sábado, agosto 26, 2017

Juíza do D.F. permite que muçulmana use véu em foto da CNH











por Matheus Teixeira(*).




Caso a convicção religiosa imponha o uso de véu a todo momento, não cabe ao Poder Judiciário adentrar nos ritos daquela crença para investigar se a retirada do adereço deve ser tolerada pela pessoa para fotografia em documentos oficiais.

Com esse argumento, a juíza substituta do 2ª Juizado Especial da Fazenda Pública do Distrito Federal, Jeanne Guedes, julgou procedente uma ação de obrigação de fazer e determinou ao Detran-DF a expedição da Carteira Nacional de Habilitação para uma muçulmana. 

Nos autos do processo, a mulher explica que vinha sendo impedida de renovar sua CNH, sob o argumento de que a Resolução 196/2006 do Conselho Nacional de Trânsito proibia a apresentação no documento de foto com lenço característico da religião.

A mulher, no entanto, alegava que referida vedação administrativa afronta o direito fundamental à crença religiosa. Na decisão, a juíza acolheu os argumentos da defesa e defendeu que não há prejuízo à segurança do Estado, uma vez que a foto a ser estampada na CNH “apresentará toda a parte frontal de sua face”.

Além disso, Jeanne sustentou que não é papel do Judiciário adentrar nos ritos e crenças da religião. “Essa questão deve ficar restrita a sua liberdade religiosa e ao seu conceito de dignidade pessoal, desde que, claro, não afronte a ordem pública”, frisou.

A magistrada reconheceu, porém, que o caso põe em conflito dois interesses legítimos e constitucionalmente protegidos: “Se, por um lado, o Estado se preocupa com a segurança da coletividade e exige uma perfeita identificação dos particulares em seus documentos; por outro lado, a autora, ao buscar a expedição da CNH na forma perseguida, procura a garantir o exercício de sua liberdade religiosa e de sua própria dignidade”.

Mas, como a procedência da ação não prejudica seriamente a identificação, deve prevalecer a liberdade religiosa em detrimento à segurança, que também teve seus interesses preservados, concluiu a juíza.

Ela também citou que a autora já tem carteira de identidade, carteira de trabalho e passaporte e em todos esses documentos consta sua foto de identificação com o véu, “o que denota ausência de dificuldade na identificação em foto tirada com a vestimenta característica de sua religião”.

Debate no Supremo
Esse assunto deve ser analisado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em breve. No início deste mês, o STF publicou acórdão no qual reconhece a repercussão geral da discussão sobre a possibilidade de uso de adereço religioso na foto da carteira de motorista. O recurso foi admitido pelo STF no dia 30 de junho, em decisão unânime tomada no Plenário Virtual.

Nesse caso, a discussão está posta em recurso extraordinário da União contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que liberou freira de sair na foto da CNH com o “traje beato”.

Veja o Vídeo abaixo: 



A íntegra da decisão está aqui.

(*)Matheus Teixeira é repórter da revista Consultor Jurídico.




Peritos discordam (Matéria do Correio Braziliense na íntegra)


Mas para o perito e diretor do Instituto de Identificação da Polícia Civil do Distrito Federal, Claudionor Batista, o hijab pode dificultar identificação das pessoas. "Na análise de um documento oficial, o único elemento que não depende de um profissional qualificado é justamente a fotografia. E o uso do véu pode ser um obstáculo à identificação. Pode ser que alguns traços do rosto sejam suficientes em alguns casos, mas não é a forma mais adequada", pondera.



O perito explica, ainda, que a exigência de fotos em documentos sem adereços, maquiagem e chapéus segue um padrão internacional. "A foto precisa evidenciar medidas do rosto usadas na identificação. Distância dos olhos, localização exata do nariz em relação a testa e queixo, distância do queixo para as orelhas, tamanho da boca, ângulo dos olhos, são pequenos detalhes que no conjunto caracterizam a pessoa." Essas medidas são diferentes inclusive em gêmeos univitelinos, "por isso, a foto é tirada de frente e não pode ter um sorriso aberto", explica.



Ele lembra ainda que na legislação brasileira, a Resolução 168/2006, que foi alterada pela 598/2016, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), também especifica como deve ser a foto de identificação da CNH. "Na análise de um documento oficial, o único elemento que não depende de um profissional qualificado é justamente a fotografia". 

Para ele, outro ponto problemático em permitir fotografias com véus na CNH, é o fato do documento contar apenas com a fotografia como elemento de identificação. "Na Carteira de Identidade ainda temos três elementos de identificação: assinatura, fotografia e biometria. Mas a CNH se limita a fotografia, por isso adereços dificultariam a identificação da pessoa nesse documento", comenta.



Batista relembra outros casos de pessoas que até queriam usar adereços ou maquiagem na fotografia de documentos oficiais. "Mas, normalmente, não temos dificuldade em explicar para o cidadão os motivos de não poder sorrir, por exemplo. São critérios técnicos, não tem a ver com preconceito ou discriminação. A gente sabe que uma boa maquiagem pode mudar completamente as feições de uma pessoa", explica.


Embora existam casos em que o uso de hábitos religiosos e adereços culturais terem sido aceitos, há uma situação recente de um documento expedido para um indígena em que tinha feito linhas no rosto com uma tinta que fica por um longo período na pele. "Nesse caso, a permitimos a fotografia com as marcas, tendo em vista que, além de uma prática cultural, também era mais um fator identificador individual", conta.



"A decisão judicial tem sua plenitude, mas falando da parte da segurança da pessoa, vamos continuar com o critério de que quanto melhor vermos a face, mais adequada será a identificação", finaliza



Projeto de Lei



Um projeto do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) assegura aos cidadãos o direito de usar adereços ligados à sua identidade cultural nas fotografias de documentos oficiais. Caso seja aprovada, a lei autorizaria, por exemplo, o uso de turbante, chapéu, quipá, véu, ou qualquer outro elemento que expresse relação com uma comunidade ou tradição cultural reconhecida pela sociedade brasileira, nas fotos de carteiras de identidade e de motorista.


O texto do projeto (PLS 104/2017), apresentado em abril, foi encaminhado para exame na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde receberá decisão terminativa. Se aprovado, poderá seguir diretamente para avaliação na Câmara dos Deputados.



Valadares se inspirou em uma decisão da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro que autorizou o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) a permitir aos fluminenses o uso de fotos com elementos de vestuário relacionados à sua fé religiosa ou cultura. Uma resposta a reivindicação de carioca afrodescendente que defendia o direito de ter na carteira de motorista uma foto com turbante, para evidenciar sua identificação com a cultura de matriz africana.



Na justificativa do projeto, Valadares afirma que é tarefa do Estado moderno apoiar a livre escolha de pertencimento a comunidades ou tradições. “Não há sentido em o estado discriminar entre indivíduos que se consideram livres de qualquer tradição e indivíduos que não se identificam a si mesmos senão enquanto partes de uma totalidade maior, seja ela tradição ou comunidade”, argumenta.

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