvolver e democratizar o homem”.

O próprio ministro Luís Roberto Barroso elenca no item 7 do habeas corpus uma série de países desenvolvidos e democráticos onde o aborto até o primeiro trimestre gestação é descriminalizado, para demonstrar que tal descriminalização é um dado da democracia e do desenvolvimento.
7. Anote-se, por derradeiro, que praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália.
O Direito Natural são as Leis universais e permanentes, como a defesa da vida da pessoa humana, que fazem da natureza humana aquilo que ela é: humana. E aqueles que violam as Leis naturais violentam a natureza humana, e mesmo quando é legal violá-las o ato de violação não deixa de violentar a natureza humana.





É a Lei natural, portanto a universalidade e permanência do Direito Natural, que garante a liberdade contra a tirania. É o Direito Natural e não o contrato social, a assembleia constituinte, as leis positivas e a constituição o fundamento do respeito à vida da pessoa humana, o que a Lei positiva e a constituição podem fazer é reconhecer as Leis do Direito Natural como Leis positivas.



“Por serem naturais e não positivos, os direitos fundamentais são irrenunciáveis – pois ninguém pode renunciar à própria natureza inalienáveis – porque não podem ser transferidos a quem quer que seja nem podem ser apropriados por terceiros e são imprescritíveis – estarão em vigor enquanto perdurar a natureza humana.” [MENDONÇA, 2010, p.121]


O Direito Natural à vida da pessoa humana, pertence a todos independente das circunstância tempo-espaço, situação social ou condição médica. Já a juristocracia reduz o ser humano a um objeto de ensaio que pode ser manipulado por um plano, já que os ilustres conhecedores do Direito podem inventar regras e Leipara modelar os homens através de técnicas políticas e abolir aquilo que é considerado o Direito Natural.





Ratzinger (Bento XVI) no seu Discurso aos participantes no Congresso Sobre Lei Moral Natural promovido pela Pontifícia Universidade Lateranense em 12 de Fevereiro de 2007, explica a importância da Lei natural:


“A lei natural é a nascente de onde brotam, juntamente com os direitos fundamentais, também imperativos éticos que é necessário respeitar. Na atual ética e filosofia do Direito são amplamente difundidos os postulados do positivismo jurídico. A consequência é que a legislação se torna com frequência somente um compromisso entre diversos interesses: procura-se transformar em direitos, interesses particulares ou desejos que contrastam com os deveres derivantes da responsabilidade social. Nesta situação, é oportuno recordar que cada ordenamento jurídico, tanto a nível interno como internacional, haure em última análise a sua legitimidade da radicação na lei natural, na mensagem ética inscrita no próprio ser humano. Em definitivo, a lei natural é o único baluarte válido contra o arbítrio do poder ou os enganos da manipulação ideológica. O conhecimento desta lei inscrita no coração do homem aumenta com o progredir da consciência moral. Portanto, a primeira preocupação para todos, e particularmente para quem tem responsabilidades públicas, deveria consistir em promover o amadurecimento da consciência moral. Este é o progresso fundamental, sem o qual todos os outros progressos terminam por ser não autênticos. A lei inscrita na nossa natureza é a verdadeira garantia oferecida a cada um, para poder viver livres e ser respeitado na própria dignidade.”

Em suma, quando não existe Direito Natural, aos homens de toga tudo é permitido.


Bibliografia: 
MENDONÇA, Jacy de Souza. Iniciação à filosofia política: O Homem e o Estado. 1.ed. São Paulo: Rideel, 2010
REALE, Miguel. Cinco temas do Culturalismo, Saraiva, São Paulo, 2010
STRAUSS, Leo. Uma Introdução à Filosofia Política, É Realizações, São Paulo, 2016

Divulgação: Papéis Avulsos - www.heitordepaola.com

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