por Jacinto Flecha
Meu vizinho no metrô fechou a revista, para descer na estação seguinte, mas consegui ler de relance o título de uma página: E agora, Francisco? Estávamos cinco estações antes do meu destino, e a revista desceu junto com o passageiro, impedindo-me de saber quem era esse Francisco, em que enrascada se meteu, como pretende sair dela, qual sugestão a revista lhe apresenta. Sem os dados objetivos do artigo, eu só podia dispor da imaginação, e recorri a ela criteriosamente para avaliar, pelo aspecto dos passageiros, se algo estranho estaria acontecendo com eles.
Se aquele passageiro que acaba de entrar é o tal Francisco, ele concluiu há pouco o curso superior, mas ainda não conseguiu um emprego. Foi bom aluno, tirou boas notas, mas é um tanto tímido para bater de porta em porta. Não tem conhecidos em boas firmas do ramo, e sabe que elas só contratam quem tem experiência prévia, dado negativo no seu caso. Para piorar, o mercado de trabalho encolheu, reduzindo também as suas esperanças. Imagino para ele caminhos como a recomendação de amigos, trabalho como estagiário, ajuda de algum professor. Por onde começar? A timidez não ajuda, e provavelmente levará tempo para encontrar trabalho.
Aquele outro, sentado lá no fundo, parece um Francisco que perdeu o emprego. Junto com ele foram também dispensados vários colegas. Tem experiência no serviço, o que melhora um pouco a perspectiva. Mas as demissões foram exigidas pela situação geral, outras firmas estão fazendo o mesmo, e há muitos concorrentes para as poucas vagas. A situação de desemprego está piorando, e ele não sabe qual será seu futuro.
Este sentado à minha esquerda é um Francisco noivo, com aliança no dedo e casamento já marcado. Confiava no pai da noiva para sustentar o casal no início, mas a empresa do futuro sogro sofreu as consequências da depressão do mercado. Reduzidas drasticamente as disponibilidades, o jeito é esperar situação mais favorável.
Francisco pode ser este que acabou de entrar. Tem cara de quem pretende montar uma empresa. Pediu dispensa do emprego para isso, e estava tudo acertado. Mas dependia de financiamento bancário, e os bancos fecharam as carteiras de empréstimo. Como sempre acontece, pois os bancos param de vender guarda-chuvas exatamente quando começa a chover. E agora ele está sem a cabra e sem a couve.
Aquela que saiu agora parece uma Francisca, empregada doméstica que também perdeu o emprego. Sem culpa própria nem má vontade do patrão, que também foi dispensado e precisou cortar despesas. Ele está procurando trabalho, e prometeu contratá-la novamente quando as coisas melhorarem. Já recorreu a parentes, mas a situação deles também está bastante difícil, e essa fonte secou.
Estávamos chegando à estação onde eu deveria descer, esgotando-se meu tempo livre para levantar mais hipóteses. Mas uma análise retrospectiva mostrou-me que todos os Franciscossubmetidos à minha avaliação estavam em dificuldade para encontrar emprego, devido à depressão do mercado de trabalho. Curioso isso, pois não me consta que esteja tão grande o desemprego, pelo menos não se queixam disso as estatísticas oficiais, sempre benignas consigo mesmas. Estaria próximo o estouro de alguma “bolha”? Os empresários resolveram cancelar os investimentos? Os geradores de empregos se cansaram de pagar impostos extorsivos? Ou estaria algum movimento de origem comunista preparando mais uma investida contra os proprietários?
Tudo isso me pareceu pouco provável, até o momento em que liguei os pontos e me lembrei do Encontro Mundial de Movimentos Populares, promovido no Vaticano por agitadores de formação marxista. A tônica do evento foi o anticapitalismo e a luta de classes. Um conhecido ativista, vermelhão de cara e de pensamento, apresentou como objetivos principais do encontro: “Combater o capital financeiro, os bancos, as multinacionais. Os inimigos do povo são esses. Lutaremos juntos para parar os bancos e as multinacionais”. O panorama era tão vermelho, que o anfitrião precisou justificar-se: “Se eu falo disso para alguns, significa que o Papa é comunista”.
Ora, um fato histórico amplamente comprovado é que a luta de classes marxista distribuiu pobreza e desastres onde se instalou. A esquerda dificulta a atividade dos ricos, mas os maiores prejudicados são sempre os pobres, que perdem empregos e outras fontes de renda. Ela age como se atividades lucrativas fossem crime, mas nenhuma lei racional chega ao disparate de criminalizar o lucro. Claríssima a favor do lucro é a doutrina social da Igreja, mencionada pelo anfitrião com outro propósito.
Eu sempre entendi que perseguir ou prejudicar os geradores de empregos é caminho infalível para reduzir ou eliminar os empregos, e a lógica não me permite pensar de outra forma. Perseguindo os geradores de empregos, o desemprego se torna inevitável. Quem cometerá a tolice de investir em novas empresas ou expandir as existentes, se tudo conspira para gerar prejuízo ao invés de lucro? Imagino que isso seja também evidente para o prezado leitor.
Se os ventos levógiros do Vaticano soprarem para incentivar esses projetos igualitários, anticapitalistas, podemos preparar-nos para aplicar a milhões de outros aquela pergunta da revista:E agora, Francisco, João, Pedro, Leonardo…?
Fonte: IPCO
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