por Bruno Lima(*)
A ministra das Relações Exteriores da Suécia, Margot Wallström, causou indignação em Israel na semana passada. Em declaração à televisão pública, a ministra associou os ataques terroristas em Paris cometidos pelo Estado Islâmico (ISIS ou Daesh) ao conflito entre israelenses e palestinos.
Sem dúvida, Wallström cometeu um grave erro ao vincular os ataques de Paris à situação dos palestinos. O problema é que ela não foi a primeira a apontar elementos comuns no terrorismo palestino e no jihadismo do ISIS – a diplomacia civil israelense traça esse paralelo há algum tempo.
O que exatamente Wallström disse?
Quando perguntada se estava preocupada com a radicalização dos jovens suecos que lutam pelo ISIS, Wallström respondeu: “[Nós] obviamente temos razões para estarmos preocupados, não apenas na Suécia, mas em todo o mundo, porque muitos estão sendo radicalizados. Aqui, mais uma vez, nos defrontamos com situações como [as que vemos no] Oriente Médio, onde palestinos não veem um futuro. [Nesse caso] deve-se aceitar a desesperadora situação ou recorrer à violência”.
Não tardou para que políticos israelenses interpretassem a declaração como uma sugestão de que Israel é o culpado pelos ataques de Paris. O ex-ministro das Relações Exteriores, Avigdor Lieberman, classificou as observações de Wallström como “um ato ofensivo, cínico e hipócrita que nos remete as memórias do comportamento da Suécia durante a Segunda Guerra Mundial”. A vice-chanceler, Tzipi Hotovely, afirmou que Wallström demonstrou “não apenas cegueira sobre a realidade, mas também uma maldade inacreditável”. Emanuel Naasson, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, chamou os comentários de Wallström “chocantes por sua chutzpah (falta de educação)” e disse que a Suécia exibiu novamente “genuina hostilidade” em relação a Israel. O Ministério das Relações Exteriores em Jerusalém convocou seu embaixador na Suécia para esclarecimentos.
Wallström não vinculou, especificamente, os ataques de Paris a Israel. Ainda assim, a relação que estabeleceu entre as origens do ISIS e o sofrimento dos palestinos foi suficiente para provocar a indignação. Nesse sentido, a crucificação da ministra sueca é cabível – ela sabia quais seriam as implicações do paralelo que estava traçando.
No entanto, deve-se admitir que não foi Margot Wallström quem inventou a equação ISIS = palestinos. Horas após a tragédia em Paris, Benjamin Netanyahu escreveu em sua página do Facebook: “Em Israel, como na França, o terrorismo é terrorismo, e sua motivação é o Islã radical e um desejo por destruição”. A ministra da Cultura, Miri Regev, postou uma imagem que dizia: “Paris 13/11, New York 11/09, Israel 24/7”.
Essas não foram as primeiras comparações entre o terror palestino e o ISIS. Em discurso à Assembléia Geral da ONU em 2014, Netanyahu declarou: “ISIS e Hamas são ramos da mesma árvore venenosa … Hamas é ISIS e ISIS é Hamas”.
Há anos, a diplomacia israelense tenta impor essa mentalidade de que o Estado Islâmico e os grupos terroristas palestinos são “farinha do mesmo saco”, o que é, de certa forma, uma verdade. No entanto, como bem sabemos, há uma grande abismo entre o fato e a retórica que construímos sobre dele. O grave erro diplomático cometido pela ministra sueca é apenas uma demonstração, carregada de má fé, de que a correta e bem intencionada lógica “Hamas = ISIS” pode conduzir a incorretas e provocativas interpretações da realidade.
O ponto é que apesar das ínumeras semelhanças entre o fanatismo e a crueldade dos grupos terroristas palestinos e o ISIS, é praticamente impossível vender essa retórica comparativa. É impossível pois ela pressupõe que o julgamento que o ocidente faz do ISIS utiliza os mesmos critérios para julgar o Hamas ou a Jihad Islâmica. Sabemos que há no mundo uma assimetria moral e devemos lidar com ela, ao invés de agir como se ela não existisse. O fato é que, concordemos ou não, muitos no ocidente acreditam que o governo de Israel tem uma parcela de culpa no terrorismo palestino. É, portanto, razoável que a equação “ISIS = Hamas” os conduza a pensar que Israel é também parcialmente responsável pelas atrocidades cometidas pelo ISIS. Infelizmente para Israel, essa é apenas uma derivação lógica da equação.
É também absolutamente compreensível que políticos israelenses busquem incessantemente vincular o ISIS ao terror palestino, afinal o Estado Islâmico é uma organização assassina que escraviza mulheres e não possui qualquer legitimidade internacional. O problema é que o ocidente não enxerga jovens palestinos de 15 anos armados com chaves de fenda e talheres da mesma forma que enxerga a crueldade do ISIS. Um crescente número, aliás, é capaz de encontrar justificativa nas ações dos jovens palestinos.
Dessa forma, é plausível que afirmações como “não somos culpados pelo terror cometidos contra nós, assim como os franceses não são culpados pelo terror cometidos contra eles” criem, em termos retóricos (e apenas em termos retóricos), associações entre Israel e ISIS.
Convenhamos. É o cúmulo da ingenuidade acreditar que os antissemitas de plantão não farão [mau] uso dessa lógica para vincular Israel ao wahabbismo do ISIS. Não se pode comparar o terror palestino com o ISIS e esperar que eles não coloquem Israel como responsável pelos dois. Não se pode dizer continuamente que “Hamas é ISIS” sem esperar que outros dêem o próximo passo e vinculem o Estado Islâmico à causa palestina. É uma ligação absurda e sem fundamento, sem dúvida. Mas ela é razoável para alguém que pensa que “ISIS é Hamas e Hamas é ISIS”.
O jogo retórico é perverso. Devemos sempre estar um passo à frente daqueles que estão dispostos a nos aniquilar. Para isso não podemos jamais subestimar a malévola imaginação do inimigo. Basta uma mente com um nível de sofisticação um pouco acima da média para que um argumento que tinha tudo para dar certo torne-se um ataque massivo a ser defendido. Por isso, não se espante quando as redes sociais forem inundadas por imagens, vídeos e textos vinculando Israel ao ISIS – esse é apenas um desdobramento mal intencionado de uma retórica mal elaborada. Não digam que eu não avisei.
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O texto acima constitui um “diálogo intelectual” com o artigo de Asher Schechter publicado no dia 18 de Novembro no diário online Haaretz.
(*) Bruno Lima é brasileiro e vive em Israel desde 2008. É graduado e mestre em Ciência Política pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Formado também em Sociologia & Antropologia, se interessa por filosofia, cultura israelense e psicologia
Fonte: www.conexaoisrael.org/