O instituto de pesquisas Datafolha errou praticamente tudo o que tentou prever em 2014. Mas errou com método: sempre favorecendo o PT.
por Flavio Morgenstern(*).
Joseph McCarthy entrou para a história como um paranóico, autoritário e populista (na época em que esta palavra tinha um significado), mas o turrão senador americano, além de ter sido provado correto pela história (sim, afinal, os russos infiltravam agentes em Hollywood, e bem mais do que McCarthy pensava), teve uma intuição que mereceu destaque: afinal, somos falíveis, mas por que certas pessoas sempre erram para o mesmo lado? É a pergunta que sempre levantamos a cada nova pesquisa do Datafolha sobre Lula e o PT.
Todo mundo sabe que pesquisas têm opinião, esperam por determinado resultado,, têm agenda, são meras estimativas temporárias, costumam ser encomendadas e são a própria explicação do que significa wishful thinking, quando se confunde torcida com análise. Sobretudo, “erram”: mais do que isso, sempre erram para o mesmo lado, onde quer que estejam Lula e o PT.
Ou mesmo errando para complicar os adversários de Lula e do PT. Nas últimas eleições, em 2014, na penúltima pesquisa do primeiro turno, o Datafolha era taxativo: Dilma tinha 40% de votos, Marina tinha 24% e Aécio patinava em terceiro, com 21%.
Muitos figurões do anti-petismo na mídia (daquele anti-petismo sem alguma premissa filosófica mais profunda do que “mensalão”) até aderiram ao marinismo, crendo ser menos pior apostar naquela que conseguiria, talvez, quem sabe, evitar que Dilma Rousseff sagrasse-se campeã no primeiro turno, do que tentar, digamos, com alguém mais afastado do petismo.
Três dias depois, Dilma teria 41%, Aécio 33% e Marina meros 21%. Como explicar o “aumento” de 12% do Aécio em três dias?
Mesmo que contemos a última pesquisa, na véspera do pleito, em que Aécio já havia ultrapassado Marina por 26 a 24, o resultado final ainda está bem acima da margem de erro. Dilma, a impeachmada, teria 44%, pela última pesquisa. Dentro de uma margem de erro de três pontos percentuais, mas por que mistério o Datafolha erraria com Dilma sempre pra cima, e com os outros candidatos sempre para baixo? Por que até mesmo uma possível transferência de votos de Aécio para Marina era pleiteada, prejudicando o tucano e favorecendo o PT?
As esquisitices envolvendo o Datafolha não param. O instituto nunca parou de fazer análises com Lula como candidato, mesmo que toda a lógica indicasse há muito que provavelmente o único candidato do PT com chance de evitar o traço esteja com problemas sérios com a Justiça, envolvendo inclusive a sua prisão.
Nem agora: notícias sobre a liderança de Lula, mesmo condenado, encobrem a mais importante: o favoritismo de Jair Bolsonaro, que toma inclusive alguns dos votos do ex-presidente, que não são transferidos para petistas como Jaques Wagner ou Fernando Haddad.
O próprio Lula disse em grampo que sabia das pesquisas do Datafolha antes de elas saírem, e que, a cada notícia negativa, faria com que “saíssem pesquisas” colocando petistas disparados na frente, para dar uma idéia de sopesamento às denúncias de corrupção envolvendo o PT (uma corrupção “apoiada pelo povo”, como se fez a narrativa).
Quando os grampos vazaram e descobriu-se o que petistas pensam a respeito do povo, em mais de um momento falou-se de institutos de pesquisa, e o Datafolha foi expressamente nomeado. A Folha noticiou grampo por grampo, até mesmo com textos semi-idênticos aos noticiados pelo Estadão, mas os trechos falando sobre institutos de pesquisa, mesmo que não se indigitasse o Datafolha de maneira clara, eram suprimidos.
Áudio mostra que lula sabia resultado do Data Folha
Entre as últimas do Datafolha está a descoberta de que esta última pesquisa envolveu fazer perguntas aos entrevistados. Uma das perguntas do Datafolha é: “Você tomou conhecimento sobre denúncias envolvendo o aumento do patrimônio da família do deputado Jair Bolsonaro desde o início da sua carreira política?”.
A denúncia foi feita pela própria Folha, mas não obteve o mais remoto respaldo no ambiente jurídico: quando o Ministério Público soube da denúncia, tempos antes do Datafolha, arquivou tudo por falta de provas. Ainda assim, a pergunta está na pesquisa.
Os advogados de Jair Bolsonaro, Gustavo Bebianno e Tiago Ayres, pediram impugnação da pesquisa e explicaram que “não houve denúncia”. “Quando provocado para apurar o tema, o Ministério Público constatou que não havia irregularidade”, esclareceu Bebianno.
É de se questionar se o Datafolha questiona sobre todas as denúncias envolvendo o ex-presidente Lula, desde o menino do MEP, os descalabros envolvendo Celso Daniel e o Bancoorp, até as tecnicalidades de votos de mais de 400 páginas de juízes mostrando as provas da corrupção de Lula, para equalizar os dois lados.
Será que se cobra consciência e conhecimento de petistas da mesma forma, com as mesmas acusações, lavradas e julgadas, ao contrário de arquivadas? Ou mesmo se o entrevistado sabe que Lula ficaria inelegível?
E quem não se lembra do Datafolha analisando as manifestações pelo impeachment, chamando matemáticos para afirmar que é impossível ter um milhão de pessoas na Avenida Paulista (chutando menos de um quinto do número divulgado pela PM), esquecendo-se até de prédios vazados e das ruas ao redor (fora metrô e quejandos), mas que acredita piamente na tese milionária quando contabiliza os números da Parada Gay?
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Não é de hoje que as teses defendidas pela Folha de S. Paulo aparecem “errando para cima” (e muito para cima) no Datafolha. No caso da campanha do desarmamento (que foi recusado pela população, embora a lei tenha passado de toda forma), o Datafolha afirmava que 80% das pessoas queriam desarmamento. Nas urnas, tão somente 36% votaram contra o direito de possuir armas, sagrando-se o monopólio das armas nas mãos de quem não respeita a lei.
O diretor do Datafolha Mauro Paulino não cansa de fazer declarações favoráveis ao PT. A última foi a bizarríssima afirmação de que uma eleição sem lula seria “uma crise democrática”. Parece que para Mauro Paulino, se o seu candidato não aparece na frente nas pesquisas, seja por voto, lei ou combustão espontânea, a democracia é que está em crise séria, e não o seu candidato (eu vou muito bem, obrigado).
O problema, pois, não é o Datafolha errar, já que em futurologia, todo mundo erra (“margem de erro” é um conceito arbitrário que é praticamente uma desculpa adiantada pelo fracasso miserável que certamente se seguirá). O problema é que o Datafolha sempre erra para o lado do PT.
Se o petista estiver na frente, parece que a pesquisa sempre divulgará na margem de erro superior. Seu adversário, sempre na margem inferior. E, claro, em boa parte dos casos, bem além da margem de erro. Nunca se sabe de um caso de erro do Datafolha em que o instituto tenha chutado que o PT estava pior do que o esperado, ou em que o Datafolha tenha cogitado que os adversários do PT estavam numa posição melhor do que de fato estavam.
O que será que o Datafolha descobriria se averiguasse sua própria credibilidade? Parece que o instituto que quer dizer o que o brasileiro pensa tem ódio e desconfiança dos brasileiros de troco. Na tarde após a pesquisa sair, o Twitter encampou a hashtag #DataFolhaMente em primeiro lugar nos Trending Topics.
O que será que os petistas irão dizer? Que na verdade o Instituto diz a Verdade, nada mais do que A Verdade?
Fonte - Sensoincomum.org
(*)Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs" (ed. Record). No Twitter: @flaviomorgen
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