segunda-feira, abril 25, 2011

POLITICAMENTE CORRETO É O CACETE II







Iniciei minha vida profissional, como jornalista, em 1980. Ainda estávamos no regime militar - que hoje é conhecido como ditadura. Não havia mais censura. O cerceamento da nossa liberdade de expressão era mais sutil. E provinha dos dois lados. Num deles estava o poder. No outro, a "patrulha ideológica" da oposição. O pessoal do poder achava que tudo o que fazia era certo. Se alguém discordasse, só podia ser por ignorância ou má-fé. Já a patrulha entendia o mesmo, só que com os sinais trocados.

Mas havia ao menos certa ética na lide. Mil vezes ouvimos de nossos mestres do jornalismo: "Informação é informação; opinião é opinião. Misturar as duas coisas é antiprofissional. Distorcer a primeira para valorizar a segunda, então, é imoral".


Tudo bem. Em momentos de exceção, como aqueles, o maniqueísmo brotava naturalmente. Ser radical parecia ser a única saída. Era comum ouvir frases do tipo: "Quem não é meu amigo é meu inimigo". Ou até: "Quem é inimigo do meu inimigo é meu amigo". Era preto ou branco. Não existia cinza.


O que me surpreende hoje em dia é que, depois de 26 anos de convivência democrática, ainda haja gente que pense assim. A "patrulha" agora tem um nome mais pomposo: "correção política". Quer dizer, abolição do nosso vocabulário de todas as palavras que tragam embutidos algum preconceito ou discriminação. Ou seja, quase tudo.

Imaginemos, por exemplo, o diálogo num hotel.

"Boa noite, senhor, queira, por favor, preencher a ficha."


"Hum... Não vai dar! Chamou-me de senhor, isso quer dizer que me prejulgou, tachando-me de idoso. Ou, no mínimo, de alguém com status social superior ao seu..

"Desculpe-me, quis apenas ser respeitoso..."

"Eu vim aqui à procura de um quarto, não de respeito. Quem gosta de tratamento cerimonioso ou é aristocrata ou, pior, burguês metido a nobre."

"Como, então, devo chamá-lo?"

"Cidadão, camarada, companheiro, qualquer coisa assim... Ah, e a sua ficha está incorreta. No item sexo constam apenas duas alternativas."

"E existe alguma outra?"

"Várias! Escreva apenas "orientação sexual" e deixe um espaço em branco para ser preenchido."

"A coisa está ficando preta!"

"Você não deve usar essa expressão. Ela define um quadro confuso, aludindo aos negros. Perdão, afrodescendentes."

"Ai, meu Deus!"

"Essa sua exclamação também é excludente. Tem muita gente no mundo que acredita em outro deus. Como outros que cultuam vários deuses e também os que não acreditam em deus nenhum. De mais a mais, por que o seu deus atenderia, particularmente ao seu chamado?"

"E chamar alguém de t. d., isso pode?"

"Só se não for com sentido ofensivo ou depreciativo."

"Com licença. Eu tenho de trabalhar."

"O que você quis dizer com isso? Que eu não tenho trabalho? Só porque me visto como um estudante?"

Qual é a razão da minha implicância com o conceito de "politicamente correto"?


É que, no Brasil, o que era só uma recomendação acabou por se tornar um dogma. Não se pode chamar sequer de religião. Isso porque, apesar de cada uma delas reivindicar exclusividade sobre a palavra divina, todas aceitam coexistir de maneira pacífica. Já os fiéis do "politicamente correto", não! Eles primam pela intolerância.


Não é porque não se concorda com uma pessoa que se adquire o direito de excomungá-la. A campanha difamatória que alguns órgãos da imprensa fizeram, dias atrás, contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é um bom exemplo disso. Tratou-se, a meu ver, de mais um caso de má conduta profissional. Simplesmente lhe atribuíram palavras que não eram dele e foram ao Congresso perguntar a opinião dos inquilinos que lá se encontravam: "Excelência, o que achou de FHC afirmar que não quer mais saber do povão?".

A resposta era previsível. Já estava implícita na pergunta. Acontece que ele jamais afirmou isso. É incrível que até experientes políticos aliados tenham caído nessa armadilha.


Li e reli várias vezes o longo artigo que ele publicou. O que pude entender é que o que ele pretendeu foi dar um belo pito na oposição: quem a exerce não pode lutar com as mesmas armas que o governo. Vai perder, porque o poder sempre tem os melhores instrumentos. Não se trata de fazer mais, mas de fazer diferente. E FHC apresentou várias sugestões nesse sentido. Em nenhum trecho de seu texto ele afirmou que a população mais carente devia ser deixada de lado. Resumiu-se a recomendar a seu partido que procurasse conhecer melhor o pensamento e os hábitos da nova classe C - ou "novas camadas possuidoras", no dialeto uspiano.

Mas foi essa a interpretação leviana que os tais "politicamente corretos" da imprensa repassaram ao público. Tentaram induzir a ideia de que o ex-presidente não passa de um "liberal com propensões elitistas".

Ora, se disserem isso de mim, é verdade! Mas FHC não cabe nesse figurino. Ele é e sempre foi um convicto social-democrata.


Ah, não é correto uma pessoa pública, como Fernando Henrique Cardoso, referir-se ao povo como "povão"? Então, por que nunca protestaram contra as abundantes expressões "politicamente incorretas" de Lula? Como se pertencer ao PT fosse desculpa para alguma coisa...

Ora, pessoal, numa democracia é fundamental que os que estão no governo governem, que os opositores se oponham e que a imprensa noticiosa noticie. Somente assim o "povão" se torna apto a julgar. Embaralhar tudo isso só dá confusão: o discurso dos governistas é de oposição, os oposicionistas não se assumem. E os repórteres distorcem as reportagens.


É por isso que ninguém pode ter o direito de policiar as ideias de ninguém. Abaixo a ditadura! E abaixo o "politicamente correto", também!


João Mellão Neto para o Estado de São Paulo, título original "Contra o Politicamente Correto.

domingo, abril 24, 2011

Genocídio Armênio

 Charles Aznavour.



24 de abril de 1915
Genocídio Armênio1.500.000 armênios friamente assassinados por ordem de Talaat Paxá, Ministro do Interior da Turquia em 1915.
Lembrar para que não aconteça novamente








ILS SONT TOMBÉS





Shahnour Vaghinagh Aznavourian, mundialmente conhecido como Charles Aznavour.





lls sont tombés sans trop savoir pourquoi




Hommes, femmes et enfants qui ne voulaient que vivre


Avec des gestes lourds comme des hommes ivres


Mutilés, massacrés les yeux ouverts d´effroi





Ils sont tombes em invoquant leur Dieu


Au seuil de leur église ou le pas de leur porte


Em troupeaux de désert titubant em cohorte


Terrassés par la soif, la faim, le fer, le feu.





Nul n´éleva la voix dans un monde euphorique


Tandis que croupissait un peuple dans son sang


L'Europe découvrait le jazz et sa musique


Les plaintes des trompettes couvraient les cris d'enfants.





Ils sont tombés pudiquement sans bruit


Par milliers, par millions, sans que le monde bouge


Devenant un instant minuscules fleurs rouges


Recouverts par un vent de sables et puis mourir.





Ils sont tombés, les yeux pleins ds soleil


Comme un oiseau qu'en vol une balle fracasse


Pour mourir n'importe où et sans laisser de traces


Ignorés, oubliés dans leur dernier sommeil





Ils sont tombés, en croyant ingénus


Que leurs enfants pourraient continuer leur enfance


Qu'un jour ils fouleraient des terres d'espérance


Dans des pays ouverts d'hommes aux mains tendues.





Moi je suis de ce peuple qui dort sans sépulture


Qui choisit de mourir sans abdiquer sa foi


Qui n'a jamais baissé la tête sous l'injure


Qui survit malgré tout et qui ne se plaint pas





Ils sont tombés pour entrer dans la nuit


Éternelle des temps, au bout de leur courage


La mort les a frappés sans demander leur âge,


Puisqu'ils étaient fautifs d'être enfants d'Arménie. 




Tombaram sem saber porque


Homens, mulheres e crianças que só queriam viver


Cambaleando tais bêbados


Mutilados, massacrados, olhos arregalados pelo pavor





Tombaram, invocando Deus


Nas suas igrejas ou na soleira das suas casas


Rebanho do deserto, titubeando em bando


Abatidos pela sede, fome, ferro e fogo.





Ninguém se importou, num mundo eufórico


Enquanto um povo se afogava no seu próprio sangue


A Europa descobria o jazz


E o queixume dos saxofones encobria o grito das crianças





Tombaram, milhares e milhares, pudicamente sem alarde


Sem que o mundo tomasse conhecimento


Confundindo-se por momentos com rosas vermelhas


Cobertas de areia, e depois o esquecimento





Tombaram, os olhos mirando o sol


Tal um passarinho atingido por uma bala,


Morrendo num lugar qualquer, sem deixar rastros


Ignorados, esquecidos em seus últimos suspiros.





Tombaram acreditando, ingênuos que eram,


Que seus filhos poderiam continuar a sua infância,


Que um dia pisariam em terras de esperanças,


Em países hospitaleiros acolhendo-os de braços abertos.





Eu sou desse povo que descansa sem sepultura


Que preferiu morrer a renegar sua fé,


Que jamais curvou a cabeça diante da injúria,


Que consegue sobreviver sem se queixar nunca.





Tombaram mergulhando no escuro


Da noite eterna, exauridos e desanimados.


A morte os alvejou sem questioná-los,


Pois eram culpados de ter nascidos Armênios








sábado, abril 09, 2011

POLITICAMENTE CORRETO É O CACETE.






O CRAVO NÃO BRIGOU COM A ROSA




Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto. Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais O cravo brigou com a rosa. A explicação da professora do filho de um camarada foi comovente: a briga entre o cravo - o homem - e a rosa - a mulher - estimula a violência entre os casais. Na nova letra "o cravo encontrou a rosa/ debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e a rosa ficou encantada".

Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da Penha. Será que esses doidos sabem que O cravo brigou com a rosa faz parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas recolhidos no folclore brasileiro?

É Villa Lobos, cacete!

Outra música infantil que mudou de letra foi Samba Lelê. Na versão da minha infância o negócio era o seguinte: Samba Lelê tá doente/ Tá com a cabeça quebrada/ Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas.

A palmada na bunda está proibida. Incita a violência contra a menina Lelê. A tia do maternal agora ensina assim: Samba Lelê tá doente/ Com uma febre malvada/ Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar.

Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar nunca. Os amigos sabem de quem é Samba Lelê? Villa Lobos de novo. Podiam até registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, de Heitor Villa Lobos e Tia Nilda do Jardim Escola Criança Feliz.

Comunico também que não se pode mais atirar o pau no gato, já que a música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichinhos. Quem entra na roda dança, nos dias atuais, não pode mais ter sete namorados para se casar com um. Sete namorados é coisa de menina fácil. Ninguém mais é pobre ou rico de marré-de-si, para não despertar na garotada o sentido da desigualdade social entre os homens.

Dia desses alguém [não me lembro exatamente quem se saiu com essa e não procurei a referência no meu babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda] foi espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de viado. Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato, era vista como coisa de viado. Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que possuía, soubesse, em mil novecentos e setenta e poucos, que algum filho estava militando na causa da preservação do mico leão dourado, em defesa das bromélias ou coisa que o valha. Bicha louca, diria o velho.

Vivemos tempos de não me toques que eu magôo. Quer dizer que ninguém mais pode usar a expressão coisa de viado ? Que me desculpem os paladinos da cartilha da correção, mas isso é uma tremenda babaquice.

O politicamente correto é a sepultura do bom humor, da criatividade, da boa sacanagem. A expressão coisa de viado não é, nem a pau (sem duplo sentido), ofensa a bicha alguma.

Daqui a pouco só chamaremos o anão - o popular “pintor de roda-pé” ou “leão de chácara de baile infantil” - de deficiente vertical . O crioulo - vulgo “picolé de asfalto” ou “bola sete” (depende do peso) - só pode ser chamado de afrodescendente. O branquelo - o famoso “branco azedo” ou “Omo total” - é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente. A mulher feia - aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do quinto batalhão de artilharia pesada, também conhecida como o rascunho do mapa do inferno - é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade. O gordo - outrora conhecido como rolha de poço, chupeta do Vesúvio, Orca, baleia assassina e bujão - é o cidadão que está fora do peso ideal. O magricela não pode ser chamado de morto de fome, pau de virar tripa e Olívia Palito. O careca não é mais o aeroporto de mosquito, tobogã de piolho e pouca telha.

Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o Aleijadinho. Direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades especiais... Não dá! O politicamente correto também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.

O recente Estatuto do Torcedor quer, com os olhos gordos na Copa e 2014, disciplinar as manifestações das torcidas de futebol. Ao invés de mandar o juiz pra putaqueopariu e o centroavante pereba tomar no olho do ........., cantaremos nas arquibancadas o allegro da Nona Sinfonia de Beethoven, entremeado pelo coro de Jesus, alegria dos homens, do velho Bach.

Falei em velho Bach e me lembrei de outra. A velhice não existe mais. O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso “pé na cova”, aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro funeral, o popular “tá mais pra lá do que pra cá”, já tem motivos para sorrir na beira da sepultura. A velhice agora é simplesmente a "melhor idade".

Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde. Defuntos? Não. Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do pé junto.

Abraços

Luiz Antônio Simas
(Mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor de História do ensino médio)

sexta-feira, abril 01, 2011

PRIMEIRO DE ABRIL RIMA COM BRASIL

PRIMEIRO DE ABRIL RIMA COM BRASIL


Se um país pudesse ser uma pessoa,

O nosso brasil certamente o seria,

Mas infelizmente já morto estaria;

Dele nada se ouviria pois que na cova nada ecoa

Teria falecido pobre e esquecido

Sem eira nem beira jogado às traças:

Viveu de altos e baixos envolvido em trapaças

E abandonou filhos antes do primeiro vagido

Quem foi, o que fez, por que morreu?

Faleceu envolvido em mutretas mil

Jamais estendeu a mão a um filho, à viuva não socorreu

Triste fim, morreu jovem: morreu num primeiro de abril