por Paulo Briguet(*)
2015 foi um ano que fez vítimas. Penso nos 9 milhões de desempregados, nos 70 mil assassinados, na volta da inflação, nos que foram às ruas contra a corrupção, nos que não aguentam mais a mentira e o crime estabelecidos como método de governo.
Neste Natal recebi inúmeros cumprimentos e manifestações de apoio por parte de leitores, amigos, cidadãos que acompanharam meu trabalho no Jornal de Londrina -- que, como todos sabem, circulou pela última vez no dia 18, uma semana atrás. É impossível agradecer aqui a cada um dos que se manifestaram. Mas o faço, com o coração nas mãos, a todos. Muito obrigado!
Eis que, no dia 23, recebo um comentário diferente. Veio de um professor da universidade, o Sr. Jaime Sant'Anna, a quem eu carinhosamente chamo de Santa. Do alto de sua estabilidade no emprego e de seu polpudo salário, pago com o dinheiro dos nossos impostos, Santa declarou-se satisfeito com o meu dissabor:
"Chupa, sr. Briguet. Acho que o senhor devia voltar a estudar -- coisa que abandonou há muito tempo -- e dar novo rumo pra sua vida. Quem sabe, ainda dá tempo de recomeçar numa outra área".
Ao ler o comentário de Santa, lembrei-me de uma frase de Bernanos: "O Inferno é não poder amar nunca mais". Fiquei pensando nos motivos que levam um professor universitário, com mais de 40 anos e um doutorado nas costas, a procurar o site de um cronista só para dizer que está feliz com a sua dor. Não devem ser motivos muito nobres. Talvez tenham alguma relação com problemas de consciência. Mal sabe ele que, em breve, terá uma notícia inesperada a meu respeito.
Alguns podem estranhar que eu tenha escolhido justamente o comentário de Santa para esta mensagem natalina. Mas eu acredito que não haja escolha mais apropriada. Jesus veio ao mundo exatamente porque a maioria dos homens agia -- e ainda age -- como o nosso professor universitário.
2015 foi um ano que fez vítimas. Penso nos 9 milhões de desempregados, nos 70 mil assassinados, na volta da inflação, nos que foram às ruas contra a corrupção, nos que não aguentam mais a mentira e o crime estabelecidos como método de governo. Penso no senhor de 102 anos que ficou sem o JL, nas mães que perderam seus filhos, no porteiro Claudinei que morreu trabalhando. Penso no golpe do AI-13, desferido nos últimos dias do ano. Penso até nos que aguardam, cheios de tremor e temor, a visita do japonês da Federal. Quero que a vida seja misericordiosa e justa com cada um deles. Não desejo a dor, nem a tristeza de ninguém. Desejo a verdade, a beleza e o bem.
2015 não foi um ano que nós vivemos, foi um ano que nós sofremos. Mas a existência da dor é o melhor caminho para descobrimos a existência da graça. "Cruz, esperança única", escreveu Edith Stein. Mesmo quando alguém se regozija com o nosso sofrimento -- como fez o professor Santa --, a melhor resposta é voltar a outra face. Voltar a outra face, ao contrário do que supõem os leitores apressados do Evangelho, não é aceitar passivamente o golpe: é expor a natureza absurda do mal. É dizer que existe outro caminho, e que seguiremos por ele, ainda que seja preciso carregar uma cruz.
Feliz Natal, Santa. Feliz Natal, amigos.
(*)Paulo Briguet é jornalista e escritor.
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