por Flavio Morgenstern,
No incrível e imprevisível e incontrolável ano de 2016, quando a mídia perdeu a credibilidade e até inventou conceitos como “pós-verdade” e “fake news” para tentar arrumar uma explicação para seus falhanços, o Datafolha coroa o bolo cerejosamente com uma pesquisa afiançando que Marina Silva, a de sempre, lidera as intenções de voto para 2018.
Jornalistas dificilmente eram os primeiros da turma nas provas de matemática. Raramente sabem que bioestatística seja algo que exista, que dirá fazer sumarização de dados ou distribuição de probabilidades. Fazendo parte do espaço amostral de extrema-Humanas das Universidades, e confiando na autofagia jornalística descrita por Rolf Kuntz (jornalistas apenas lêem outros jornalistas), tal classe fez pulularem manchetes replicadas em Ctrl + C / Ctrl + V a respeito do nosso futuro marinado em caldo de melancia. Afinal, tais jornalistas passaram nas suas provas de estatística exatamente como nós, ignorantes em Dinâmica de Sistemas Complexos, passamos: datafolhizando qualquer questão de Vestibular envolvendo números.
O processo de datafolhização é fácil de ser aplicado: qualquer galalau na puberdade é capaz de dominá-lo. Trata-se apenas de falar de números como se representassem alguma verdade por ter um formato de estudo numérico, mas não conter nada além de associação livre freudiana. Uma espécie de gerador de lero-lero numérico. Basta falar de números com empáfia e pronto: está datafolhizado. O professor vai sempre notar num relance que é pura bazófia, mas sobretudo para as pessoas que não entendem chongas de números, mas adoram dizer amém para qualquer coisa “científica” que pareça conter números, a datafolhização causa uma impressão de arcana ciência.
Nada pode estar em mais descrédito do que o Datafolha, que errou em 10 pontos a reeleição de Dilma Rousseff e jurava que as manifestações pelo impeachment da mesma Dilma Rousseff na Avenida Paulista mal conseguiriam lotar suas ciclofaixas. Ninguém datafolhiza mais do que o Datafolha. Antes mesmo de se ler este texto – basta-se ler a manchete – já se sabe que “datafolhizar” significa torturar os números até que eles confessem a verdade que o carrasco queira. Alguém com o selo Datafolha de credibilidade não consegue pagar com nota de R$ 2 sem ninguém achar que é falsa.
Quando o Datafolha afirma que Marina Silva é a preferida para as eleições de 2018, a primeira providência de Marina Silva deveria ser trocar toda a sua equipe, seu partido, suas idéias, sua religião, seu nome e seu continente. Imagine sair na rua em um dia em que o Datafolha garante que você não tem a menor chance de ser assaltado?
Marina Silva é sempre aventada como a “favorita” após qualquer protesto. Explicação óbvia: dos grandes nomes “presidenciáveis” das últimas eleições, é a menos conhecida e a “terceira via” aparente, já que só petista acredita que quem é anti-petista seja tucano (o povo mesmo quer se ver livre dos dois). Foi assim em junho de 2013, foi assim logo após a morte de Eduardo Campos em 2014. Basta Marina Silva começar a falar para o grande público com suas propostas como criar um partido “radicalmente democrático” para todos se cansarem dela nos próximos minutos.
Marina Silva está no auge. Daqui pra frente, ela só vai para baixo. Outros candidatos tem o potencial exatamente inverso. Vide João Doria. Ao ser datafolhizado, Doria se mostrou acima da torcida do Instituto de Datafolhização da Folha de S. Paulo. Marina só pode se mostrar abaixo. Vide também o que as pesquisas de opinião fizeram com Flávio Bolsonaro no Rio de Janeiro, manipulando votos “úteis” para uma legenda preferida, sempre usando os limites da margem de erro para cima para um lado e para baixo para outro para, a fim de parecer descrever a realidade da vontade popular, prescrever uma vontade coletiva que o povo deve obedecer por mimetismo. A confusão típica da mentalidade democrática.
Outro personagem típico da datafolhização é, claro, Lula. O ex-presidente aparece em primeiro lugar numa das projeções do datafolhismo, o que anima petistas sobreviventes e, segundo alguns, faz Lula recuperar a popularidade que já teve, tentando fazer com que ainda mais não-petistas dêem uma colher de chá a Lula.
O que não se explica é que Lula é réu em quatro ações penais (oh, espere! logo após a divulgação da última datafolhizada, Lula foi indicado mais uma vez via Lava Jato, dessa vez graças ao Instituto Lula). Apesar de nossa Constituição não estar completamente preparada para os presidenciáveis terem uma ficha corrida tão extensa e engabelarem tanto a população ao mesmo tempo, não é lá uma maioria no ordenamento jurídico que entende que Lula poderia concorrer sendo tão investigado pela polícia, ainda que um milagre do alinhamento dos astros o salve da prisão até 2018 (quais as projeções do Datafolha para o eclipse lulista?).
E a tucanalha, esse coletivo que não perfaz um partido, tem apoio ainda mais anódino da população do que a mentalidade do datafolhismo é capaz de averiguar? Aécio, Alckmin e Serra não se bicam, não perfazem um partido e cada qual tem o seu projeto de poder, cada um tentando ter o PSDB inteiro para si (na única diferença, fora o totalitarismo, que têm em relação ao PT: lá, se não for Lula, não será ninguém com estofo para ganhar mais votos do que o PSTU). Nas projeções, aparecem com voto dividido: os três tucanos disputando em separado, com Lula em primeiro.
Não é preciso ser o Sherlock Holmes da estatística para saber que, por mais que o PSDB possa mesmo rachar, e os três concorram juntos entre si (provavelmente com Aécio no PSDB, Alckmin no PSD e Serra no PMDB), os votos de todos se unem tão logo a ameaça de um petista, melancia ou Ciro Gomes desbunde no horizonte. Afinal, ninguém gosta dos tucanos: mas somos obrigados a votar neles, se a opção continuar sendo entre os socialistas fabianos e os socialistas sindicalistas, entre os ladrões e os totalitários.
E quem também está lá na datafolhização de 2018? Sérgio Moro! O juiz mais low profile do país aparece dividindo voto com todos aqueles em quem taparemos o nariz e votaremos só porque são a opção contra a hegemonia de doutrinação, aparelhamento, roubalheira e concentração de poder do PT e da esquerda (mesmo sendo esquerdista, é possível entender tal assertiva sem ter uma síncope só reversível por um médico cubano). O que raios Sérgio Moro faz ali, senão para agradar a mentalidade datafolhista? E que zoada magnífica não faz nos números, que os leitores de manchete nunca notarão?
O mesmo já fora feito com Joaquim Barbosa, alguém mais petista do que Lula, mas que só por ter aceitado a existência do mensalão, virou herói nacional por um tempo. Juravam que o juiz viraria político, o que até hoje não ocorreu. E não cansa de espezinhar aqueles mesmos anti-petistas e anti-esquerdistas que o trataram como grande brasileiro. Aliás, Carmen Lúcia também aparece entre as presidenciáveis do datafolhismo.
Tudo isso para mostrar como resultados idéias como “Marina Silva ganharia em todos os cenários”, mostrando, por exemplo, seus 15% de intenção de voto em um segundo turno contra Aécio Neves, que teria 11% (empate técnico). Alguém pode avisar os datafolhizadores de nossos assuntos que segundo turno costuma ter bem mais voto, que há reunião de forças, que só nos botecos frequentados por jornalistas da Folha alguém já viu um eleitor de Marina Silva ao vivo, E que toda essa pesquisa só quis gerar um buzz, um assunto para uma segunda-feira chata sem nenhum político preso, mas tem a mesma veracidade, valor e validade das palavras dos advogados do Lula.
Novamente, todo mundo de extrema-Humanas já datafolhizou em alguma prova de matemática na vida. O problema é que pode até surpreender quem não sabe nem que fórmula está sendo usada na equação: os professores sempre sabiam imediatamente, e em alguns segundos nos davam nota zero.
Fonte: sensoincomun.org
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