quarta-feira, novembro 22, 2017

Déficit da Previdência: Existe ou Não?






Por Maurício Schwartsman (*).

O obscurantismo antidéficit chegou ao Senado. Quem vai pará-lo?.




Desde que se propôs a reforma da Previdência, o tema do déficit previdenciário passou a despertar paixões raras às questões contábeis. A depender do interlocutor, é possível ouvir que o déficit é um fato incontestável ou uma conspiração para aprovar a reforma.

Uma das definições para o déficit é usado pelo Tesouro e TCU e amplamente aceita fora do Brasil. A definição que nega o déficit é baseada principalmente no trabalho de um sindicato interessado na reforma.

A divergência se deve às definições dadas ao resultado previdenciário. A mais aceita ao redor do mundo, e usada pelo Tesouro Nacional e pelo Tribunal de Contas da União, é a diferença entre receitas e despesas da Previdência. Conforme esta acepção mais comum, o TCU calcula que houve déficit de R$ 226 bilhões. Este resultado, no entanto, não agrada ao senador Hélio José, relator da CPI da Previdência.

Outra definição, utilizada apenas no debate público brasileiro, tem sido divulgada principalmente pela ANFIP, a Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. A categoria tem salário inicial de 19 mil reais e já negociou o aumentos dos próximos anos. Na sua prova de concurso, não há temas específicos de economia ou sustentabilidade de políticas públicas necessários a analisar o resultado da previdência.

É na definição da ANFIP que o relatório de Hélio José se apoia, em detrimento da que se encontra nos melhores periódicos ou jornais específicos da área. Antes de tratar sobre a definição em si, é importante fazer esta lembrança.
Na prática, ANFIP e Hélio José defendem que a saúde deve financiar a previdência – e que os gastos com previdência devem ter prioridade sobre todos os outros no Orçamento Federal

A associação alega que é necessário analisar a receita da Seguridade Social como um todo. Dentro da seguridade, estão as despesas com saúde e assistência social. Impostos que tenham como destinação a Seguridade, segundo a ANFIP, devem constar ao lado das contribuições diretas ao regime previdenciário.

Um problema grave com esta narrativa é que, na seguridade social como um todo, há déficit próximo a 260 bilhões de reais. Há mais gastos com seguridade do que receitas destinadas a ela. Qualquer ausência de déficits implica aumentar as receitas, incluindo as da seguridade social, sem aumentar as despesas, pois curiosamente não se inclui a seguridade na hora de subtrair.

O conceito amplamente aceito – da diferença entre contribuições para e despesas da previdência social – mede o que é relevante ao debate sobre reforma da previdência, a sustentabilidade do sistema.

Há outras inovações um tanto estranhas no cálculo da ANFIP.
Os negacionistas do déficit da previdência tem escolhas estranhas e geralmente pouco relevantes para o debate sobre Reforma da Previdência

Embora seja democraticamente legítimo que se destinem receitas a fins determinados – como seguridade social -, a concessão abstrata de espaços no orçamento pode levar à incapacidade prática de gerir o Estado. A vinculação das receitas, em última análise, pode impedir a administração pública.

Por isso, existem medidas como a DRU (Desvinculação das Receitas da União), que separa uma parte do orçamento à qual não incidirão as vinculação. Ou seja, as DRUs dizem que parte da verba nominalmente destinada à seguridade social não faz parte da seguridade social na prática. O cálculo da ANFIP considera a presença das DRUs ao excluir o valor desvinculado.

Mesmo ignorando essa adição estranha, grita a exclusão da previdência do funcionalismo público na conta negacionista. É como se o Regime Próprio dos Servidores Públicos não tivesse qualquer pertinência à Previdência.

Ao excluir servidores das despesas, a ANFIP exclui a si mesma, dado que se trata de um órgão representante dos servidores federais. Ou seja, exclui do debate sobre previdência um regime que muito contribui para o déficit e garante presença entre os 1% mais ricos do país a praticamente todos os associados à ANFIP.

Em 2016, a ANFIP encontrou déficit mesmo após toda a tortura estatística. O senador Hélio José omitiu o ano de 2016 na tabela 5 do seu relatório, publicado em outubro de 2017.

Feitas todas essas alterações, obtêm-se os tais “superávits”, como registrado na tabela 5 do relatório. O leitor atento também notará que o último ano da tabela é 2015. A razão para tanto é que, apesar de seus melhores esforços, a ANFIP encontrou um déficit em 2016 de R$ 57 bilhões.



Em seções anteriores, já havia sido demonstrado que a “convicção” do senador Hélio José não era respaldada pelo Tesouro ou pelo TCU, órgãos responsáveis pela aferição dos déficits. É muito importante notar que eles não são referendados sequer pela ANFIP, um grupo manifestamente contrário à reforma da Previdência.
O déficit futuro

O senador também ataca as projeções atuariais do Regime Geral de Previdência Social em seu relatório. Em particular, critica as projeções para o crescimento econômico nas próximas décadas, que são inferiores à média observada entre 1996 e 2016 e, portanto, subestimariam a receita e superestimariam o déficit como proporção do PIB.

Um mesmo motivo reforça a hipótese de que o país não crescerá tanto quanto no passado e o receio com a previdência. O crescimento populacional está desacelerando e a população está envelhecendo rapidamente.

À medida que o processo avança, menos gente em idade ativa haverá para trabalhar e sustentar os aposentados; o crescimento do PIB e das receitas provavelmente não será tão bom quanto supusemos. Trata-se não de uma projeção econômica ou atuarial, mas demográfica. Não é necessário concordar em qualquer debate econômico sobre o assunto para reconhecê-lo.





Um segundo problema com o raciocínio é que o crescimento depende do que acontece com as contas públicas. À medida que a Previdência se deteriora, o governo terá que cobrir o déficit de alguma forma. Um modo é aumentar a carga tributária, o que tem efeitos negativos sobre o crescimento. Outro é contrair dívida, que provoca um aumento da taxa de juros, também inibindo o crescimento. E mesmo a dívida, afinal, deve ser paga com impostos futuramente.

Em um caso extremo, em que não se possa mais recorrer a impostos ou dívida, o governo terá que se financiar com inflação ou um calote, também conhecidos por prejudicar o crescimento.

Portanto, há e haverá déficit na Previdência. Hoje, o sistema precisa de mais recursos do que arrecada. É muito difícil argumentar por sua sustentabilidade e a melhor preocupação social dificilmente leva ao apoio de contas estranhas por partes interessadas.

Em que pese a convicção do senador, cabe perguntar por que ele escolheu confundir, ao invés de esclarecer.



(*)Maurício Schwartsman é diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica Ltda

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