por Paulo Rosenbaum
Já que o País está dividido ao meio, podemos enfim contar melhor as peças do tabuleiro.
Chefões e subordinados do regime não parecem mais temer as circunstâncias que criaram, nem os 51 milhões que não os avalizaram. A única pergunta significativa é por que? Conseguiram a cola perfeita, aquela que gruda em quem se opõe ao projeto de hegemonia. Nos adesivos, nomenclaturas desqualificadoras de ocasião. A pergunta é, como pode uma oposição que opera com tal frieza lidar com um trator cujo motor já deu sinais que está prestes a fundir?
Refrescando a memória coletiva, a oposição pouco se mexeu quando os primeiros indícios de que uma megaoperação de perpetuação no poder estava em curso. Pouco fez quando as evidências apontavam para o núcleo duro do partido. É verdade, torceu pelo magistrado-solo enquanto tentava superar as ameaças que corriam por fora. Quando ele mesmo dimensionou seu isolamento e jogou a toalha, quase nenhuma voz de desagravo.
A oposição apresenta-se hesitante e pouco convincente aos olhos da opinião pública, que espera bem mais do que “convocação de nova CPI em fevereiro”. A sociedade sente-se orfã diante dos fatos correndo na frente das barreiras. Urgência detectável para bem além das “redes sociais” — como algumas mídias preferem se referir aos rumores para circunscrever uma indignação muito mais ampla. Bem mais difusa do que mensagens rancorosas e preconceituosas entre usuários da internet. A sensação é de que os dinossauros estão esticados tomando sol sobre as pedras, em atitude expectante, diante de um regime agônico. Mas, novamente, podem estar enganados quando não consideram que o extravio leva à truculência, como aconteceu em toda República partisã. Nas circunstâncias que temos testemunhado, não há nada de paranoico evocar as circunstâncias que levaram jovens democracias à bancarrota.
O mais recente ícone do fracasso da democracia é o exemplo venezuelano. A oposição, por medo e intimidada pelo populismo chavista encistou-se numa trincheira distante, fria, com boicote, salto alto e esperança de que o desgaste natural desse conta do tirano. Pois, não ocorreu. Pelo contrário. O resultado de fato foi um avanço sem precedentes do que se convencionou chamar de bolivarismo. Palavra que traduz medidas autocráticas e invenções sob medida para justificar o totalitarismo. A “democracia direta”, por exemplo, é a evidente fissura entre a representação política e os votantes. Implementada, a sociedade se viu diante do desmanche dos três poderes. Extinta a auto regulação, os habitantes daquele país passaram a contar exclusivamente com agentes e líderes do executivo. Não é fortuito que a ONU tenha acabado de condenar Caracas por graves desrespeito aos direitos humanos, de prisões ilegais às torturas. A diplomacia brasileira perfilou-se aos países que tratam direitos humanos com mudez seletiva.
É particularmente espantoso que comentaristas e catedráticos nacionais – subsidiados ou não pelo erário — apontem para uma “nova direita” e uma “extrema direita ideológica” sem, ao mesmo tempo, apontar para o contexto real do parto destas forças. Seria por lealdade nostálgica por aquilo que já foi concebido como os valores progressistas? Faz tempo que o populismo autoritário vem ajudando a deslocar o centro para os extremos. Forças democráticas, da direita à esquerda em desacordo com o onipotência, foram empacotadas, comprimidas e reduzidas à “reação”, agora com insinuações de golpismo. O petismo, sacrificando o fiapo de coerência com seu comportamento e alianças, estas sim, à direita daqueles que são acusados de conservadores, instruiu uma aposta. E ela esta exatamente neste contingente de indignados sem filiação clara, manipulados para insuflar teses conspiratórias. Isso ajuda a propagar com mais facilidade seu maniqueísmo instrumental.
Recobram a desinibição para prosseguir no planejamento oportunista de reformas macro institucionais, à revelia da opinião pública. Não foi só ter levado o pleito na base da calúnia e difamação dos adversários. Não foram só acordos secretos com a ditadura cubana. Não são só os decretos arrivistas. Não é só a imposição de conselhos populares controlados pelo partido. Não é só a luta para extinção do Senado. Não são só financiamentos públicos de campanhas de candidatos dos países vizinhos. Não é só a complacência com governantes totalitários. E não se limita a grudar em um partido tampão como o PMDB, para ganhar aparência mais amigável perante a “nova classe média” que, em segredo chamam de “desprezível baixa burguesia”. Mas, principalmente, a autoconfiança político-jurídica que foram angariando para sustentar todas estas operações. Na clandestinidade atuam com uma única finalidade, já escancarada, de aglutinar-se como poder único.
Trata-se portanto de um regime que finge que não governa, para enfim trabalhar em sua especialidade, a oposição. Isso é muito sugestivo. Sugestivo de que estamos diante de um governo que já age num registro sub oficial. À sombra da legitimidade constitucional. Não porque quer, mas porque atingiu uma espécie de zênite transgressor, e sob o excesso de denúncias, acobertou uma verdade muito mais comprometedora que os alardes dos maus feitos que agora vazam por todos os lados. Por todos os lados, menos para o corredor central do Planalto. E enquanto se convencem de que a impunidade é o prêmio laudatório à grandiosidade de sua causa, o país encolhe, e nós junto.
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