No futuro, todo jornalista terá status de correspondente de guerra.
por Paulo Rosenbaum
Ninguém quer falar, mas agora ela se foi. Um último suspiro. Foi hoje pela manhã. Não divulgaram, mas as tentativas de salva-la, não foram só inúteis: evidenciou toda doença e expôs a desproteção sob a qual vivia.
O estado já era crítico, mas, sempre nos enganamos com a maquiagem e com as expressões suaves. A verdade é que esteve suprimida para não exaltar ainda mais seus sintomas. Mesmo assim, ninguém percebia bem a gravidade da sua situação. Andava doente, mas mantinha a cabeça erguida. Vinha reclamando da população. Num episódio célebre, notou pessoas se escondendo enquanto a mordaça estava sendo apertada contra sua boca. Com uma lesão na garganta não conseguia mais falar como antes. Enrouquecia todos os dias. Engasgava e precisava ter cuidado com as palavras. Mesmo assim, não faltou um só dia para voltar à carga. Se todos estão testemunhando por que não se manifestam? Nunca conseguiu compreender ou aceitar fingimento. A sociedade teria enfim aprendido a cegueira seletiva dos políticos? Chegou a considerar que vivíamos uma epidemia de estoicismo. Não ver ou se recusar a enxergar num mundo cada vez mais vigiado e controlado.
Os alertas iniciais foram dados, ela mesmo se encarregou de acenar. Valores democráticos são frágeis, e tem sempre gente tentada a regular, monitorar e todos sinônimos marotos para driblar a palavra “censura”, costumava dizer. Sem precisar forçar pendia ao bom humor. Tudo era natural nela: a risada, a ironia e a sátira sempre usadas para romper o clima pesado. Tudo se intensificava quando insistiam nas carrancas, lamentos e assuntos sérios. As vezes se questionava. Tinha o direito de ser provocadora? Talvez não, mas isso nunca a intimidava. Era obrigação ser careta? Conter-se na missão de opinar? Defendia-se afirmando o direito de interpretar as notícias e que ela mesma era o último valor pelo qual fazia sentido lutar. Mesmo sem aptidão para profeta, acabou gerando profecias.
Seu leitmotiv? Brincar com a seriedade. Colou na entrada da redação: "quanto mais nos levarmos a sério, mais insanos nos tornamos”. Acusada de irreverente quando deparava com culturas menos liberais, escrevia em seu diário que “Minha exigência? A razão da minha existência? Instigar o raciocínio, a crítica, desafiar e informar sem deixar que nos intimidem”. Contam os mais velhos que, certa vez, cercada por intolerantes de todos os lados, e à beira de um linchamento, saiu-se com essa: “Vocês podem acabar me eliminando, mas se é verdade que os valores subjetivos não morrem, sou como o fantasma que assombra. Piadas em dobro reservadas para aqueles que me perseguem”.
Em meio aos milhares de escritos inacabados, acaba de ser encontrado ao lado do corpo, um estudo que ela, A Liberdade de Expressão, esboçou para o próprio epitáfio: “A realidade é absurda: divirtam-se”.
Fonte: Pletz e G1
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