por Flávio Morgenstern, do sensoincomum.org(*)
Após a alquimia do Vox Populi, mais um instituto de pesquisa está jurando de pés juntos que Lula já é nosso futuro presidente, que o povo que entupiu as principais avenidas do país contra o PT vai de 13 na cabeça nas próximas eleições e que Lula é 69% dono do triplex no segundo turno, noves fora a margem de erro: sem surpresas, o Datafolha, campeão de “previsões” furadas nos últimos anos.
Se o Datafolha fizesse uma pesquisa questionando em quem o eleitorado mais confia: se em videntes ou no próprio Datafolha, é provável que não haveria margem de erro o suficiente para disfarçar o quanto o brasileiro, apesar da memória deformada, só consegue lembrar do Datafolha, Vox Populi et caterva associados a erros colossais, e simplesmente nenhum micro-acerto nos últimos anos (Marina eternamente favorita, impeachment não ocorrerá, Hillary já ganhou etc).
Responda rápido: como você escolherá seu candidato em 2018? Há duas respostas para essa pergunta: com amor à causa e jurando que está salvando o planeta com 3 botõezinhos (o que já garante que o perguntado é um petista ou ex-petista que migrou para Marina Silva ou Ciro Gomes) e com nojo, pensando bem em qual será o mal menor, tendo quase uma certeza escatológica da danação, mas pensando se agüenta mais um soco com soco inglês ou uma voadora com sapato com tarraxas de aço, tapando o nariz na urna e torcendo para doer pouco. Neste último cenário encontra-se entre 60 e 70% do eleitorado brasileiro, que bem ao contrário do que quer a Folha de S. Paulo e os analistas políticos brasileiros que só enxergam mofados partidos e eleições com opções que ninguém quer para entender a mentalidade do brasileiro.
Não é preciso ser genial neste cenário para entender que a rejeição a um político conta infinitamente mais do que sua aprovação, geralmente só contada por militantes (ou seja, só vale para o candidato petista ou pros sonháticos marinistas). Vota-se, ainda mais em uma eleição com garantia de segundo turno para filtrar ainda mais o “mal menor” (a verdadeira razão da eleição em 2 turnos), em alguém no qual não gostamos e já rejeitamos uns bons por cento, mas que rejeitamos menos do que o outro lado.
Qualquer pesquisa que analise a intenção de voto só tem o efeito exatamente oposto: dizer ao uma parcela do eleitorado que o restante do eleitorado enfrentará um problema. Em que matemática em que 100% é dividido por cem partes de 1% é possível dizer que Lula lidera a pesquisa com até 31% das intenções de voto (patamar em que está rigidamente inalterado desde 1989), se tem rejeição de 45%?
Como é possível um presidente ser eleito se tem mais gente que não votaria nele de jeito nenhum (fazendo com que ciristas votassem em Marina, que bolsonetes votassem em Doria, que alckmistas votassem em Ciro) do que gente que está firme e forte lutando dia e noite para a volta do petismo (aquele do impeachment aprovado por 66% da população)?
Mesmo com os dados incrivelmente errados do Datafolha, o que nunca acerta uma, bastaria inverter e procurar quem é o candidato menos rejeitado e voilà: estamos olhando para o provável futuro presidente (para o Datafolha, Bolsonaro tem 23%, Marina 21%, Doria 16% e Sérgio Moro, sabe-se lá o que diabos fazendo aí, é rejeitado por ainda menos gente do que os militantes pró-Lula, também com 16%).
Sérgio Moro ser analisado como candidato à presidência mostra também uma escolha desesperada do Datafolha para diminuir votos daqueles candidatos entendidos como uma oposição mais forte ao petismo do que seus antigos apaniguados (como Marina e Ciro). O povo pedestre só demonstra que tem várias opções contra Lula, e que até mesmo para a margem de erro do Datafolha, atualmente em duas casas decimais, a oposição ao petismo se mostra mais forte do que o petismo.
De fato, a levar o Datafolha a sério, apenas contra os velhos adversários Alckmin e Aécio, rejeitados pelo povo justamente por serem pouco diferentes do PT, Lula teria alguma chance. Marina e o penetra Moro o desbancariam.
Bolsonaro e Doria, os novatos na análise, não podem ter seus números ainda levados a sério: são ambos indescritivelmente mais desconhecidos do eleitor do que Lula é, e sua margem de erro apenas aponta para cima: quanto mais conhecidos se tornarem, ambos os candidatos (muito mais reais do que Aécio e Alckmin, diga-se) só subirão nas pesquisas, enquanto a tendência de Lula é só esfriar seus números. Que o digam petistas e ex-petistas como Heloísa Helena, Marina Silva, Marta Suplicy, ou como até Paulo Henrique Amorim ou a CUT já começam a tentar apartar sua imagem de Lula.
Os números “com margem de erro”, essa aberração matemática, uma espécie de estatística Caetano Veloso, ou não, só vale mesmo como análise de tendência (novamente, descontando os nove fora dos números do Datafolha). Por exemplo, ver que Alckmin e Aécio são carta fora do baralho, que mesmo o povo humilde prefere Sérgio Moro, que quase nunca aparece em público, a Lula, que Marina de novo começa no auge para só ir para baixo, e que quem está realmente com o favoritismo e o potencial de crescimento são os outsiders e novatos, pois o povo está cansado das raposas velhas. E, pior: que Bolsonaro só é xingado pela mídia quando ela precisa citá-lo, e mesmo assim ele já chega sozinho, com os próprios pés, ao segundo turno. Algo mais precisa ser dito?
É curioso ver o Datafolha testando vários cenários. Apesar de parecerem “pesquisas” com peso científico, na vida real da política, sabe-se que toda informação contém potencial de mudança. Até mesmo os reis do determinismo, os behavioristas radicais, concordam que pesquisas de opinião são feitas para se mudar a visão atual do eleitorado para outra. É como o desejo mimético de que fala René Girard: as pessoas, mesmo com personalidade forte, tendem a desejar o que outros desejam. Não há outdoor da Coca-Cola que se compare a todos ao redor bebendo Coca-Cola para nos dar vontade.
Mas o Datafolha apenas se esqueceu, como todos os institutos de pesquisa até agora, de analisar um dos cenários mais prováveis das eleições de 2018: aquele em que Lula não disputa, pois estará preso em Curitiba após tantos delatores revelarem seus crimes. E aí, como ficará o segundo turno?
(*)Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs" (ed. Record). No Twitter: @flaviomorgen
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