sábado, outubro 31, 2015

Genocídio Desmistificado.







Em 1944, o alemão Raphael Lemkin cunhou o termo genocídio para definir o que a Alemanha nazista de Adolf Hitler fazia com os judeus que encontrasse pelo caminho durante o episódio que ficou conhecido como Holocausto. Lemkin juntou a raiz grega génos, que significa família, tribo ou raça, com a expressão caedere, que em latim significa matar, para criar o substantivo genocídio, cujo o significado é a tentativa de, ou destruição, total ou parcial, de grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Desde então, a palavra genocídio tem sido estudada por especialistas e sua melhor definição é o assassinato deliberado de pessoas, motivado por diferenças étnicas, nacionais, raciais, religiosas e políticas. Nos últimos anos, a expressão genocídio tem sido desvirtuada por Organizações Não-Governamentais (ONGs) para classificar as mortes de índios em Mato Grosso do Sul, vendendo para o exterior a falsa imagem que as comunidades indígenas do Estado estão sendo exterminadas numa guerra pela posse da terra, pela expansão do agronegócio e, até mesmo, pelos crimes de pistolagem encomendados por produtores rurais.

Essa campanha difamatória ganhou corpo na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul que chegou a instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o que se convencionou chamar de genocídio dos povos indígenas, mas tudo indica que a tal CPI saíra do nada para lugar algum, já que pode existir uma infinidade de crimes no trato da questão indígena, menos genocídio. Números da Superintendência de Inteligência de Segurança Pública do Governo de Mato Grosso do Sul jogam por terra todo esse discurso de ONGs e de um grupo de intelectuais em torno do alardeado genocídio dos povos indígenas no Estado nos últimos 8 anos: desde 2008, foram registrados 229 homicídios de índios em Mato Grosso do Sul, número que, analisado solitariamente, até sustenta a tese daqueles que procuram um motivo para denegrir a imagem do Estado perante à comunidade internacional, mas, que, numa análise apurada, revela que 220 mortes foram provocadas pelos próprios índios e 9 por não índios. Ora, se genocídio é o assassinato deliberado de pessoas, motivado por diferenças étnicas, nacionais, raciais, religiosas e políticas, como classificar essa realidade?

Dos 229 homicídios de índios desde 2008 em Mato Grosso do Sul, em 167 inquéritos policiais, foram definidas as autorias como sendo os próprios índios, enquanto em 9 os autores foram identificados como não índios e em 53 os inquéritos ainda não foram finalizados, mas as mortes ocorreram no interior das aldeias indígenas. Dos 229 homicídios de índios registrados desde 2008, exatos 88 tiveram como motivação o consumo de álcool ou drogas, enquanto outras 44 mortes foram provocadas por desentendimentos em festas no interior das aldeias, perfazendo um total de 132 mortes, o que corresponde a 57,6% dos homicídios registrados nos últimos 8 anos. Os números da Superintendência de Inteligência de Segurança Pública do Governo de Mato Grosso do Sul revelam, ainda, que em 37,9% dos homicídios de índios os autores são adolescentes indígenas com idade entre 12 e 17 anos, enquanto em 31,3% dos crimes os autores têm idade entre 18 e 25 anos, ou seja, a falta de políticas públicas de segurança nas aldeias ou reservas acaba arrastando os jovens indígenas para a violência.

A Superintendência de Inteligência de Segurança Pública do Governo de Mato Grosso do Sul revela ainda que 70% dos homicídios de índios no Estado tem como autores adolescentes indígenas. Ano a ano, o índice de homicídios dolosos tendo indígenas como vítimas tem se mantido estável em Mato Grosso do Sul, com 2008 registrando 35 mortes, sendo que nenhuma delas tem um não-índio como acusado. Em 2009, foram 26 assassinatos, sendo que, em um deles, a autoria foi atribuída a um não-índio e, em 2010, foram 28 assassinatos sem nenhuma autoria atribuída a não-índio. Em 2011, foram 26 homicídios de índios em Mato Grosso do Sul, com uma das mortes atribuída a não-índio e, em 2012, foram 32 assassinatos de índios em todo o Estado com três autorias atribuídas a não-índios. Em 2013, foram registrados 29 homicídios de índios em Mato Grosso do Sul, com uma autoria atribuída a não-índio e, no ano passado, foram 32 mortes violentas com dois homicídios tendo não-índios como autores. Até o dia 30 de setembro de 2015, a Superintendência de Inteligência de Segurança Pública do Governo de Mato Grosso do Sul havia registrado 21 homicídios de índios, com um morte atribuída a não-índio.

sexta-feira, outubro 30, 2015

Alerta aos intelectuais: as pessoas fogem da igualdade.






Alerta aos intelectuais: as pessoas fogem da igualdade.
por José Azel





Em contraposição a isso, o libertarianismo afirma que cada indivíduo é moralmente um fim em si próprio, e possui o direito moral de agir de acordo com seu próprio juízo, livre da coerção estatal. Foi assim que o individualismo impulsionou a inovação, as revoluções agrícola e industrial, e a mais inspiradora explosãona criação de riqueza e na redução da pobreza que o mundo já vivenciou.

Não obstante seu imbatível e inigualável histórico de redução da pobreza, o individualismo — o qual representa essencialmente nossa busca pela liberdade pessoal — tem sido impiedosamente castigado porintelectuais coletivistas como sendo uma filosofia que exalta o egoísmo e que, por isso, deve ser substituída por um igualitarismo imposto pelo estado. E, no entanto, é justamente dessa igualdade forçada que aqueles indivíduos estão fugindo ao desertarem em massa de regimes coletivistas.

A liberdade é individual, e não coletiva. A liberdade não é negociável.

Cubanos que fogem daquela trágica ilha já vivenciaram as devastadoras consequências morais e econômicas de políticas coletivistas que buscam modelar uma sociedade igualitária — um experimento fracassado que buscou criar um "novo homem", o qual teria uma visão de mundo comunal e se sacrificaria sempre em prol do "bem comum". Esse experimento resultou em uma sociedade anti-utópica e economicamente falida, que tem como principais características a miséria generalizada e um incrivelmente repressivo sistema de controle social, gerido por um governo com poderes ilimitados sobre seus cidadãos.

Sendo bem claro, a igualdade da qual milhões fogem é a igualdade de resultados econômicos imposta pela elite governante. Esses milhões de pessoas rejeitam o igualitarismo e, de certa maneira, são a refutação viva de todas as teses e políticas que clamam por redistribuição de renda. Os defensores da redistribuição de renda não entendem que, quando se confisca a riqueza de uma pessoa, estamos diretamente violando sua liberdade e seu direito de propriedade.

Não é insensível explicar que, por definição, em qualquer sociedade livre e a qualquer período da história, 20% da população estará no quintil mais baixo da renda (os pobres) e 20% da população estará no quintil mais alto da renda (os ricos). Porém, em uma economia de livre mercado, que está continuamente em expansão, a renda irá crescer para ambos os quintis. Sim, os ricos ficarão mais ricos, mas os pobres também enriquecerão.

Se o objetivo é melhorar as condições de vida das pessoas, dando um padrão de vida digna a todos, então a preocupação tem de ser com a pobreza, e não com a desigualdade. O objetivo tem de ser enriquecer os pobres e não empobrecer os ricos.

Igualmente importante é o fato de que, em economias de mercado, a população de ambos os quintis está continuamente mudando. Ao se analisar todos os históricos de como a renda é distribuída em sociedades de mercado, observa-se um notável grau de mobilidade de renda, com indivíduos subindo e descendo nas escalas da distribuição de renda à medida que as circunstâncias econômicas vão se alterando (veja ótimos exemplosaqui e aqui). Ou seja, os quintis sempre estarão preenchidos por alguém, mas nem sempre pela mesma pessoa. 

Sociedades de livre mercado oferecem a oportunidade de se escapar dos quintis mais baixos. Sociedades de livre mercado oferecem a oportunidade de se escapar da igualdade (e da pobreza) forçada imposta pelo coletivismo.

Sendo assim, uma das atrações das sociedades livres é que elas são caracterizadas por aquilo que os sociólogos rotulam de "rodízio de elites", em que ninguém é impedido de fazer parte da elite econômica. Em economias de mercado, as elites econômicas estão sempre abertas a novos membros; já em sociedades mais estatizadas, essas elites econômicas tendem a ser estáticas, fortemente dependentes ou do poderio militar ou das ligações com os membros do governo. Havia mobilidade social na URSS? Há mobilidade social em Cuba ou na Coréia do Norte?

Há inúmeros exemplos de indivíduo que abandonaram seu país natal — cujo mercado era severamente restrito e tolhido pelo governo em troca de privilégios para grupos de interesses politicamente influentes — e que, no espaço de um uma geração, conseguiram se tornar extremamente bem-sucedidos em economias de mercado, ascendendo da pobreza para o quintil mais alto da renda. Os cubanos que moram em Miami são um grande exemplo.

Sempre que políticos e intelectuais começarem a falar sobre redistribuição de renda, vale a pena, antes de tudo, tentar entender por que as pessoas fogem justamente dessa igualdade que está tentando ser imposta. 

O cientista social José Benegas diz que escravidão é quando a renda decorrente da mão-de-obra de um indivíduo lhe é 100% expropriada. Apropriar-se coercivamente de qualquer fatia da renda de um indivíduo é escravidão parcial.



José Azel é acadêmico sênior do Instituto para Estudos Cubanos e Cubano-Americanos, da Universidade de Miami. Azel foi exilado político de Cuba aos 13 anos de idade, em 1961, e é o autor do livro Mañana in Cuba.

quinta-feira, outubro 29, 2015

O documentário que fez a Noruega cortar fundos para a Ideologia de Gênero.





por Rodrigo Dias,




Em 2011 o Conselho Nórdico de Ministros – uma organização de cooperação interparlamentar entre Noruega, Suécia, Finlândia, Dinamarca e Islândia – cortaram fundos para o Instituto Nórdigo de Gênero (Nordisk Institutt for Kunnskap om Kjønn – NIKK em norueguês). Isto levou ao fechamento do NIKK na Noruega no dia 31 de dezembro de 2011. Este Instituto tinha o seu escritório localizado na universidade Oslo desde 1995.

O NIKK foi o durante décadas o grande promotor da “teoria de gênero” nos países nórdicos e chegou a colocar em 2008 a Noruega como o país com a maior “igualdade de gênero” em todo o mundo. Sendo assim, o que é que fez o Conselho Nórdico de Ministros cortar o financiamento do NIKK e, com isso, levar ao fechamento desta Instituição na Noruega? A resposta para essa pergunta está na primeira parte de um documentário norueguês chamado Hjernevask (“Lavagem Cerebral” em português), que foi divulgado pela televisão estatal norueguesa, NRK1, em 2010.

Com o sugestivo título de “O paradoxo da igualdade” esta primeira parte do referido documentário pode ser acessada no final desse artigo.

O sociólogo e humorista Harald Eia, produtor do documentário, deixa claro logo no início, que apesar de todos os esforços dos engenheiros sociais na Noruega para colocar uma maior igualdade entre os sexos masculinos e femininos, as mulheres continuam a optar por profissões “femininas” (por exemplo: enfermeiras, professoras etc.) e os homens atraídos por carreiras adequadas ao seu sexo (engenheiros, técnicos, construção civil etc.).

Para buscar uma explicação deste estranho fenômeno, Eia se dirigiu para a Universidade de Oslo para entrevistar Cathrine Egeland e Jørgen Lorentzen – ambos “especialistas” do Instituto Nórdico de Gênero – e acabou descobrindo que estas pessoas não têm nenhuma base cientifica empírica em seus postulados. Quando ele comentou a existência de estudos que provam que homens e mulheres têm cérebros diferentes, e, portanto, aptidões, gostos, preferências diferentes, Cathrine contestou dizendo que “é espantoso como as pessoas se interessam em procurar essas diferenças”. Ao ser questionada ela, sem conseguir provar suas teses, simplesmente respondeu que“não se interessa por este tipo de pesquisas científicas”.

Em seu documentário, além destes “especialistas” em gênero, Eia realizou algumas perguntas aos principais investigadores e “cientistas” da NIKK. Em seguida, apresentou as respostas a diversos cientistas especialmente do Reino Unido e dos Estados Unidos. Estas entrevistas provocaram risos e incredulidade entre a comunidade científica internacional porque a ideologia de gênero defendida pelos “especialistas” do NIKK é constituída de mera teoria e suposição, sem nenhuma investigação ou prova empírica.

Diante do ridículo das teses do NIKK, evidenciado no programa televisivo apresentado por Eia Harald, onde ficou evidente a falsidade da ideologia de gênero, os cidadãos nórdicos começaram a se perguntar porque era necessário o Estado financiar com 56 milhões de euros um Instituto que não tinha nenhuma credencial científica. Consequentemente o governo da Noruega retirou a fabulosa ajuda financeira para uma farsa que pretendia se passar por científica, mas que na verdade vai contra a ordem natural posta por Deus no Universo.

Assim, um documentário com algumas perguntas aparentemente simples, mas objetivas, foi suficiente para desmascarar o mito da ideologia de gênero numa TV norueguesa.

Apesar disso, no Brasil, esta ideologia tenta em seu discurso implantar estratégias políticas para obter a utópica igualdade entre homens e mulheres, e na prática busca a eliminação de qualquer distinção entre os sexos. Esperamos que isso sirva de lição para a nossa nação.

O amor à igualdade pregado pela Revolução

Os defensores da Ideologia de Gênero idolatram a igualdade como valor absoluto e supremo e a buscam mais do que tudo e acima de todas as coisas – inclusive acima da Natureza e seu Criador, Deus Nosso Senhor. Sendo assim, fica evidente sua verdadeira adoração pela igualdade, o mito utópico da igualdade absoluta.

O que é esta igualdade absoluta aos olhos da Religião?

Segue um trecho em que o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira trata do assunto em uma de suas reuniões, proferidas na capital paulista em 1957:




“Podemos, então, legitimamente perguntar: esta igualdade o que é aos olhos da Religião?

Temos aqui a tese revolucionária: em todas as coisas, o maior bem que elas podem atingir é serem iguais entre si, e tudo ser igual a tudo. Desta tese revolucionária devemos perguntar o que pensa a Igreja.

Então, a respeito disto eu enuncio a tese e depois demonstro que é assim que pensa a Igreja Católica.

A desigualdade é um bem: odiar a desigualdade é querer o contrário de Deus

A tese da Igreja é a seguinte: não é verdade que a igualdade seja um bem. Pelo contrário, é verdade que a desigualdade é um bem.

Deus criando o universo, criou-o na desigualdade, para que na desigualdade melhor se configurasse a semelhança de Deus. O universo consegue exatamente suas melhores expressões da semelhança de Deus pela desigualdade.

Odiar a desigualdade é odiar, portanto, aquilo que há de mais semelhante a Deus no universo. Odiar a semelhança de Deus é odiar o próprio Deus. Portanto, querer a igualdade como valor supremo é querer o contrário de Deus.” [3]


O paradoxo da igualdade:






[1] http://www.norden.org/en/news-and-events/news/nikk-moves-to-sweden – acessado no dia 25 de outubro de 2015

[2] http://www.aftenposten.no/kultur/Kjonnsforskningen-mister-56-millioner-6704899.html#.U7z9SbFTA2x acessado no dia 25 de outubro de 2015

sábado, outubro 24, 2015

A maneira como ajudamos as pessoas não ajuda as pessoas.








por Dominic Frisby(*)



A maior forma de caridade, argumentou o filósofo judeu Maimônides, ainda no século XII, ocorre quando a ajuda dada permite ao ajudado se tornar auto-suficiente.

No entanto, os sistemas de caridade estatal vigentes ao redor do mundo — eufemisticamente chamados de 'sistemas de bem-estar social' — geraram o efeito oposto: eles na realidade criaram dependência. Logo, é urgente repensar a maneira como estamos atualmente delegando ao estado a tarefa de ajudar as pessoas.

Irei aqui sugerir algo que muitos poderão considerar perturbador e desconcertante: o bem-estar social e todas as variedades de assistencialismo seriam mais eficazes, mais variados, mais difundidos e mais baratos se não houvesse nenhum envolvimento estatal.

As pessoas instintivamente pensam que, sem um programa assistencialista gerido pelo estado, os pobres e os necessitados não seriam cuidados e, consequentemente, seriam deixados à míngua. Com esta inaceitável perspectiva em mente, as pessoas consequentemente se tornam fervorosas em sua defesa de algum programa assistencialista estatal, ainda que possam porventura apresentar reservas à maneira como tal programa esteja sendo gerido pelo estado. 

Antes de nos aprofundarmos, gostaria de fazer a seguinte sugestão: sugerir que o assistencialismo estatal não está funcionando e que ele deveria ser abolido não é a mesma coisa que sugerir que os pobres e necessitados não devem receber cuidados. Com efeito, é justamente o oposto.

A assistência é algo complicado — e não é apenas o assistido o que importa

O fornecimento de serviços assistenciais é um processo delicado, complicado e imprevisível. Em algumas ocasiões, simplesmente dar dinheiro pode realmente levar o assistido ao caminho da auto-suficiência; em outras, não. Dar dinheiro pode gerar uma redução temporária de seu sofrimento, mas frequentemente gera uma maior dependência e uma menor auto-suficiência. 

Em determinadas ocasiões, uma abordagem estritamente local é tudo de que se necessita; em outras, uma abordagem mais prática passa a ser essencial; já em outras, é necessária uma abordagem puramente psicológica ou emocional; e há também ocasiões em que se deve buscar algo que seja mais específico às circunstancias particulares de cada indivíduo. Por fim, há também ocasiões em que todo o necessário é apenas dar o proverbial "tapinha nas costas". Diferentes circunstâncias requerem diferentes abordagens e diferentes formas de assistência.

A dignidade do assistido também tem de ser considerada. Ser alvo da caridade alheia pode ser algo degradante e humilhante. Em algumas ocasiões, o anonimato pode ser necessário; em outras ocasiões, não.

Tendo tudo isso em mente, a seguinte pergunta se torna inevitável: como pode alguém realmente pensar que é viável criar um programa de assistencialismo estatal que seja feito de cima para baixo, e imaginar que tal programa irá satisfazer todas essas necessidades distintas e variáveis, de maneira consistente?

E a coisa se complica ainda mais. Até agora, falamos apenas do assistido. Temos de falar também do doador, do "filantropo". Ele também tem de ser considerado.

Compaixão, assistência e caridade são atitudes humanas essenciais. Elas fazem parte da natureza humana. Assim como as pessoas precisam receber, elas também devem dar. Assim como as pessoas precisam ser ajudadas, elas também devem ajudar. Basta apenas ver o olhar de satisfação das crianças quando elas recebem algo para comprovar a evidência desta afirmativa. Mesmo aquele que talvez tenha sido o mais brutal e sanguinário traficante da história, Pablo Escobar, era conhecido por ser um prolífico filantropo. Ele construiu vários abrigos, igrejas e escolas em sua cidade natal, Medellín, e o fez em uma escala insuperável até mesmo para o governo colombiano.

No processo caritativo, o filantropo também tem suas necessidades. Em algumas ocasiões, ele quer anonimato; em outras, ele quer reconhecimento. Há ocasiões em que ele quer estar envolvido de alguma maneira com o assistido; e há ocasiões em que ele prefere não ter envolvimento nenhum.

No entanto, quando a caridade se torna um programa estatal compulsório, as necessidades do filantropo nem sequer são consideradas. Sua renda é confiscada via impostos e fim de papo. O filantropo não tem nenhuma voz ativa; ele simplesmente não pode especificar a maneira como o dinheiro que ele ganhou e que lhe foi tomado deve ser gasto. Para piorar, o filantropo é, na maioria das vezes, moralmente contra os programas que seus impostos financiam.

A tributação é um ato de doação forçada que destrói a satisfação altruísta que as pessoas normalmente sentem quando fazem doações voluntárias. Ajudar os outros e compartilhar com eles um pouco do que temos é parte de nossa humanidade. No entanto, em um mundo em que o governo se arvorou a responsabilidade de cuidar dos pobres e necessitados, essa compaixão foi removida. Como resultado, o estado hoje detém um quase-monopólio da compaixão.

Com efeito, a coisa é ainda mais bizarramente específica: a esquerda defensora de um estado assistencialista inchado e generoso detém hoje o monopólio da compaixão. Qualquer um que não concorde com o conceito de um estado assistencialista inchado e generoso é imediatamente tido como insensível e egoísta.

Como o estado destrói a propensão filantropa das pessoas

Quando você é obrigado a pagar impostos para o governo para que ele forneça serviços assistencialistas (ou mesmo educação e saúde) para os necessitados, a sua capacidade de pagar por estes mesmos serviços para você e para sua família é reduzida, pois agora você tem menos dinheiro. Após uma parte da sua renda ser confiscada via impostos, torna-se mais difícil para você bancar a escola de seus filhos, seu plano de saúde e seu aluguel. E se torna ainda mais difícil você ser caridoso para com terceiros, o que significa que tal tarefa será delegada com ainda mais intensidade ao estado. Pior ainda: o próprio fato de você agora ter menos dinheiro significa que você provavelmente também dependerá do estado para determinados serviços. Isso faz com que a rede de dependência cresça cada vez mais.

No que mais, se o estado está fornecendo auxílio para os necessitados com o seu dinheiro, então você inevitavelmente se sentirá absolvido da responsabilidade moral de ajudar os outros necessitados.

Simultaneamente, o assistencialismo estatal, além de ser inflexível, é caro. As burocracias que administram os programas de redistribuição de renda sempre são ineficientes e dispendiosas. Mais ainda: elas são propensas à corrupção e ao rentismo (pessoas que manipulam o sistema para ganhos políticos e para proveito próprio).

Se você analisar o que ocorreu ao longo das últimas décadas com itens como tecnologia, alimentação e vestuário — necessidades humanas essenciais que, em grande parte, não são fornecidas pelo estado —, verá que houve uma queda dramática nos preços (mensurados em termos de horas de trabalho necessárias para se adquirir a mesma quantidade de cada item) e uma sensível melhora na qualidade dos produtos. A concorrência reduziu os custos. No entanto, no campo assistencialista, não houve tal melhoria. Por que não? Porque, graças ao quase-monopólio estatal, não há concorrência nesta área.

A ideia de haver concorrência para serviços caritativos é ofensiva para muitas pessoas. Mas é necessário haver concorrência se a intenção for melhorar a qualidade e reduzir os custos.

O maior gasto em nossas vidas não é, como muitos acreditam, nossa casa ou a educação de nossos filhos. Nosso maior gasto é com o governo. E tal gasto não deve ser mensurado apenas em termos de carga tributária, mas também em termos de regulamentação, de burocracia, de infraestrutura decadente e de serviços pelos quais temos de pagar em dobro, pois os que o estado fornece com nossos impostos são lastimáveis (como saúde, educação e segurança). Sendo assim, imagine um mundo com um estado mínimo. Repentinamente, este gasto desnecessário seria removido. Sem o custo do estado, teríamos agora mais capital para investir e gastar. As pessoas genuinamente estariam no poder. Nossa capacidade de ajudar os necessitados seria aumentada.

Em um mundo sem estado, ou com um estado genuinamente mínimo, nossa responsabilidade moral em ajudar os outros seria repentinamente restaurada. Mais ainda, seria aumentada. Simultaneamente, e graças à concorrência, a ajuda que queremos e podemos oferecer seria mais barata, mais variada e de melhor qualidade. Organizações estariam competindo entre si para oferecer mais ajuda a um preço menor. E mesmo organizações que visam estritamente ao lucro estariam propensas a fazer isso porque, no mínimo, seria bom para a imagem delas.

Qual seria o resultado? Auxílios caritativos a custos mais baixos, auxílios caritativos mais eficazes, auxílios caritativos mais variados, mais difundidos e mais flexíveis, que poderiam satisfazer necessidades específicas. Em suma, uma rede caritativa de maior qualidade e que estimulasse algum retorno dos auxiliados em termos de qualificações profissionais.


Você diz que, sem o estado assistencialista, os pobres e necessitados seriam deixados à míngua? Pois eu digo que eles serão tratados em um padrão muito mais elevado do que aquele que vigente hoje.

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(*)Dominic Frisby é jornalista e autor do livro Life After the State

sexta-feira, outubro 23, 2015

Ter de trabalhar é o equivalente a ser escravo? Para a esquerda, sim.





por Julian Adorney (*)




Ter de trabalhar é algo coercivo? Ter de trabalhar representa um atentado contra as liberdades individuais? A se julgar pelo que dizem as esquerdas, e até mesmo a esquerda libertária, sim.

Para muitos progressistas, todo o necessário para se abolir as liberdades de um indivíduo é fornecer a ele um emprego considerado ruim (segundo os padrões progressistas). A Amazon, por exemplo, é constantemente criticada pelo seu ambiente de trabalho, com vários detratores como o site Business Insider chamando-o de "campo de escravos".

[N. do E.: segundo a reportagem — que beira o cômico para os padrões brasileiros —, a Amazon comete o inaceitável crime de pagar um salário mínimo (em libras esterlinas), exige metas de produtividade, e maliciosamente se recusa a empregar uma vultosa mão-de-obra permanente (pois não quer correr o risco de lidar com sindicatos grevistas), preferindo utilizar a agências de emprego para conseguir empregados temporários. Para completar, a reportagem, em tom de espanto, diz que "apesar dos baixos salários, há várias pessoas à procura desse emprego"].




Pode-se dizer que essa comparação entre "empregos ruins" e campos de trabalho forçado — um luxo comparativo a que se podem dar apenas os países ricos —, no mínimo, faz uma confusão básica a respeito da natureza fundamental da coerção.

Vários esquerdistas, dentre eles a própria esquerda libertária — como, por exemplo, Susan Webber do site Naked Capitalism —, argumentam que, dado que temos de trabalhar para viver, o trabalho é uma atividade coerciva. Se você tem de fazer X para viver, então certamente quem controla sua capacidade de fazer X está coagindo você.

O problema com esse argumento é que o estado natural em que vivemos não é um paraíso rousseauniano, mas sim um lugar brutal no qual a maioria morreria rapidamente caso o trabalho e o progresso não houvessem criado moradias, vestuários e uma crescente quantidade de alimentos. O estado natural do homem é o da pobreza. A pobreza é a condição natural e permanente do homem ao longo da história do mundo. E, caso ainda estivéssemos nesse estado, estaríamos hoje diariamente efetuando um infindável trabalho exaustivo e maçante apenas para caçar, matar e cozinhar qualquer coisa que fosse capaz de nos manter vivos. A jornada de trabalho abrangeria todo e qualquer momento do dia em estivéssemos acordados, e o salário seria apenas a refeição ocasional que conseguíssemos fazer.

E foi o capitalismo — empreendedorismo, divisão do trabalho, propriedade privada, acumulação de capital e investimentos — que praticamente aboliu essa condição miserável e nos proveu com a abundância com a qual hoje estamos acostumados.

Não há nada impedindo as pessoas de voltarem a viver nesse estado de coisas no mundo moderno — por exemplo, isolando-se numa floresta —, mas a beleza do capitalismo é que ele nos oferece uma maneira para sairmos dessa existência desgraçada e miserável.

Quando uma empresa oferece um emprego a um indivíduo, ela não o está ameaçando com a frase "trabalhe ou morra!", da maneira como faziam os senhores de engenho; ela está simplesmente prometendo a este indivíduo que, se ele ajudar a empresa a ser bem-sucedida, a empresa lhe dará dinheiro, o qual representa um meio para melhorar seu padrão de vida. Trata-se de um arranjo moral: você me ajuda, eu lhe ajudo.

Há também outro argumento progressista muito frequentemente repetido: o ambiente de trabalho seria coercivo em virtude de uma desigual distribuição de poder. Segundo tal raciocínio, o fato de os patrões poderem demitir aqueles empregados que não fizerem X seria um ato de coerção.

Tal raciocínio, obviamente, desconhece a natureza do trabalho e ignora o poder dos empregados.

Coerção, de acordo com o Oxford English Dictionary, significa "a prática de induzir, pressionar ou compelir alguém a fazer algo pela força ou ameaça." Envolve uma ameaça de ferir alguém caso tal pessoa não faça X. Em uma prisão ou campo de trabalho forçado, prisioneiros podem ser espancados ou mortos por não cumprirem ordens.

Isso é fundamentalmente diferente da promessa de um empregador normal, o qual manterá uma relação voluntária com os empregados enquanto essa relação for mutuamente benéfica. Enquanto o empregado estiver desempenhando um bom serviço, a empresa continuará o ajudando a melhorar seu padrão de vida. No entanto, se o empregado não mais oferecer valor para a empresa para a qual trabalha, então essa empresa não tem nenhuma obrigação de continuar a ajudá-lo.

Recusar-se a continuar ajudando alguém que não mais lhe ajuda é fundamentalmente diferente de usar de "força ou ameaça", estas sim inerentes à coerção. O chicote de um senhor de engenho piora a situação de uma pessoa que não faz o que lhe mandam. Os salários continuamente pagos por um patrão melhoram a situação de uma pessoa que faz o que lhe pedem.

Sim, é verdade que ser demitido pode deixar um empregado em uma situação ruim. E isso é ainda pior se ele for demitido sem aviso prévio. Trabalhar para uma empresa muito exigente, em conjunto com a possibilidade real de ser repentinamente demitido caso não faça um bom trabalho todos os dias, não constitui um tipo de emprego com o qual todos nós sonhamos. Porém, dizer que isso é igual a um trabalho escravo chega a ser inclusive desrespeitoso para com os empregados, pois se está denegrindo a empresa para a qual trabalham.

A comparação ignora o poder dos empregados. Eles podem sair de uma empresa sempre que quiserem. Nada os proíbe disso. Mais ainda: o fato de poderem sair da empresa sempre que quiserem lhes concede o poder de deixar seu empregador em uma situação difícil. Em uma pequena empresa, um empregado que pede demissão pode deixar a empresa sem a força de trabalho necessária para continuar com seus serviços. Se um contador repentinamente sair de uma empresa de contabilidade durante o período de acerto do Imposto de Renda, essa empresa pode ficar em sérias dificuldades para cumprir o prazo de seus acordos com seus clientes.

Mesmo em empresas grandes, empregados que repentinamente pedem demissão geram custos para seus patrões. Os custos para se encontrar substitutos e treiná-los podem variar entre 20 e 50% do salário anual desse empregado.

No que mais, esse tipo de comparação também ignora o fato de que as pessoas tendem a encontrar empregos que representam sua melhor alternativa. Esse é o caso da Amazon no Reino Unido, que foi severamente criticada em 2013 por ter construído seus "centros de processamento" em regiões que, segundo o The Guardian, são "locais de alta taxa de desemprego e poucas oportunidades econômicas". Ora, mas isso foi ótimo para esses desempregados. Trabalhadores que até então estavam sem empregos, correram para a Amazon sabendo que, embora não fosse o trabalho dos sonhos, representaria uma alternativa superior à realidade vigente deles: o desemprego.

A questão da coerção é importante de ser entendida porque representa o cerne da diferença entre o governo e o setor privado. Se você não fizer X, o governo irá punir você: ele pode confiscar seus ativos, jogar você na cadeia e até mesmo matar você. Isso sim é genuína coerção. Em comparação, se um patrão pede a você para fazer X, ele não pode lhe ameaçar; tudo o que ele pode fazer caso você diga 'não' é parar de continuar lhe dando dinheiro.

Essa diferença ressalta a essencial liberdade que há no mercado. Em qualquer tipo de relação de mercado, um lado pode optar por se retirar e o outro lado não pode lhe infligir nenhum malefício. Essa é uma liberdade que notavelmente não existe em nossa relação com o governo.

Fonte: Mises.org



(*)Julian Adorney é diretor de marketing da Peacekeeper, um aplicativo de smartphone que oferece uma alternativa para serviços de emergência. É também historiador econômico, tendo como base a economia austríaca. Já publicou nos sites do Ludwig von Mises Institute do EUA, Townhall, e The Hill.

quinta-feira, outubro 22, 2015

Os parlamentares petistas e a lei anti-terrorismo.






por Fabio Blanco







O Senado brasileiro está para votar o projeto da chamada lei anti-terrorismo. Seu texto é uma resposta a uma pressão internacional, que, de alguma maneira, exige que os países tenham regras eficazes para combater o terror. O objetivo é, principalmente, que esses países não sirvam de lugar propício para abrigar organizações terroristas que os usem como quartel-general para coordenar atos de violência no restante do mundo e como via para lavagem de dinheiro.

Por ainda não ter aprovado essa lei, o Brasil sofre o risco de sofrer sanções e é esta a principal preocupação de alguns componentes do governo. No entanto, há outros atores políticos que estão preocupados com o contrário e suas razões não são tão simplórias, nem tão virtuosas como se espera.

Na verdade, os senadores governistas não querem a aprovação da lei simplesmente porque sabem que isso tornaria a punição para os crimes, costumeiramente cometidos por alguns chamados movimentos sociais, mais rígida. Isso quer dizer que a base do governo no senado quer, de maneira bem clara, proteger os criminosos do MST e de outras organizações que agridem o bem alheio.

Essa defesa indiscriminada do banditismo social está bem caracterizada na fala do parlamentar, que foi símbolo do movimento dos caras-pintadas e, naquela época, dizia lutar pela ética e justiça, Lindbergh Farias, do PT. Ele afirma, com um argumento bem canalha, que o projeto não pode ser aprovado porque “depredar um ônibus, ocupar uma reitoria, invadir uma propriedade rural são manifestações que já possuem sua punição e a pessoa é presa por isso. Com a nova proposta, isso se torna terrorismo”.

A lógica de Farias é muito significativa por revelar o tipo de caráter com o qual estamos lidando quando nos deparamos com um esquerdista. Segundo ele, uma lei que endurece a punição contra atos violentos, como depredações, ocupações e invasões não é bem vinda. Ou seja: ele tenta, de toda maneira, proteger os praticantes desses atos, como se fossem pequenos delinquentes, como se fossem ladrões de galinhas.

Ocorre que a lógica do parlamentar é de uma obviedade impressionante e usá-la para defender os movimentos sociais apenas manifesta seu desespero. Isso porque se para tudo se seguisse seu raciocínio qualquer legislação que visasse o endurecimento de penas sobre crimes mais violentos ficaria inviabilizada. Até porque a lei anti-terrorismo não visa punir qualquer ato lícito, nem pequenos delitos, mas apenas aquilo que já é crime! E crime sério! Então, é óbvio, que os atos que ela pretende abarcar já possuem punição específica na legislação atual. Seria estranho se não houvesse! O que a lei busca é o endurecimento ao combate contra esses crimes. Usar a existência prévia de punição como argumento para não endurecer a pena sobre eles, além de ser um argumento estúpido, demonstra a ânsia dos petistas por proteger seus bandidos preferidos.

Na verdade, o que os petistas estão tentando é assegurar que os movimentos criminosos, que há décadas servem de sustentação para o partido, continuem atuando sem que sofram punições de acordo com a gravidade de seus atos. De fato, grupos como o MST são como o braço armado do PT e este tem um compromisso quase declarado de protegê-los a todo custo.

A lei anti-terror possui pontos questionáveis, é verdade. Pode-se até se discutir qual a verdadeira intenção dos grupos internacionais ao tentar impô-la sobre os países. No entanto, o que ninguém pode negar é que a esquerda brasileira não está preocupada com nada além de permitir que aqueles que são como seus sovietes tenham liberdade para atuar de maneira a servirem como sua força armada, quando necessário.


Fabio Blanco é advogado e teólogo.

quarta-feira, outubro 21, 2015

A educação estatal - e como ela seria em um livre mercado.




A educação estatal - e como ela seria em um livre mercado.
por Harry Browne (*),



N. do T.: o artigo a seguir foi adaptado para a realidade brasileira


De todos os passos que foram dados rumo ao caminho da servidão, qual foi o pior?



Em minha opinião, foi o de permitir que o estado educasse nossos filhos, seja diretamente por meio de escolas públicas, seja indiretamente por meio de escolas privadas reguladas integralmente pelo Ministério da Educação.

Dado que a educação que nossos filhos recebem é toda controlada por funcionários públicos, que operam dentro das normas estabelecidas por um sistema estatal, não é surpresa nenhuma que nossos filhos cresçam acreditando que:


— o estado é um árbitro justo, imparcial, amoroso e caritativo, ao contrário de empreendedores privados, que agem somente em interesse próprio;

— programas governamentais realmente entregam aquilo que prometem e, sem eles, as pessoas estariam em situação muito pior;

— sem a saúde e a educação públicas, e sem programas de assistência social do governo, todos morreríamos doentes ainda muito jovens, seríamos analfabetos e as ruas estariam repletas de pessoas passando fome; e

— o estado é o país, e é nosso dever patriótico apoiar toda e qualquer política idiota que o governo decida implementar.


A educação é um desastre. Se você não acredita em mim, pergunte aos próprios políticos. Todo ano de eleição eles aparecem para nos contar como a educação está terrível — crianças que não conseguem ler em idade já avançada, violência nas salas de aula, professores incapacitados e mal pagos, infraestrutura precária e aos pedaços, drogas sendo vendidas dentro das escolas, salas de aula com excesso de alunos etc.

É claro que todos os políticos têm na ponta da língua soluções que irão sanar todos estes problemas. Porém, mesmo depois de eleitos, e de implementarem suas soluções, eles sempre voltam nas eleições seguintes dizendo como a situação da educação continua terrível.

A política e as escolas públicas

A primeira coisa que precisa ser entendida a respeito das escolas públicas é que elas não são instituições educacionais. Elas são agências políticas — logo, são controladas pelo grupo que tenha mais influência política. E isto exclui você e eu.

Não é de se estranhar, portanto, que suas políticas de ensino e de funcionamento sejam ditadas pelos sindicatos dos professores e dos funcionários, bem como pelas fantasias utópicas das universidades nas quais esses professores se formaram. Não existe um sistema de recompensas ou de incentivos para inovações. Mesmo os professores mais bem intencionados não têm oportunidades para utilizar métodos originais, lógicos e sensatos para resolver problemas rotineiros. Não há nenhuma chance de se recompensar aqueles que demonstram um desempenho superior. É a burocracia quem comanda tudo, e a ela todos devem ser submissos.

Para piorar, as escolas públicas acabam ensinando muitas coisas que iriam deixar os pais apavorados — isto se os pais soubessem exatamente o que se passa nas escolas. Orientação sexual e "kit-gay" são apenas a ponta do iceberg. Os alunos são ensinados a atormentar seus pais para que eles reciclem lixo, para que fechem a torneira do chuveiro enquanto estiverem se ensaboando durante o banho, e para que adotem inúmeros outros rituais da nova religião ambientalista. Literatura clássica quase nunca é mencionada. Quando o é, é apenas para mostrar como as pessoas já foram ignorantes e insensíveis, e não para mostrar aos alunos a complexidade da vida e a riqueza do idioma.

Tempo e recursos parece haver de sobra para ensinar as crianças a se conformarem com a ideologia e o pensamento politicamente correto da moda. Porém, se os pais reclamam que seus filhos não estão aprendendo ciências, português, história e matemática, os políticos respondem que está faltando dinheiro, os professores respondem que são mal pagos e vários "agentes sociais" dizem que a nova metodologia de ensino, com maior ênfase na 'consciência social do aluno', é bastante superior ao velho e reacionário método clássico de educação. E, no final, todos se unem para concluir que o grande problema realmente é o governo, que destina poucodinheiro para a educação — logo, novos impostos são necessários.

A questão é: teria como as coisas realmente serem diferentes? Nesse atual arranjo, sem estarem submetidos a uma pressão competitiva, sem estarem sujeitos à concorrência, as pessoas que realmente estão no controle das escolas públicas — os burocratas sindicalizados — estão livres para saciar seus desejos mais indômitos de doutrinar as crianças para que elas sejam cidadãos exemplares da Nova Ordem. Em um sistema como este, os bons professores não têm a menor chance — nem o estímulo — de fazer a diferença.

Público vs. Privado

O problema não são professores despreparados. O problema não é a falta de recursos ou a falta de participação dos pais.

O problema é que as escolas são administradas pelo governo.

Podemos ver isso claramente ao comparar a educação pública com a indústria de computadores — um dos ramos menos regulados em todo o mundo.


— A educação está sob o comando de políticos e burocratas, gente que jamais irá enfrentar pessoalmente as consequências de suas próprias medidas, por mais que arruínem a educação de nossos filhos. E assim, os custos da educação vão ficando cada vez maiores, ano após ano, ao mesmo tempo em que a qualidade e a utilidade decrescem velozmente.

— A produção de computadores, notebooks e afins está sob o comando de empreendedores, pessoas que visam ao lucro e que, por isso mesmo, têm de estar sempre encontrando novas maneiras de nos satisfazer, produzindo cada vez mais com cada vez menos — caso contrário, perderão o que investiram e irão à falência. E assim, computadores, notebooks e demais apetrechos tecnológicos vão ficando cada vez mais baratos, ano após ano (ou mês após mês), ao mesmo tempo em que sua qualidade e utilidade aumentam velozmente.


Ao contrário das empresas de tecnologia, as escolas públicas são organizações monopolistas isoladas da concorrência — e inteiramente sustentadas pela coerção do governo. Um sistema de vouchers para as escolas privadas, nos moldes defendidos por alguns liberais genuínos, não tornaria as escolas públicas mais competitivas simplesmente porque as escolas do governo não precisam competir. (Em nível universitário, já temos os exemplos práticos do ProUni e do Fies, que nada mais é do que uma variância desse esquema de vouchers. O único resultado foi piorar a educação das universidades particulares que recebem esse subsídio, pois agora elas não mais têm de competir por novos alunos; o governo já garante a receita.)

Não importa quantos alunos as escolas públicas percam para as escolas privadas e para aqueles heróis que, à revelia do governo, praticam ensino doméstico; o fato é que as escolas públicas ainda obtêm seus recursos por meio da força — e quanto maiores os seus fracassos, mais eles são utilizados como desculpa para se exigir ainda mais recursos.

Dado que o governo possui livre acesso a um recurso que empresas privadas não têm — o dinheiro dos pagadores de impostos —, ele consegue oferecer seus serviços "gratuitamente". Eles não são realmente gratuitos, é claro; no contexto estatal, "gratuito" significa que todas as pessoas pagam pelo serviço, queiram elas ou não.

Infelizmente, isso que irei dizer agora não é compreendido por todos, mas enquanto o governo puder tributar os cidadãos para lhes fornecer serviços educacionais a preço marginal zero, todo um serviço educacional privado que poderia existir jamais é criado. Não deixa de ser irônico constatar essa contradição: ao mesmo tempo em que o governo vigilantemente pune empresas que praticam "concorrência predatória" (leia-se: fornecem produtos e serviços a preços baixos), ele próprio incorre nessa prática — só que de maneira totalmente coerciva, pois o faz com o dinheiro que confisca da população — no serviço educacional.



Inversão de papéis

Suponhamos que o governo tenha estatizado a indústria de computadores tão logo ela surgiu (tudo para o "bem do povo", claro). Não é difícil imaginarmos como ela seria hoje:


— Um computador pessoal custaria alguns milhões de reais e seria maior que uma casa;

— Ele provavelmente seria capaz de realizar operações de soma e subtração, porém os funcionários públicos iriam nos explicar por que é cientificamente impossível uma máquina destas realizar multiplicações e divisões;

— O custo de um computador subiria continuamente, e cada modelo novo seria pior e mais caro que o do ano anterior;

— Haveria grupos de interesse organizados tentando fazer com que o governo produzisse computadores com DOS, e outros grupos exigindo interface gráfica. Haveria intensos debates sobre se os computadores fornecidos pelo governo deveriam poder acessar sites religiosos ou não.


O lado positivo seria que todos os computadores viriam com um software que ensinaria às crianças como manusear uma camisinha.

Por outro lado...

Agora vamos supor o contrário, que a educação fosse organizada de acordo com a indústria de computadores — formada por empresas privadas concorrendo em um mercado sem barreiras à entrada, livres de todos os tipos de regulamentações, que não estivessem sujeitas a matérias obrigatórias ou a comissões políticas. Em suma, por empresas que simplesmente tivessem de competir pela preferência dos pais.

Como as escolas seriam? Parece-me óbvio que:


— O custo da educação cairia ano após ano, com as empresas encontrando maneiras de fornecer educação de qualidade a custos cada vez menores. E todo o dinheiro que você gasta hoje para pagar pelas escolas públicas por meio de impostos ficaria integralmente com você, para gastar como achar melhor.

— A concorrência faria com que as escolas tivessem de melhorar ano após ano. Não dá para fazer previsões, mas é bem possível que as crianças precisassem passar apenas 3 horas por dia na escola para receber uma educação muito superior do que a obtida hoje nas escolas controladas pelo governo.

— As escolas seriam tão mais estimulantes, que as crianças poderiam perfeitamente querer passar várias horas por dia explorando o mundo da matemática, da história, da geografia, da literatura, da redação ou de qualquer outro tema que tenha despertado sua imaginação.

— Dado que não haveria nenhum Ministério da Educação impondo um determinado tipo de currículo para todo o país, não veríamos mais as brigas amargas sobre os conteúdos ministrados, sobre a necessidade ou não de se ensinar religião, "sensibilidade social" e educação sexual; não haveria problemas com a imposição estatal de "kit-gay" ou com a aceitação ou não de professores homossexuais. Se uma escola quisesse se especializar exclusivamente em esportes, por exemplo, caberia aos pais decidir se querem ou não que seus filhos estudem ali. A liberdade definiria as escolhas. Não mais haveria as centenas de controvérsias que vemos na educação atual, completamente controlada pelos burocratas do Ministério da Educação. Se você não gosta do que a escola do seu filho está ensinando, você simplesmente vai atrás de outra melhor — do mesmo jeito que vai atrás de um supermercado que tenha o que você quer.

— Haveria dezenas de opções disponíveis para você — escolas mais severas, escolas com disciplinas especiais, como música e cinema, escolas alternativas e até mesmo escolas que ofereçam um ensino completo sobre o funcionamento do livre mercado e do empreendedorismo, o que iria ajudar seu filho a obter uma vida mais confortável quando crescesse, além de poupar seu cérebro de infecções marxistas. Algumas escolas poderiam perfeitamente criar um currículo personalizado baseando-se em suas expectativas e nas capacidades de seu filho, ao passo que outras ofereceriam uma educação mais simples a um custo menor para aqueles que precisam economizar.


Temos de agradecer aos céus pelo fato de que nossos computadores e demais aparelhos eletrônicos não são fornecidos pelo estado. Mas também nunca podemos nos esquecer de como a educação poderia ser muito melhor, mais dinâmica e estimulante, se ela fosse tão livre do estado quanto é a indústria tecnológica.

Não há nada de específico na educação que nos faça duvidar de que o mercado poderia fornecê-la. Assim como qualquer produto ou serviço, a educação é uma combinação de terra, trabalho e capital direcionados a um objetivo claro: a instrução de assuntos acadêmicos e relacionados, os quais são demandados por uma classe de consumidores, majoritariamente pais.

O argumento de que uma educação de alta qualidade seria intrinsecamente cara para uma fatia significativa da população não se sustenta. Um livre mercado que consegue saturar a sociedade com telefones celulares, geladeiras, fornos microondas, televisões da alta definição, computadores, tablets e máquinas de lavar certamente pode produzir educação de alta qualidade para as massas. O segredo é a liberdade de empreendimento.



Imagine um mundo em que os impostos para a educação deixassem de existir, em que a liberdade conduzisse a educação de seus filhos e você pudesse escolher uma escola para eles da mesma maneira que escolhe qual artefato eletrônico quer comprar.

Isso é querer demais?



(*)Harry Browne , o falecido autor de Por que o Governo Não Funciona e de vários outros livros, foi candidato à presidência dos EUA pelo Partido Libertário nas eleições de 1996 e 2000.


Tradução de Leandro Augusto Gomes Roque

sábado, outubro 17, 2015

Ensinando o básico da ciência econômica para suas crianças.




Ensinando o básico da ciência econômica para suas crianças.
por Leonard Read





Educa a criança no caminho em que deve andar; e até quando envelhecer não se desviará dele. Provérbios 22:6







Como criar métodos para iniciar os jovens no ensino da ciência econômica? Isso é de suma importância, pois, afinal, a próxima geração é a que conta.

Tentar ensinar economia para adultos já é difícil o bastante, dado que é um tanto raro encontrar adultos que tenham genuíno interesse ou aptidão para o assunto. No máximo, há adultos com inclinações partidárias e ideológicas, mas não com genuíno interesse pela ciência econômica.

Será que existe alguma maneira de apresentar ideias tão complexas a crianças, de modo que elas se sintam compelidas a ter um comportamento social condizente com o livre mercado? Talvez. Mas antes vamos refletir sobre nossa matéria-prima: as crianças a quem ensinaríamos.





Há aquelas pessoas que afirmam que cada bebê inicia a vida como um pequeno selvagem; que ele está dotado, entre outras coisas, de órgãos e músculos sobre os quais não tem controle, com um instinto de autopreservação, com emoções e impulsos agressivos como a raiva, o medo, e o amor, sobre os quais ele tampouco possui qualquer controle, e que durante o processo do crescimento é normal para uma criança se sujar, brigar, responder, desobedecer, se esquivar. "Toda criança deve crescer e ao mesmo tempo se livrar do comportamento delinquente". Assim é o argumento.

De minha parte, não me sinto confortável com essa visão freudiana da gênese da raça humana. Preferiria muito mais pensar em uma criança como um broto de planta, com todo o potencial para a beleza e a felicidade que um organismo em crescimento prenuncia. É claro que em cada caso específico, do ponto de vista de um adulto, poderá haver uma aparente desorganização, uma falta de coordenação, e uma desarmonia. Mesmo que seja assim, o potencial para a beleza e a harmonia está lá.

Seja a criança considerada um bárbaro selvagem ou uma beldade em germinação, o desafio está em fazê-la sair de um estado de ignorância quanto às suas relações com os outros, e ascender para um estado de harmonia com as leis universais que governam a condição humana. A criança é uma extensão da responsabilidade dos pais, e essa responsabilidade inclui colocá-la na direção de um sólido entendimento econômico. Eis algumas possibilidades:

Se derrubar algo, pegue.

Isso é fácil de ser ensinado, especialmente para os pais que seguem essa máxima eles próprios. Trata-se de um treinamento básico sobre assumir a responsabilidade pelos próprios atos — ou seja, não prejudicar terceiros com o próprio comportamento.

Uma criança que adota esse comportamento desde cedo está dando seus primeiros passos em direção ao autocontrole. E, caso esse comportamento se torne um hábito, ela provavelmente irá, ao atingir a maturidade, recorrer a si mesma, e não aos outros, para se resgatar a si própria de dificuldades econômicas criadas por seus próprios erros.

Muito provavelmente, ela não será um fardo para a sociedade.

O indivíduo que possui um genuíno domínio sobre seu autocontrole tende a desenvolver uma capacidade rara e valiosa: a habilidade de determinar as próprias ações. Uma pessoa assim não se sentirá tentada a mudar bovinamente de posição apenas para ser mais um no meio da massa. Ela não cederá por conta de pressões, de opiniões volúveis, de sabedorias populares etc. Ela irá se tornar seu próprio mestre.

Pegar o que você deixou cair ajuda a organizar sua mente. Ao se transformar em algo instintivo, torna-se um hábito jubiloso, levando você eventualmente a pegar coisas que outros deixaram cair. Projetado na vida adulta, isso mostra uma atitude caridosa, no sentido judaico-cristão: o dever moral de uma pessoa para com os menos afortunados.

Se abrir uma porta, feche-a.

Esta é uma sequência da lição anterior; trata-se meramente de uma prática que confirma a sabedoria de se completar cada transação em sua vida.


Um inevitável dualismo divide a natureza, de maneira que cada coisa é uma metade, supondo alguma outra coisa que a complete; espírito e matéria, homem e mulher, subjetivo e objetivo, dentro e fora, em cima e embaixo, movimento e repouso, sim e não.[1]


Para ensinar crianças eu acrescentaria isso: derrubar, apanhar; abrir, fechar; e outras.

Se fizer uma promessa, mantenha-a.

Não há melhor aliado para o caos social do que promessas não cumpridas.

Crianças que não tenham sido educadas para manter a palavra dada serão autoras de tratados feitos para não serem seguidos; elas concorrerão a cargos políticos ou executivos fazendo falsas promessas, cancelarão contratos, e utilizarão meios políticos para expropriar propriedade alheia; elas venderão suas almas em troca de fama, fortuna e poder.

Elas não apenas fracassarão em serem honestas com seus companheiros, como também não darão atenção nem mesmo às ordens de suas próprias consciências.

Por outro lado, crianças educadas a manterem suas promessas não fugirão de suas obrigações, chova ou faça sol. A integridade será a sua marca de distinção.

O que quer que você tenha pegado emprestado, devolva.

Essa é uma extensão da lição sobre manter a promessa.

A adesão a esses conselhos desenvolve o respeito pela propriedade privada, que é uma premissa fundamental para a doutrina econômica sólida.

Nenhuma pessoa criada dessa forma pensaria em construir seu ninho à custa dos ninhos de outros. Estatistas adeptos do assistencialismo e entusiastas do planejamento centralizado não surgem se houver esse tipo de treinamento. 

É verdade que um socialista pode honrar uma dívida contraída em seu próprio nome, mas o fato é que ele desconsiderará qualquer endividamento feito em nome "do povo" ou do bem comum. Ele não foi educado para entender que o princípio da compensação se aplica a todo e qualquer caso.

Jogue o "jogo do obrigado".

Essa lição levará um pai brilhante e uma criança esperta a qualquer lugar.

É possível enunciar a ideia, mas não há como ensiná-la. Uma vez compreendida, a ideia é bastante simples, embora tão evasiva que, apesar dos 33.000 anos passados desde o homem de Cro-Magnon, ela só foi descoberta há pouco mais de um século: o valor de um bem ou serviço não é determinado objetivamente pelo custo de produção, mas sim subjetivamente pelo que outras pessoas estão dispostas voluntariamente a dar em troca deste bem ou serviço.

Não há conceito mais importante do que esse na ciência econômica: o livre mercado não tem outra origem econômica que não esta teoria de valor subjetivo ou de utilidade marginal. Com efeito, ela é mais precisamente definida como a teoria do valor-mercado.

Exemplo: quando uma mãe troca R$ 1,00 por um kg de arroz, ela valoriza mais o arroz do que o R$ 1,00 e o vendedor dá mais valor ao R$ 1,00 do que ao quilo de arroz. Se a mãe valorizasse mais o R$ 1,00 do que o arroz, ela não faria a troca. Se o vendedor valorizasse mais o arroz do que o R$ 1,00, ele não faria a troca. Os valores do arroz e do R$ 1,00 (excluindo qualquer outra consideração) são determinados por duas opiniões subjetivas.

A quantidade de trabalho empregada (custo) na obtenção do R$ 1,00 ou na aquisição do arroz não tem nenhuma relação com o valor do R$ 1,00 ou do arroz.

Repetindo: o valor de qualquer bem ou serviço é determinado pelo que será dado por ele em uma troca voluntária, e nunca forçada ou involuntária.[2] Quando o R$ 1,00 é trocado pelo arroz, o vendedor conclui a transação dizendo "Obrigado", já que em sua opinião ele teve um ganho. Esse é o mesmo motivo pelo qual a mãe diz "Obrigada", já que ela também obteve um ganho, na sua própria opinião. Não seria nada impróprio descrever isso como o "estilo grato da vida econômica".

Esse conceito de valor, é bom lembrar, tem sido praticado pelo homem comum milênios antes de os teóricos econômicos o identificarem como o meio mais eficaz de se avançar mutuamente no bem-estar econômico. E, justamente por isso, a criança pode ser ensinada a praticá-lo antes mesmo de ela ter condições de entender o básico da teoria.

Ao trocar brinquedos ou bolinhas de gude ou figurinhas ou o que quer seja entre si, crianças podem perfeitamente jogar o "jogo do obrigado". Elas podem ser ensinadas a expressar o mesmo "obrigado" que esperam receber de seus amigos. Se isso não ocorrer é porque houve algo de errado com a troca. Por outro lado, quando ao final da transação dizem "obrigado", é porque todos saíram ganhando.

Obtenha essa atitude de um menino ou de uma menina e você terá plantado a semente do pensamento econômico sólido.

Não faça a um amigo o que você não gostaria que ele fizesse a você.


A filosofia moral é o estudo e a investigação sobre o certo e o errado. Já a ciência econômica é um ramo dessa disciplina: o estudo do certo e do errado em assuntos econômicos.

Sendo assim, o livre mercado é simplesmente a aplicação da filosofia moral à ciência econômica — a economia de livre mercado, portanto, depende da prática da Regra de Ouro (a ética da reciprocidade).

É duvidoso que a Regra de Ouro possa ser descrita e ensinada de modo a ser completamente apreendida antes da adolescência. Sua apreensão requer uma natureza moral, faculdade raramente adquirida antes da juventude — e, em alguns casos, nunca.

Mas o esforço para se ensinar a Regra de Ouro a meninas e meninos irá resultar, no mínimo, em uma melhor observação dessa regra por parte dos pais. Crianças — altamente impressionáveis — são guiadas muito mais pela conduta dos pais do que por suas reprimendas; elas são guiadas muito mais pela observação de exemplos do que pelo mero ensino verbal.

Assim, a tentativa de se ensinar esse princípio fundamental de moralidade e justiça, resultando em um comportamento altamente exemplar, pode levar a criança primeiro à imitação, e depois à observância e à prática rotineiras.



Ambos os genitores são os responsáveis pelas gerações vindouras, e são também eles os responsáveis por escolher os tipos de pessoas que ajudarão a educar e a ensinar seus filhos.


[1] Extraído de Compensation de Ralph Waldo Emerson

[2] Impostos, subsídios, tarifas de importação são exemplos de trocas forçadas.



Leonard Read foi o fundador do instituto Foundation for Economic Education -- o primeiro moderno think tank libertário dos EUA -- e foi amplamente responsável pelo renascimento da tradição liberal no pós-guerra.

sexta-feira, outubro 16, 2015

O casamento e a família.






por Jonathan Sacks (*)


Gostaria de iniciar contando a história da mais bela ideia na história da civilização: a ideia do amor que traz uma nova vida ao mundo. Há, é claro, muitas maneiras de contar a história, e esta é apenas uma delas. Mas para mim é uma história de momentos chave, cada um deles surpreendente e inesperado.

O primeiro, de acordo com uma reportagem na imprensa em 20 de outubro do ano passado, teve lugar num lago na Escócia 385 milhões de anos atrás. Foi quando, de acordo com esta nova descoberta, dois peixes juntaram-se para realizar o primeiro exemplo de reprodução sexual conhecido pela ciência. Até então toda a vida tinha se propagado assexuadamente, por divisão celular, germinação, fragmentação ou partenogênese, todas as quais são muito mais simples e mais econômicas que a divisão da vida em macho e fêmea, cada um com um diferente papel na criação e sustento da vida.

Quando consideramos, mesmo no reino animal, quanto esforço e energia a união de macho e fêmea requer, em termos de exibição, rituais de corte, rivalidades e violência, é espantoso que a reprodução sexual tenha acontecido afinal. Os biólogos ainda não estão completamente seguros de porque ela aconteceu. Alguns dizem que foi para oferecer proteção contra parasitas, ou imunidades contra doenças. Outros dizem que é simplesmente que a reunião de opostos gera a diversidade. Mas de uma forma ou de outra, os peixes na Escócia descobriram algo novo e belo que tem sido copiado desde então por virtualmente todas as formas avançadas de vida. A vida começa quando se encontram e se aceitam.

O segundo e inesperado desenvolvimento foi o desafio único posto ao Homo sapiens por dois fatores: nós nos erguemos, o que estreitou a pélvis feminina, e tínhamos crânios maiores. O resultado foi que os bebês humanos tiveram que nascer mais prematuramente do que as outras espécies, e então precisavam de proteção parental por mais tempo. Isto fez com que a parentalidade fosse mais exigente entre humanos que entre outras espécies, o trabalho de duas pessoas ao invés de uma. Consequentemente, o fenômeno, muito raro entre mamíferos, de casais vinculados (diferente de outras espécies onde a contribuição do macho tende a terminar com o ato de fecundação). Entre muitos primatas, os pais nem mesmo reconhecem seus filhos quanto mais cuidar deles. Em toda parte no reino animal a maternidade é quase universal mas a paternidade é rara.

Então o que emergiu adiante com a pessoa humana foi a união de pai e mãe biológicos para cuidar de seus filhos. Até agora por natureza, mas então veio a cultura, e a terceira surpresa.

Parece que entre caçadores e coletores, o vínculo entre casais foi a norma. Então veio a agricultura, e excedente econômico, e cidades e civilização, e pela primeira vez desigualdades nítidas começaram a emergir entre ricos e pobres, poderosos e impotentes. Os grandes zigurates na Mesopotâmia e as pirâmides do antigo Egito, com sua base ampla e topo estreito, foram monumentais declarações em pedra de uma sociedade hierárquica na qual uns poucos tinham poder sobre muitos. E a mais óbvia expressão de poder entre machos alfa, quer sejam humanos ou primatas, é dominar o acesso para fertilizar mulheres e então maximizar o alcance de seus genes na próxima geração. Daí a poligamia, que existe em 95% das espécies mamíferas e 75% das culturas conhecidas pela antropologia. A poligamia é a expressão máxima da desigualdade porque significa que muitos machos nunca terão a chance de ter uma esposa e filhos. E a inveja sexual tem sido, através da história, entre animais assim como entre humanos, o primeiro motor da violência.

Isto é o que faz o primeiro capítulo do Gênesis tão revolucionário com sua declaração de que cada ser humano, independente de classe, cor, cultura ou credo, é feito à imagem e semelhança do próprio Deus. Sabemos que no mundo antigo eram governantes, reis, imperadores e faraós que se consideravam a imagem de Deus. Logo o que o Gênesis estava dizendo era que todos somos parte da realeza. Todos têm igual dignidade no reino da fé sob a soberania de Deus. Disto segue-se que cada um de nós tem igualdade de direito em ter um casamento e filhos, e é por isso, independente de como você interpreta a história de Adão e Eva – e há diferenças de interpertação entre Judeus e Cristãos – a norma pressuposta pela história é: uma mulher, um homem. Ou como a própria Bíblia diz: “É por isso que um homem deixa seu pai e sua mãe e é unido a sua esposa, e eles tornam-se uma só carne”.

A monogamia não se tornou imediatamente a norma, mesmo dentro do mundo da Bíblia. Mas muitas de suas mais famosas histórias, sobre a tensão entre Sara e Hagar, ou Léa e Raquel e suas crianças, ou Davi e Betsabá, ou as muitas esposas de Salomão, são todas críticas que apontam o caminho para a monogamia.

E há uma profunda conexão entre monoteísmo e monogamia, assim como há, na direção oposta, entre idolatria e adultério. Monoteísmo e monogamia dizem respeito às relações abrangentes entre Eu e Você, Eu e um outro, seja ele humano ou o divino “Outro”.

O que faz o aparecimento da monogamia incomum é o caso de que normalmente os valores de uma sociedade são aqueles impostos por uma classe governante. E a classe governante em qualquer sociedade hierárquica candidata-se a obter vantagem da promiscuidade e da poligamia, ambas as quais multiplicam as chances de seus genes serem passados à geração seguinte. Na monogamia os ricos e poderosos perdem e os pobres e sem poder ganham. Então o retorno da monogamia vai contra a mudança social normal e foi um triunfo real para a igual dignidade de todos. Cada noiva e cada noivo são a realeza; cada lar é um palácio quando preenchido com amor. 

O quarto desenvolvimento notável foi o modo como isto transformou a vida moral. Todos tornamo-nos familiarizados com o trabalho de biólogos evolucionistas usando simulações computadorizadas e repetido o dilema do prisioneiro para explicar porque o altruísmo recíproco existe entre todos os animais sociais. Comportamo-nos com os outros como desejaríamos que eles se comportassem conosco, e respondemos a eles como eles respondem a nós. Como C. S. Lewis destacou em seu livro A Abolição do Homem, a reciprocidade é Regra de Ouro compartilhada por todas as grandes civilizações.

O que foi novo e notável na Bíblia Hebraica foi a ideia de que o amor, não apenas justiça, é o princípio condutor da vida moral. Três amores: “Amar o Senhor seu Deus com todo o seu coração, toda a sua alma e todo o seu poder”. “Amar a seu próximo como a si mesmo”. E, repetido não menos que 36 vezes nos livros da Lei Mosaica, “Ame o estrangeiro porque você sabe o que é sentir-se como um estranho”. Ou para colocar de outro modo: Assim como Deus criou o mundo natural em amor e perdão, somos encarregados de criar o mundo social em amor e perdão. E que o amor é uma chama que brilha no casamento e na família. A moralidade é o amor entre marido e mulher, pais e filhos, estendido ao mundo exterior.

O quinto desenvolvimento moldou a estrutura inteira da experiência Judaica. Na antiga Israel uma forma originalmente secular de acordo, chamado aliança, foi tomado e transformado em uma nova forma de pensar a respeito da relação entre Deus e humanidade, no caso de Noé, e entre Deus e uma pessoa no caso de Abraão e os Israelitas posteriores no Monte Sinai. Uma aliança é como um casamento. É um compromisso mútuo de lealdade e confiança entre duas ou mais pessoas, cada um respeitando a dignidade e a integridade do outro, para trabalharem juntos e alcançarem juntos o que não alcançariam sozinhos. E há uma coisa que mesmo Deus não pode alcançar sozinho, que é viver dentro do coração humano. Isto precisa de nós.

Então a palavra Hebraica emunah – erroneamente traduzida como “fé” - realmente significa devoção, fidelidade, lealdade, firmeza, não ir embora mesmo quando as coisas se tornam difíceis, confiando no outro e honrando a confiança do outro em nós. O que a aliança fez, e vemos isto em quase todos os profetas, foi compreender a relação entre nós e Deus em termos da relação entre noiva e noivo, marido e esposa. O amor então torna-se não apenas a única base da moralidade, mas também da teologia. No Judaísmo fé é casamento. Raramente isto foi mais lindamente declarado do que por Oséas quando ele disse em nome de Deus: “Eu te desposarei para sempre; Eu te desposarei com retidão e justiça, amor e compaixão. Eu te desposarei com devoção, e você conhecerá o Senhor”. Os homens Judeus dizem estas palavras nas manhãs de cada dia e enrolamos a correia de nosso Tefilin em torno de nosso dedo como um anel de casamento. A cada manhã renovamos nosso casamento com Deus.

Isto conduz a uma sexta ideia bastante sutil de que verdade, beleza e bondade, e a própria vida, não existe em nenhuma pessoa ou entidade mas no “entre”, o que Martin Buber chamou Das Zwischenmenschliche, o interpessoal, o contraponto de falar e ouvir, dar e receber. Através de toda a Bíblia Hebraica e da literatura rabínica, o veículo da verdade é a conversação. Na revelação Deus fala e nos convida a ouvir. Na prece nós falamos e pedimos que Deus ouça. Nunca há apenas uma voz. Na verdade, algumas vezes penso que a razão de Deus ter escolhido o povo Judeu é que ele adora um bom argumento. O Judaísmo é uma conversação composta por muitas vozes, nunca mais apaixonadamente do que no Cântico do Cânticos, um dueto entre um homem e uma mulher, a amada e seu amante, que o Rabino Akiva chamou de o sagrado dos sagrados da literatura religiosa.

O profeta Malaquias chamou o sacerdote de o guardião da lei da verdade. O livro dos Provérbios diz da mulher de valor que “a lei da bondade amorosa está em sua língua”. É que a conversação entre as vozes masculina e feminina – entre verdade e amor, justiça e misericórdia, lei e perdão – emoldura a vida espiritual. Em tempos bíblicos cada Judeu tinha que dar meio shekel (moeda de Israel) para o Templo a fim de lembrar-nos que somos apenas metade. Há algumas culturas que ensinam que somos nada. Há outras que ensinam que somo tudo. A perspectiva judaica é que somos metade e precisamos nos abrir para um outro se formos tornamo-nos completos.

Tudo isto leva-nos ao sétimo resultado, que no lar e na família Judaica tornou-se a definição central de fé. No único verso na Bíblia Hebraica que explica porque Deus escolheu Abraão, Ele diz: “Eu conheci-o tanto que ele instruirá seus filhos e sua família após ele a manterem o caminho do Senhor fazendo o que é correto e justo”. Abraão foi escolhido não para governar um império, comandar um exército, realizar milagres ou proferir profecias, mas simplesmente para ser um pai. Numa das mais famosas linhas do Judaísmo, que dizemos todos os dias e noites, Moisés ordena: “Vocês devem ensinar estas coisas repetidamente para seus filhos, falando delas quando se sentarem em sua casa ou quando andarem pelos caminhos, quando se abaixarem e quando se levantarem”. Os pais devem ser educadores, educação é uma conversação entre gerações, e a primeira escola é o lar.

Então os Judeus tornaram-se pessoas intensamente orientadas à família, e foi isto que nos salvou da tragédia. Após a destruição do Segundo Templo no ano 70, os Judeus dispersaram-se por todo o mundo, em toda parte uma minoria, em toda parte sem direitos, sofrendo algumas das piores perseguições já conhecidas por um povo, e ainda assim os Judeus sobreviveram porque não perderam três coisas: seu senso de família, seu senso de comunidade e sua fé.

E eles foram renovados a cada semana especialmente no Shabat, o dia de descanso quando damos a nossos casamentos e famílias o que eles mais precisam, e do que estão mais famintos no mundo contemporâneo, a saber: tempo. Certa vez produzi um documentário de televisão para a BBC sobre a situação da vida familiar na Bretanha, e levei a pessoa, que era então a principal especialista em cuidados infantis, Penelope Leach, a uma escola primária Judaica numa manhã de sexta feira.

Lá ela viu as crianças encenando com antecedência o que elas veriam naquela noite em torno da mesa da família. Havia mãe e pai de cinco anos, abençoando filhos de cinco anos, com os avós de cinco anos observando-os. Ela ficou fascinada com toda a instituição, e perguntou às crianças o que elas mais apreciavam no Shabat. Um garoto de cinco anos virou0se para ela e disse, “É a única noite da semana em que papai não tem que se apressar”. Quando terminamos a filmagem e fomos embora da escola ela virou-se para mim e disse: “Rabino, o Shabat dos seus está salvando os casamentos de seus pais”.

Então, esta é uma maneira de contar a história, um modo Judaico, começando com o primeiro nascimento pela reprodução sexuada, depois a demanda única da parentalidade humana, depois o eventual triunfo da monogamia como declaração fundamental da igualdade humana, seguido a propósito, o casamento moldou nossa visão da vida moral e religiosa como baseada no amor, aliança e devoção, ao ponto mesmo de pensar a verdade como uma conversação entre amante e amada. No casamento e na família é onde a fé encontra seu lar, e onde a Divina Presença vive no amor entre marido e esposa, pais e filhos. O que mudou então? Aqui está uma maneira de expressar. Escrevi um livro há poucos anos a respeito de religião e ciência, e resumi a diferença entre elas em duas sentenças. “A ciência toma as coisas separadas para ver como elas funcionam. A religião toma as coisas juntas para ver o que elas significam”, e esta é uma forma de pensar a respeito de cultura também. Ela põe as coisas juntas ou as separa?

O que fez a família tradicional notável, um trabalho de elevada arte religiosa, é o que ela reúne: motivação sexual, desejo físico, amizade, companheirismo, afinidade emocional e amor, a geração de crianças e sua proteção e cuidado, sua educação prévia e introdução numa identidade e numa história. Raramente uma instituição incorporou juntas tantas orientações, desejos, papéis e responsabilidades. Construiu um sentido de mundo e deu a ele uma face humana, a face do amor.

Por toda uma variedade de razões, algumas relacionadas a desenvolvimentos médicos como controle de natalidade, fertilização in vitro e outras intervenções genéticas, algumas relacionadas a mudanças morais como a ideia de que somos livres para fazer tudo quanto gostarmos desde que não fira outros, algumas relacionadas com a transferência de responsabilidades do indivíduo para o estado, e outras mudanças mais profundas na cultura do Ocidente, quase tudo que o casamento certa vez reuniu tem sido agora separado. O sexo tem sido divorciado do amor, o amor do comprometimento, casamento de ter filhos e ter filhos da responsabilidade de cuidar deles.

O resultado é que na Bretanha, em 2012, 47,5% das crianças nasceram fora do casamento, espera-se que se tornem a maioria em 2016. Menos pessoas estão se casando, e aquelas que estão, estão se casando mais tarde, e 42% dos casamentos terminam em divórcio. Nem a coabitação é um substituto para o casamento. A média de duração da coabitação na Bretanha e nos EUA é menos de dois anos. O resultado é um incremento agudo entre as pessoas jovens de desordens alimentares, abuso de álcool e drogas, síndromes relacionadas ao stress, depressão e suicídios tentados e consumados. O colapso do casamento tem criado uma nova forma de pobreza concentrada em famílias monoparentais, e destas, o principal encargo é das mulheres, que em 2011 encabeçavam 92% dos lares monoparentais. Na Bretanha hoje mais de um milhão de crianças crescerá sem nenhum contato sequer com seus pais.

Isto está criando uma divisão dentro de nossa sociedade, de um tipo que nunca foi visto antes. Disraeli falou de “duas nações” um século e meio atrás. Aqueles que são privilegiados de crescerem numa estável associação amorosa entre duas pessoas que os trouxeram à existência, na média, serão mais saudáveis física e emocionalmente. Serão melhores na escola e no trabalho. Terão mais relacionamentos bem sucedidos, serão mais felizes e terão vidas mais longas. E sim, há muitas exceções. Mas a injustiça de tudo isso grita aos céus. Ficará na história como um dos trágicos exemplos do que Friedrich Hayek chamou de “o conceito fatal”, que de algum modo conhecemos melhor que a sabedoria das eras, e podemos desafiar as lições da biologia e da história. Ninguém deseja, certamente, retornar aos estreitos preconceitos do passado.

Esta semana, na Bretanha, um novo filme estreia, contando a história de uma das grandes mentes do século XX, Alan Turing, o matemático de Cambridge que assentou os fundamentos filosóficos da computação e da inteligência artificial, e ajudou a vencer a guerra ao decifrar o código naval Alemão, o “Enigma”. Após a guerra, Turing foi preso e julgado por conduta homossexual, submetido à castração química induzida, e morreu aos 41 anos de envenenamento por cianeto, muitos consideram que cometeu suicídio. Este é um mundo ao qual não devemos retornar nunca.

Mas nossa compaixão por aqueles que escolheram viver diferentemente não deveria inibir-nos de sermos defensores da mais humanizante instituição da história. A família, homem, mulher e filhos, não é uma escolha de estilo de vida entre muitos. É o melhor meio que descobrimos para cultivar as futuras gerações e permitir que as crianças cresçam numa matriz de estabilidade e amor. É onde aprendemos a delicada coreografia do relacionamento, e como lidar com os conflitos invitáveis dentro de um grupo humano. É onde uma geração passa seus valores à próxima, e garante a continuidade de uma civilização. Para qualquer sociedade, a família é o cadinho de seu futuro, e por causa do futuro de nossas crianças, devemos ser seus defensores.

Desde que este é um encontro religioso, permitam-me, se eu puder, encerrar com um trecho de exegese bíblica. A história da primeira família, o primeiro homem e a primeira mulher no Jardim do Éden, geralmente não é considerada um sucesso. Acreditemos ou não no pecado original, ela não tem um final feliz. Após muitos anos estudando o texto, eu gostaria de sugerir uma interpretação diferente. A história termina com três versos que parecem não ter conexão com nenhum outro. Nenhuma sequência. Nenhuma lógica. Em Gênesis 3:19 Deus diz ao homem “Pelo suor de sua fronte comerás o teu pão até que retornes à terra, porque dela fostes feito; pois és pó e ao pó retornarás”. Então no próximo verso lemos: “O homem deu a sua esposa o nome de Eva, porque ela seria a mãe de todos os viventes”. E no texto seguinte, “ O Senhor Deus fez trajes de pele para Adão e sua esposa e com eles os vestiu”.

Qual a conexão aqui? Por que Deus, dizendo ao homem que era mortal, orientou-o a dar a sua mulher um novo nome? E por que este parece mudar a atitude de Deus em relação a ambos, de modo que Ele realiza um ato de ternura, ao fazer-lhes roupas, quase como se Ele os tivesse parcialmente perdoado? Permita também acrescentar que a palavra Hebraica para “pele” é quase indistinguível da palavra Hebraica para “luz”, tanto que o Rabino Meir, o grande sábio do ´seculo II, interpretou o texto como dizendo que Deus fez para eles “trajes de luz”. O que ele quis dizer?

Se lermos o texto cuidadosamente, vemos que até agora o primeiro homem tinha dado a sua esposa um nome puramente genérico. Ele chamou-a ishah, mulher. Lembre-se do que ele disse quando a viu pela primeira vez: “Esta é agora osso do meus ossos e carne da minha carne; ela deveria ser chamada mulher pois foi tirada do homem”. Para ele, ela era um tipo, não uma pessoa. Ele deu a ela um substantivo, não um nome. No mais ele a define como derivada dele próprio: algo tirado do homem. Ela não é ainda um outro alguém, uma pessoa em seu próprio direito. Ela é meramente um tipo de reflexo dele próprio.

Enquanto o homem pensou que era imortal, ele basicamente não precisava de ninguém mais. Mas agora ele sabia que era mortal. Ele poderia um dia morrer e retornar ao pó. Havia apenas uma maneira pela qual algo dele viveria após a sua morte. Isto de daria se ele tivesse uma criança. Mas ele não poderia ter uma criança sozinho. Para isto ele precisava de uma esposa. Somente ela podia dar à luz. Somente ela podia mitigar sua mortalidade. E não porque ela era como ele, mas precisamente porque ela era diferente. Neste momento ela deixou de ser, para ele, um tipo, e tornou-se uma pessoa em seu próprio direito. E uma pessoa tem um nome apropriado. Isto foi o que ele deu a ela: o nome de Chavah “Eva”, quer dizer, “doadora de vida”.

Neste momento, em que eles estavam perto de deixar o Éden e enfrentar o mundo como o conhecemos, um lugar de escuridão, Adão deu a sua esposa o primeiro presente de amor, um nome pessoal. E naquele momento, Deus respondeu a eles com amor, e fez para eles trajes para vestir sua nudez, ou como colocou o Rabino Meir, “trajes de luz”.

E tem sido assim desde então, que quando um homem e uma mulher dirigem-se um ao outro num vínculo de fidelidade, Deus os veste com trajes de luz, e chegamos o mais próximo que jamais chegaremos do próprio Deus, trazendo nova vida à existência, transformando a prosa da biologia na poesia do espírito humano, redimindo a escuridão do mundo pela resplandecência do amor.


(*)Sir Jonathan Sacks é ex-rabino-chefe da Comunidade Britânica.

Publicado em The European Conservative, o presente artigo é baseado num discurso pronunciado no colóquio internacional “Humanum”, no tópico 'A complementaridade de Homem e Mulher”, realizado entre 17 e 19/12/2014 na Cidade do Vaticano.