sábado, fevereiro 27, 2016

Em Angola, a Odebrecht no espelho.











Em Angola, a Odebrecht no espelho.
por  Eliza Capai, Natalia Viana
para a AGÊNCIA DE REPORTAGEM E JORNALISMO INVESTIGATIVO





Do seu amplo escritório no oitavo andar do prédio que sedia a operação da Odebrecht em Angola, Antônio Carlos Dahia Blando observa, numa manhã de setembro de 2015, as avenidas circulares do bairro de Talatona, a zona sul de Luanda, apinhada de Toyotas 4×4 prateados que margeiam os prédios de luxo, envidraçados, ao lado dos quais um exército de gruas anuncia os empreendimentos que estão por vir. “Luanda Sul é nossa criação”, diz. Pouco antes, ao chegar ao local, o executivo solta galanteios a todas as funcionárias – faz piadinhas, beija as mãos da secretária, faz questão de tomar os braços da jornalista – enquanto avisa: “Tenho que sair às 11h30, reunião com o ministro da Administração do Território. Um homem muito bom, muito capaz mesmo”.

Dahia, superintendente da gigante brasileira em Angola, é um homem moreno, de óculos, com um sorriso suave que encarna o “espírito de servir”, mandamento número um da companhia que tem no país africano sua segunda maior operação fora do Brasil. O mandamento, ali, significa servir bem o seu principal cliente, o governo do presidente José Eduardo dos Santos, no poder há 36 anos. Segundo maior exportador de petróleo da África, Angola é tido como um dos países mais corruptos do mundo, tem quase 36% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, e possui a pior taxa de mortalidade infantil, ao mesmo tempo que a filha primogênita do presidente, Isabel dos Santos, é celebrada como a mulher mais rica do continente.

No país desde 1984, ano em que assinou o contrato para construir a hidrelétrica de Capanda, a Odebrecht conquistou uma invejável fidelidade do Estado angolano. Construiu muitas das principais obras estratégicas depois da independência e é, ainda hoje, a maior empregadora privada do país, com 12 mil funcionários, além de 5 mil subcontratados, segundo seu relatório anual. Em 2014, US$ 1 em cada US$ 10 dólares gastos pelo governo em infraestrutura foi parar nos bolsos da Odebrecht. “Ano passado o governo angolano investiu US$ 15 bilhões em infraestrutura. A gente teve uma atuação importante: US$ 1,5 bilhão é um número significativo, basicamente em função de projetos grandes como Cambambe, Laúca e a refinaria de Lobito”, detalha Dahia.

Cambambe é a segunda maior hidrelétrica do país, em processo de renovação e ampliação. A refinaria de Lobito traz a promessa de finalmente Angola produzir derivados do petróleo em vez de apenas exportar o óleo cru. Laúca é a cereja do bolo: maior obra de construção civil no país, promete dobrar a capacidade de fornecimento de energia. Hoje, apenas 30% da população tem luz, e mesmo assim recalcitrante, obrigando quase toda a economia a rodar à base de geradores. “A gente cresceu cerca de 30%, 35% graças aos empreendimentos da área de energia”, diz Dahia. “Mas nesses 30 anos foram os pequenos projetos onde colocamos a bandeira Odebrecht, Odebrecht, Odebrecht que fizeram a nossa história.”



Essas “bandeiras” estão por toda parte. Os varredores das ruas do bairro da Maianga, no centro de Luanda, trazem uniformes laranja com o logotipo da Odebrecht. Nos outdoors por toda a cidade, o logo ilustra anúncios de condomínios de luxo onde uma casa pode custar US$ 3 milhões para os filhos da pequena elite e diretores de multinacionais estrangeiras. Na baía de Luanda, diante das demolições de antigas favelas, ou musseques, lá está de novo a placa da Odebrecht, contratada para construir a nova avenida Marginal. Aliás, boa parte da capital foi erguida por ela: construiu as principais estradas de Luanda – Via Expressa, Estrada do Samba, autoestrada periférica – e fez o parco sistema de saneamento e distribuição de água. A rede de supermercados Nosso Super, espalhada por todo o país, é sua concessão. Ela é uma das donas da maior operação diamantífera angolana, a quarta maior mina de diamante kimberlito do mundo. É dela o único açúcar fabricado no país – da marca “Kapanda”, embalado em saquinhos brancos e vermelhos, produto da usina Biocom, uma sociedade com a estatal Sonangol e um influente general.

Dahia despede-se da reportagem lendo com candura um trecho da TEO,Tecnologia Empresarial Odebrecht, livro escrito pelo patriarca Norberto Odebrecht no século passado, a bíblia do núcleo duro do conglomerado empresarial, que ele guarda num armário do escritório, com anotações nos cantinhos das páginas. Em três volumes, a TEO versa sobre “a tarefa empresarial de identificar, conquistar, satisfazer o cliente e com este criar laços duradouros” e ensina: “O ato mais nobre de um Ser Humano é servir a seu semelhante”.

Todo ano o patrono Emílio Odebrecht se reúne com o presidente angolano no palácio, em Luanda, por cerca de duas horas para prestar contas sobre os negócios em andamento. Suas declarações à saída são assunto de manchete dos veículos oficiais. “Uma vez ao ano nos encontramos com o Presidente da República, para o ponto de situação das metas traçadas no ano anterior e perspectivar os próximos 12 meses”, afirmou ao portalAngop em setembro de 2014.

A Odebrecht integra também a Assembleia Geral e o Conselho Fiscal da Fundação Eduardo dos Santos, a Fesa, a maior ONG de Angola, fundada pelo mandatário com a missão de consolidar o progresso social, cultural e científico. Além da companhia brasileira, o conselho fiscal da fundação é integrado por três estatais angolanas e a petrolífera Texaco, entre outras. “Não vemos conflito de interesses, tendo em vista que a Fesa é uma instituição sem fins lucrativos voltada para o desenvolvimento do povo angolano, sob diversas vertentes, e que não está subordinada ao governo”, diz a empresa.

A parceria de longa data rendeu uma homenagem inesperada em meados de 2013, quando o reservado presidente, na sua primeira entrevista em 22 anos, citou uma – apenas uma – empresa: a Odebrecht. “De Angola saíram muitos escravos que foram enviados para o Brasil, portanto, há uma participação angolana na formação da nação brasileira. Há afinidades de vário tipo, por conseguinte há relações pessoais entre os dois países. Por isso as relações são de forte amizade, de alguma cumplicidade. E são relações econômicas que se estendem em várias áreas de atividade. Estão aqui empresas fortes, como sublinhou, como é o caso da Odebrecht, desde os tempos mais difíceis da guerra e que tem dado uma contribuição enorme no processo de construção de Angola. Participou no grande esforço de reconstrução nacional e agora tem procurado reinvestir parte do que ganha cá para realizar vários negócios que são úteis, naturalmente, para Angola.” O estatal Jornal de Angola, único diário do país, em sua versão impressa suprimiu a menção “relações pessoais” e “alguma cumplicidade”.


Alguma cumplicidade

“O dia foi de festa em Capanda. Nessa época do ano, ao amanhecer uma espécie de névoa encobre a barragem e as águas revoltas do rio Kwanza e cria uma atmosfera de sonho. Os que se tinham empenhado com teimosia para a realização daquele projeto faziam contas à vida e não despregavam a vista do local. Angola estava finalmente em paz e havia a perspectiva de desenvolvimento com disponibilidade de energia.” Assim o vistoso livro publicado pela Odebrecht em celebração dos 25 anos no país descreveu o enchimento do reservatório da hidrelétrica de Capanda em 2002. As cerimônias não acabaram aí; em 2005, duramente os eventos de celebração de 30 anos desde a independência, José Eduardo dos Santos e diversos ministros inauguraram a primeira fase da barragem da hidrelétrica. Cinco anos depois, em 2010, o presidente voltou para inaugurar o arranque das primeiras turbinas.

A promessa, como já se viu, não se concretizou: mais de dois terços da população angolana seguem sem luz. Mas a história de Capanda, primeira grande obra da empreiteira no país, ainda hoje é recontada em tons épicos na literatura institucional da Odebrecht.

Para ganhar o contrato, a empresa contou com apoio da ditadura brasileira durante os governos dos generais Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo. “É uma empreiteira brasileira que cresceu na ditadura. O grande salto da Odebrecht foi início da década de 1970, durante o governo Geisel”, explica o historiador Pedro Campos, autor do livro Estranhas catedrais – As empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar. Ele mostra que a construção das usinas nucleares de Angra valeu à Odebrecht a confiança dos generais. “São obras do escopo da segurança nacional, contratos que os militares não deixariam para qualquer um. Era a empresa em que os militares confiavam para fazer isso.”

Em 1975, o governo Geisel havia sido o primeiro a reconhecer a independência de Angola. Ao mesmo tempo, a Odebrecht começava a se internacionalizar, a partir de um contrato no Peru. Mas Capanda foi um salto e tanto: para viabilizá-la, a Odebrecht literalmente convenceu o governo ditatorial a financiar a operação.

“A superação da questão do financiamento da obra foi alcançada quando Marc Altit, que atuava como diretor de desenvolvimento de negócios na área internacional da Odebrecht, estruturou um contrato inovador, com muitas variáveis e um mecanismo de garantia: o petróleo produzido em Angola. A ideia foi apresentada ao governo brasileiro, que, embora resistisse à novidade, via com bons olhos a perspectiva de contar com uma fonte fiável de petróleo numa fase em que os preços internacionais estavam elevados e havia grande disputa pelo produto”, relata Luiz Almeida, que na época era vice-presidente de Desenvolvimento Internacional da Odebrecht, em uma publicação institucional. O atualmembro do Conselho de Administração prossegue: “Em abril de 1983, o ministro Delfim – o mais importante membro da comitiva do presidente do Brasil, João Batista Figueiredo, em visita oficial ao México – fez a gentileza de me receber no hotel em que estava hospedado, em Cancún, e afirmou que, ao regressar ao Brasil, formalizaria a autorização para a operação de crédito para Capanda, a ser compensado com barter de petróleo angolano para a Petrobras.” Segundo a tese de doutorado de Joveta José, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a linha de crédito brasileira para a construção de Capanda acabou absorvendo recursos superiores a US$ 1,5 bilhão. Outros contratos semelhantes haviam sido estruturados pela ditadura no Iraque. O país enviava petróleo e recebia em troca obras de infraestrutura.

Do lado de lá, a Odebrecht convenceu o governo angolano de que seria mais proveitoso construir uma nova hidrelétrica do que ampliar a de Cambambe, já em funcionamento. “Trabalhamos para mostrar ao governo angolano que o investimento prioritário deveria ser em Capanda. Quando a decisão foi tomada, fui convidado ao gabinete do ministro do Plano, Lopo do Nascimento, que me deu pessoalmente a notícia de que Capanda tinha sido colocada como prioridade, porque fora convencido por nossos argumentos”, descreve Luiz Almeida. Outro argumento irrecusável era a oferta do governo russo de financiar os serviços e o equipamento enviado pela empresa estatal Technoexport, que já era sócia da Odebrecht no Peru. Faltava ainda algo essencial: construir o próprio cliente. Luiz relata ter convencido o ministro de Energia e Petróleos a estabelecer uma autarquia estatal para ser responsável pela obra. E facilitou um convênio com a estatal Furnas para auxiliar tecnicamente na implementação da nova entidade, o Gamek – Gabinete de Aproveitamento do Médio Kwanza.

Angola estava, àquela altura, em meio a uma guerra civil em que diferentes guerrilhas disputavam o controle do território. A Unita, apoiada pelas forças do governo do apartheid, na África do Sul, e pelos Estados Unidos, controlava parte do leste do país, enquanto o governo marxista do MPLA tinha controle sobre a capital, Luanda, com apoio cubano. Uma empreitada no interior do país só seria possível com amplo apoio do lado que seria o vencedor militar da guerra. “Autorizado por Emílio Odebrecht, liguei para o coronel António dos Santos França N’Dalu, então chefe do Estado-Maior das Fapla [Forças Armadas Populares de Libertação de Angola], amigo com quem eu compartilhava conversas e histórias”, prossegue o relato de Luiz Almeida. N’Dalu se tornaria o “general dos generais”, servindo duas vezes como vice-ministro da Defesa.

“Após um breve silêncio, o coronel N’Dalu afirmou que implementaria as medidas necessárias para a segurança da construção da usina. E assim, finalmente, chegamos a Capanda”, descreve Luiz Almeida. N’Dalu estabeleceu um gabinete militar comandado pelo capitão Jorge Silva “Sapo”, membro do Estado-Maior da Frente Centro da Fapla. Com a nova posição estratégica, “Sapo” foi promovido a major (tem fotos dele).

Capanda era alvo estratégico na guerra e chegou a ser interrompida duas vezes. Em novembro de 1992, foi ocupada por tropas da Unita. Oito funcionários foram sequestrados, e as negociações para a soltura foram encabeçadas pelo próprio Emílio Odebrecht, com apoio da Cruz Vermelha e de dois aviões Hércules C-130 das Forças Armadas Brasileiras.

Em 1997, as equipes da Odebrecht voltaram à área para recuperar o estaleiro. Em 1999 a obra foi novamente interrompida por causa de bombardeios. Retomadas em 2000, culminaram com o enchimento do reservatório em 2002, no fim da guerra civil. No meio tempo, Jorge Silva “Sapo” tornou-se ainda mais que um aliado da Odebrecht – em, 1992 o angolano ingressou nos quadros da Odebrecht e foi enviado para Cuba, para trabalhar num posto de confiança junto ao Superintendente da empresa no país.

Membros da Odebrecht e das Fapla visitam o local onde Capanda será construída. No centro, Jorge Silva “Sapo” . Foto: Odebrecht



Na guerra pelos diamantes

Quatro anos depois do início das obras de construção de Capanda, a Odebrecht iniciava seu segundo negócio no país, em uma indústria que a empresa até hoje opera só em Angola – a exploração de diamantes. Os episódios dessa atuação merecem bem menos destaque na propaganda institucional, mas permitem entender a profunda conexão da empresa brasileira com o alto escalão e o generalato angolanos.

Um dos poucos relatos foi dado por Paulo Lacerda, diretor da Odebrecht em Angola entre 1988 e 1992: “Com o objetivo de ampliar a geração de divisas para Angola, apresentamos à Endiama [estatal diamantífera] o projeto de Luzamba, para exploração de minas de diamantes na Lunda Norte, contrato que foi assinado em abril de 1991. Após 16 meses, em agosto de 1992, a produção de Luzamba duplicou a exportação de diamantes de Angola”, diz.

A operação durou apenas 15 meses, até ser alvo da Unita. Numa área de 3 quilômetros no rio Cuango, era a maior unidade de produção de diamantes do país, mostrando-se importante fonte de divisas durante a guerra civil – e marcando de vez a empresa brasileira como não apenas parceira do governo, mas parte interessada na guerra.

Na mesma época, relata Renato Baiardi, um executivo antigo, de confiança da família Odebrecht, que hoje é membro do Conselho de Administração. “Quando o conflito foi retomado em 1992, perguntei às autoridades locais como poderíamos apoiá-los. Eles pediram que enviássemos com urgência alimentos para a tropa e a população, especialmente de Luanda. Contratamos, então, um Boeing 747 nos Estados Unidos, que pousou em Luanda, carregado de alimentos, para atender ao pedido”, diz ele. “Esse caso é útil para demonstrar que nosso relacionamento com Angola extrapola qualquer outro, o que nos faz comprometidos e nos leva também a investir no país.”

O controle das áreas diamantíferas pela Unita, após a expulsão dos brasileiros, foi o que deu sobrevida à guerra civil angolana após a derrota do regime do apartheid.

Expulsa de Luzamba, no final daquele mesmo ano, a Odebrecht entrou definitivamente no ramo diamantífero ao assinar em 1993 o contrato para a implantação da mina de Catoca, em outra região, na Lunda Sul, da qual participa até hoje, com 16,4%, em sociedade com a Endiama, o grupo estatal russo Alrosa e o grupo israelense Lev Leviev. Catoca, hoje, é o primeiro kimberlito em exploração em Angola e a quarta maior mina de diamantes desse tipo do mundo. Segundo relatório de 2014, Catoca vendeu 82 milhões de quilates, respondendo por 84,7% do volume de produção em Angola, e teve um lucro líquido de US$ 126 milhões.

Segundo o pesquisador Mathias Alencastro, autor da tese de doutorado A política do diamante na periferia de Angola, da Universidade de Oxford, a entrada da Odebrecht na mina de Catoca obedecia a uma demanda estratégica do MPLA. “Era uma região tomada por produção artesanal, porque Catoca tinha a particularidade de os diamantes estarem muito perto da superfície. O MPLA precisava de uma empresa que fosse o braço industrial do Exército. O que eles criaram ali é um mecanismo de governança do território que passava pelo controle da mina de diamantes. Basicamente o MPLA angolano privatizou para a Odebrecht a responsabilidade de reconstruir o Estado nessa região.”

Para Mathias, a entrada no ramo dos diamantes foi fundamental para a trajetória da empreiteira. “A Odebrecht no final da guerra civil era considerada uma ‘muleta’ do Estado. Isso se deve essencialmente a dois grandes, digamos, sacrifícios, que foram Capanda e Catoca. Esse legado de legitimação do Estado angolano no momento em que ele era considerado por investidores internacionais não só marxista-leninista, mas beligerante, é muito mais importante do que o legado industrial da Odebrecht.”



Se há poucas informações sobre a atuação da Odebrecht em Catoca, ainda menos se sabe sobre outra parceria com a Endiama, a Sociedade de Desenvolvimento Mineiro de Angola (SDM), instituída por decreto presidencial em 25 de agosto de 1995 (Baixe aqui o decreto e a ata de constrituição da SDM: Página 1, 2 e 3), numa divisão de 50% para cada empresa – a Odebrecht investiu US$ 20 milhões na época. A SDM assumiu as antigas operações de Luzamba abandonadas em 1992, na região de Lunda Norte. A área, de cerca de 3 mil km2, foi durante anos o segundo maior produtor de diamantes de Angola.

A partir de 2006, violações brutais de direitos humanos na área administrada pela SDM foram sistematicamente denunciadas pelo jornalista investigativo angolano Rafael Marques. Um de seus relatórios, “Operação Kissonde”, relata como, em fevereiro de 2005, empresas privadas de segurança assumiram a responsabilidade de combater o garimpo ilegal no Cuango. A empresa Alpha-5, então contratada pela SDM, controlava a sede municipal, punindo de maneira perversa quaisquer garimpeiros artesanais que encontrasse. “No caso particular da Alfa-5, documentam-se vários casos em que as vítimas são obrigadas a ter relações homossexuais entre si, tendo chegado ao extremo de se forçar um genro a violar o seu sogro”, diz o relatório (baixe a íntegra aqui). Todas as violações são identificadas com data, local e nome das vítimas e testemunhas. Os relatos são assombrosos. Algumas vítimas contam ter sido obrigadas a trabalhar nuas dentro da sede da empresa mineira da Odebrecht. Outras mencionaram ter sido obrigadas a fazer sexo entre si por “33 efetivos da Alfa-5, 7 soldados das Forças Armadas e 5 elementos da Segurança Industrial da SDM”. A Alpha-5, na época, mantinha um posto de controle dentro da sede da SDM.

A Odebrecht negou veementemente as denúncias. “Em relação às operações da empresa mineira SDM na região do Cuango, na província de Lunda Norte, é necessário mencionar que nem a SDM nem a Odebrecht têm nenhum registro da ocorrência de situações descritas como ‘violações de direitos humanos’ no relatório”, afirmou em comunicado o então superintendente em Angola, Luiz Mameri. Questionada pela Pública sobre a sociedade, a Odebrecht afirmou que a sociedade ainda existe, mas está inativa há cinco anos. Em 2006, a mina se exauriu. Ninguém foi punido pelos abusos de direitos humanos registrados.

Em outro investimento diamantífero que figura em passant na literatura institucional da Odebrecht, a empresa brasileira manteve sociedade com dois filhos do presidente angolano – Welwitschea José dos Santos, a Tchizé, e José Eduardo Paulino dos Santos, o cantor Córeon Dú – e um genro, conforme comprovam registros do Diário da República (baixe aqui, em PDF) e do registro da empresa (baixe aqui) obtidos pela Pública. A lei angolana estabelece que toda empresa estrangeira tem que ter um sócio nacional. Aprovado por decreto presidencial em 27 de maio de 2005, o Consórcio Muanga era uma sociedade entre a Endiama (51%), a Odebrecht Mining Services (19%), a SDM (20%) e a Di Oro Sociedade de Negócios Limitada (10%), dos filhos de José Eduardo dos Santos. A empresa, que antes era do ramo de “alta-costura”, adaptou-se para a assinatura do contrato, que previa um investimento mínimo de US$ 10 milhões das duas empresas da Odebrecht, que assumiram “inteiramente o investimento por sua conta e risco”. Em 2010, o consórcio recebeu, por decreto presidencial, mais dois anos para operar a mina. A produção de diamante aluvião, que chegou a ser anunciada para 2006, nunca se concretizou, segundo a Odebrecht. Procurada pela reportagem, a empresa negou a sociedade: “A Odebrecht não é, nem nunca foi, sócia dos filhos do Presidente da República de Angola. As campanhas de pesquisa diamantífera realizadas no Projeto Muanga demonstraram a sua inviabilidade económica e a concessão não foi desenvolvida”, escreveu a assessoria de comunicação.

“Os generais, hoje, são milionários. E eles entraram nos negócios através do petróleo e dos diamantes. As empresas privadas que operavam nas Lundas eram dos generais. Foi uma privatização da segurança do Estado”, explica Mathias Alencastro.

É o caso do general António dos Santos França N’Dalu, o “general dos generais”, antigo conhecido da direção da Odebrecht, que, depois de ter servido como embaixador nos Estados Unidos, virou homem de negócios, atuando, em especial, no ramo de diamantes. Desde 2005, N’Dalu é o presidente não executivo da operação angolana da De Beers, a maior empresa diamantífera do mundo. É um dos sócios da empresa de segurança Teleservice (10% das ações) com outros generais, empresa acusada de violações de direitos humanos na região das Lundas. A Teleservice chegou a ser contratada pela Odebrecht para fazer a segurança patrimonial durante a construção de um condomínio em Luanda, o Kizomba, para a petrolífera Esso em 2012.

Angola é o quinto produtor mundial de diamantes, gerando 8% da produção mundial. Em 2014, a produção chegou a 8,6 milhões de quilates, alcançando um total de US$ 1,2 bilhão, segundo o Ministério da Geologia e Minas. Os diamantes são o segundo maior produto de exportação, atrás do petróleo com larga distância.

Depois de ter anunciado a intenção de se afastar do setor diamantífero, no fim da década passada, a Odebrecht abriu uma nova sociedade com a Endiama para explorar a mina de diamantes do Luaxe, na região de Lunda Sul, que pode duplicar a produção nacional. A Odebrecht tem 7,5% das ações. Luaxe, considerada a maior mina de kimberlito do mundo, fica a apenas 20 quilômetros de Catoca.


De mãos dadas com o Estado

Depois de anos estudando o comportamento das construtoras brasileiras durante a ditadura e o seu processo de internacionalização, o historiador Pedro Campos chegou à seguinte conclusão: “São empresas que vivem da relação com o Estado”. Para ele, a principal vantagem da Odebrecht não é a qualidade da sua engenharia. Longe disso. “A marca da Odebrecht não é essa. É ser uma potência política. Ela sabe desenvolver relações com o aparelho do Estado e ser atuante em muitas frentes – como é o caso com as Forças Armadas, Congresso, partido. A expertise está mais nisso”, diz.

Em uma economia como a angolana, controlada por um Estado autoritário, a Odebrecht tem uma trajetória comum às maiores empresas internacionais que passa, necessariamente, por uma profunda aliança com as elites. “Em Angola, se uma companhia se torna íntima do poder, vai ter acesso a praticamente qualquer oportunidade que apareça”, explica o pesquisador português Ricardo Soares de Oliveira, professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra. “Podem ser oportunidades da sua área de especialização inicial, por exemplo, a construção civil, mas podem ser diamantes, podem ser restaurantes, podem ser hotéis, pode ser import/export, pode ser agricultura, pode ser o que for”, diz o autor, que dedicou os últimos dez anos a entender a dinâmica econômica do país após o fim da guerra civil.

Esse modus operandi não ocorre por acaso. O autor do aclamado livro Magnífica e miserável: Angola desde a guerra civil vê uma estratégia planejada de concentração de poder pelo presidente José Eduardo dos Santos dentro de um estado autoritário que lhe rendeu um controle sem paralelo na África. “A economia política da reconstrução gerou muitas oportunidades, muitos contratos, e esses contratos foram adquiridos por pessoas próximas do poder. É claro que a Odebrecht, sendo uma presença já muito antiga no país, e tendo uma relação particularmente privilegiada com o palácio presidencial, teve acesso a essas oportunidades a uma escala muito diferente de outros operadores em Angola.”


Talvez o mais cristalino resumo sobre como funciona a economia angolana venha de uma descrição da ex-embaixadora brasileira Ana Lucy Cabral Petersen. Ao detalhar as oportunidades para empresários brasileiros, ela escreveu em um despacho diplomático de 13 de março de 2011: “Boas conexões e parceiros locais influentes são fundamentais para a concretização de investimentos em Angola. Sócios locais estratégicos, como a Sonangol, ex-ministros, generais e empresários próximos ao Presidente, facilitam a aprovação de projetos e dirimem entraves burocráticos. Bons contatos na Agência Nacional de Investimento Privado (ANIP), que dá o aval a grandes projetos de investimento, são também fundamentais”.


Para a pesquisadora Anna Saggioro, do Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Relações Internacionais (Lieri), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, é impossível dissociar o poder do presidente com o poder da Odebrecht. “A gente vê o grau de autoritarismo do governo angolano, e a gente não pode escolar a Odebrecht desse autoritarismo. A Odebrecht atua junto com o governo angolano em uma série de empreendimentos e também nas suas ligações internas. Não podemos simplesmente dizer que é apenas uma empresa que segue as regras”, avalia.




Ricardo Soares diz que, como pesquisador, é muito difícil analisar a atuação da Odebrecht no país, pois há pouca informação e transparência. “As especulações sobre a relação da Odebrecht com a elite angolana são inteiramente legítimas. Se a Odebrecht está preocupada com a sua reputação, só tem que clarificar a natureza dessas relações. Até que ponto eles são lucrativos, qual é a lógica desses projetos? Por exemplo, eu gostava que a Odebrecht colocasse disponível uma lista exaustiva de seus negócios. Tenho uma lista de exemplos, e não há mês que passe que não venham dizer que a Odebrecht está, afinal, metida aqui ou ali.”
Um país em obras


De fato, são tantos os contratos e investimentos públicos e privados que é muito difícil obter uma lista completa dos empreendimentos da Odebrecht em Angola, ou avaliar os lucros auferidos ao longo de tantos anos. A reportagem pediu essa listagem, mas não foi atendida. A receita total da empresa no país não consta do seu relatório anual 2014, diferentemente do valor gasto com projetos sociais e ambientais, nitidamente visível: US$ 17 milhões em 2014. O que consta, ali, é apenas o “valor econômico distribuído” – impostos, salários, pagamento de fornecedores, investimentos na comunidade, custos operacionais e de financiamentos – no total de US$ 1.851.780.000. À Pública, a assessoria de comunicação da Odebrecht afirmou que a receita foi da ordem de US$ 1,8 bilhão. Ou seja, nenhum lucro. Sobre esse questionamento, a empresa retrucou: “A conclusão não é correta. A Odebrecht teve lucro em Angola e tem todas as suas contas auditadas por auditor independente. Como se sabe, as operações da Odebrecht em Angola são executadas por companhia de capital fechado e não está sujeita à obrigação de publicar as suas contas. De qualquer forma, as contas consolidadas do negócio de Engenharia e Construção da Odebrecht são disponibilizadas para os seus stakeholders”.


Leia aqui todas as respostas da Odebrecht:




RESPOSTAS ENVIADAS NO INICIO DE NOVEMBRO DE 2015 

1. RECEITA E LUCRO

“O Daiha nos disse que a previsão para 2015 para a Odebrecht Angola é de uma receita líquida de US$ 1,3 bilhão. O Gustavo Belitardo nos disse que as operações imobiliárias em Luanda renderam uma receita liquida de US$ 1 Bilhão. Seria importante conseguirmos dimensionar o tamanho de todos os empreendimentos da OD em Angola. Por isso, gostaríamos de saber:

Receita líquida/Lucro dos outros investimentos da empresa: Catoca, Nosso Super, Bellas Shopping, Sociedade Mineira de Catoca (SMC) e o Bloco Petrolífero”.

Resposta

Para dados de receita de 2014, use as informações de nosso último relatório de sustentabilidade. Estas são informações oficiais auditadas por terceiros. Para 2015, use as informações prestadas pelo Sr. Antonio Carlos Daiha Blando, sua fonte mais qualificada para o tema. Estaremos à disposição para ler o texto pronto e identificar a eventual necessidade de correções.

2. PROJETOS EM LUANDA

“- No que consiste o projeto Águas de Luanda?

– Qual o valor total do projeto, os bairros beneficiados e em que fase está atualmente?”

Resposta

Consiste na construção e reabilitação de infraestruturas (estações de tratamento, centros de distribuição, estações de bombeamento, condutas etc.) necessárias para o reforço dos sistemas de distribuição de água potável da cidade de Luanda. A área de influência do projeto, que já foi concluído, inclui a maior parte de seus bairros. Sua eficácia será completa com obras que ampliam a capacidade de captação e tratamento de água, um importante projeto público em andamento, do qual não participamos.

3. SERVIÇOS URBANOS EM LUANDA

“Uma reportagem de comemoração dos 30 anos da Odebrecht em Angola feita pela revista Exame Angola menciona que “Desde 2000 que a Odebrecht foi chamada a intervir em muitos outros projectos estruturantes da capital (quase que diríamos em praticamente todos). Esteve envolvida nos sectores da água (captação, tratamento e distribuição) e saneamento, na requalificação de bairros, realojamento de populações, participação no programa habitacional do Governo, na implantação de infraestruturas para a zona económica especial de Viana e, sobretudo, na revitalização dos principais eixos viários (desde a estrada do Golfe, da Samba e 21 de Janeiro, incluindo as passadeiras pedestres, até às chamadas “vias expressas, estrada do Golfe, Camama-Viana e auto-estrada periférica).”

“- Gostaríamos de saber em que ocasiões a Odebrecht participou de realojamento de populações, quantas pessoas foram realojadas, de onde e para onde foram realojadas”.

“- Na área de serviços de Saneamento, como a Odebrecht Angola atua? Ela é concessionária de prestação de serviços de distribuição de água e saneamento na cidade de Luanda ou apenas construiu infraestruturas? Qual a área atendida? Qual o valor e a duração do contrato?”

“- E quanto ao serviço de limpeza de ruas/paisagismo prestados em alguns bairros de Luanda”.

Respostas

Os processos de reassentamento em Angola são historicamente vultosos e proporcionais às concentrações populacionais em grandes áreas de urbanização espontânea que se constituíram no período de guerra. Tais processos são sempre conduzidos pelos clientes, mesmo que contem com nossa contribuição para alguma tarefa. 

Ao longo dos anos, a Odebrecht foi contratada para a construção de 13.300 casas sociais e 36.300 infraestruturas de água e de energia elétrica para unidades habitacionais no Zango, no âmbito do Programa de Realojamento das Populações do Governo de Angola. Estima-se que foram realojadas nesta localidade mais de 200.000 pessoas que se encontravam em situações precárias de vivência, expostas a situações de risco (encostas, valas etc.) ou em áreas de requalificação urbana. 

Nos casos recentes da ampliação da hidrelétrica de Cambambe e da construção da hidrelétrica de Laúca, recebemos a incumbência de participar da maior parte das fases dos processos de reassentamento requeridos por ambos os projetos. Isto vem sendo feito de acordo com nossas políticas internas para o tema, perfeitamente alinhadas com diretrizes e melhores práticas internacionais. Em ambos os casos, somos sistematicamente auditados por terceira parte. 

A Odebrecht Infraestrutura em Angola não tem contratos de prestação de serviços de saneamento no País. Nossa atuação nesta área limitou-se à construção de parte de sua infraestrutura.

Quanto ao serviço de limpeza de ruas e de paisagismo prestado em alguns bairros de Luanda, podemos informar que em um único contrato de nossa operação no País, atuamos em tarefas de manutenção dos bairros Maianga, Rangel e Belas. O Cliente é o Governo Provincial de Luanda. Atualmente, são empregados 600 trabalhadores nestes serviços.

4. SOBRE OS INVESTIMENTOS DO BNDES

a) Saneamento de Luanda

“Nas planilhas de desembolsos do BNDES, publicadas em Abril deste ano, consta: EXPORTACAO DE BENS E SERVICOS PARA AS OBRAS DA 6ª FASE DO PROGRAMA DE SANEAMENTO BASICO PARA LUANDA – NA REPÚBLICA DE ANGOLA. US$ 281 milhões.”

– “Que regiões foram beneficiadas? Quando o projeto foi concluído?”

Resposta

Na 6ª Fase do Programa de Saneamento Básico para Luanda foram contempladas as obras de Revitalização e Ampliação da Av. 21 de Janeiro e adjacências (Bairros Morro Bento, Rocha Pinto e Cassenda, entre outros). 

Esta Estrada é uma das principais vias de acesso ao Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro. 

Foram executados serviços de terraplanagem , pavimentação, sinalização viária horizontal e vertical, drenagem das águas pluviais, redes técnicas de eletricidade e telecomunicações, iluminação pública e redes de abastecimento de água .

O Projeto foi concluído em Novembro de 2013.

b) Via Luanda/Kifandongo

“Nas planilhas de desembolsos do BNDES, publicadas em Abril deste ano, consta: EXPORTAÇÃO DE BENS E SERVIÇOS PARA A CONSTRUÇÃO DA VIA EXPRESSA LUANDA/KIFANGONDO (2007, 2008 e 2011). US$ 111 Milhões. A Queiroz Galvão também foi contratada por outro empréstimo do BNDES para a mesma obra, por US$ 30 milhões, em 2011.”

“- Qual a extensão da Via expressa?”

“- Quem fez a obra, afinal? Quando ela foi concluída?”

Resposta

A Via Expressa Luanda/Kifangondo teve suas obras divididas em dois trechos, sendo um contratado com a Construtora Norberto Odebrecht e o outro com a Construtora Queiroz Galvão.

A obra foi concluída em etapas, sendo a primeira em Julho de 2010, a segunda em Abril 2012 e a terceira em Outubro de 2014. (não falam a extensão)

c) Via Expressa Luanda/Viana

“Nas planilhas de desembolsos do BNDES, publicadas em Abril deste ano, consta: EXPORTAÇÃO DE BENS E SERVIÇOS PARA A 2ª ETAPA DA CONSTRUÇÃO DA VIA EXPRESSA LUANDA/VIANA (2007, 2008, 2011, 2012) US$ 111 milhões. Neste caso, a Andrade Gutierrez também foi contratada por outro empréstimo do BNDES para a mesma obra, por US$ 30 milhões, em 2011 e 2012”.

“- Qual a extensão da Via expressa?”

“- Quem fez a obra, afinal? Quando ela foi concluída?”

Resposta

A Via Expressa Luanda/Viana teve suas obras divididas em três trechos, sendo um Contratado com a Construtora Norberto Odebrecht, outro com a Construtora Andrade Gutierez e um terceiro com a empresa portuguesa Mota-Engil.

A obra foi concluída em etapas, sendo a primeira em novembro 2009 e a segunda em outubro 2012. 

d) Marginal Sudoeste

“Nos desembolsos do BNDES, há um registro de EXPORTAÇÃO DE BENS E SERVIÇOS PARA A CONSTRUÇÃO DAS OBRAS DE ARTE DA VIA MARGINAL SUDOESTE (4ª LINHA DE CRÉDITO) US$ 21 milhões em 2012. Do que se trata? Em que pé está essa parte do projeto?”

Resposta

A construção da Via Marginal Sudoeste foi dividida em duas etapas.

A primeira, objeto do financiamento citado, foi concluída em Agosto de 2012 e diz respeito à Construção das Obras de Arte (pontes sobre as valas e ponte do Km 7).

A Construtora Norberto Odebrecht também foi contratada para execução da segunda etapa do empreendimento, que contempla os trabalhos de aterro hidráulico, proteção costeira, pavimentação, iluminação pública e outros. Esta etapa ainda não foi iniciada.

“e) Pelos relatório da empresa, a Odebrecht também foi contratada para construir a Marginal. No entanto, você comentou que “há um projeto maior” de requalificação da baía de Luanda no qual essa marginal está inserida. Qual é esse projeto? Qual o órgão responsável? Há previsão para o início das obras?” 

Resposta

A cidade de Luanda recebeu, no longo período de guerra a que Angola esteve submetido, um enorme contingente populacional que promoveu, muitas vezes por autoconstrução, suas soluções de habitação. Com a paz, grande parte da cidade iniciou um longo processo de requalificação. Este processo, que segue em curso, alcança toda a cidade. O projeto da Marginal Sudoeste faz parte dele.

5. FUNCIONÁRIOS

– total

– jovens parceiros

– gerentes

– diretores

– diretores de contrato ou projeto

– líderes empresariais

Resposta

O contingente de colaboradores varia de mês a mês. A divulgação destes dados é feita em nossos relatórios anuais. Sobre estes números por favor consulte nosso relatório de sustentabilidade de 2014. São números oficiais e datados. 

6. PAC

“Qual o status atual da fazenda Pungo Andongo? Ela está sob administração da Odebrecht? Quais os planos para ela?”

Resposta

A fazenda Pungo Andongo é objeto de uma concessão para implantação de um polo avícola e está em fase de estudos. 


RESPOSTAS ENVADAS EM 17 DE FEVEREIRO DE 2016

1) Quais são as obras de engenharia civil que já foram feitas e que estão atualmente sendo realizadas pela OD em Angola? Durante 3 meses de pesquisa encontrei apenas listas parciais em diferentes relatórios, mas nunca uma lista definitiva.

A Odebrecht atua em Angola desde 1984 – 32 anos -, logo já executou uma série de obras nos mais diversos campos de atuação da Engenharia Civil, Estradas, Aeroportos, Barragens, Linhas de Transmissão, Saneamento, Água Potável, Portos, Obras de Infraestrutura Urbana, etc., das quais poderíamos citar, sem limitar: Usina Hidrelétrica de Capanda, Usina Hidrelétrica do Gove, Reabilitação da Usina Hidrelétrica de Biópio, Reabilitação do Canal da Matala (Irrigação), Linhas de Transmissão de 200 e 400 KV, Sistema de Abastecimento de Água de Luanda, Sistema de Abastecimento de Água de Benguela, Obras de saneamento com macro drenagem em Luanda, Aeroporto da Catumbela (Benguela), Aeroporto Welwichia Mirabilis (Namibe), Infraestrutura Urbana em Benguela, Lobito e Catumbela (Benguela), Infraestrutura Urbana em Luanda, Estrada Ekunha Kusse, Estrada Capanda Alto Dondo, Estrada Caala Ganda, Estrada Benguela Catengue, Estrada Benguela Dombe Grande, Estrada Benguela Baia Farta, Estrada Colui Jamba, Vias Expressas de Luanda, etc.

Atualmente se encontram em construção as obras da Central Hidrelétrica de Laúca, Central Hidrelétrica de Cambambe, Obras de Infraestrutura para a futura refinaria de Lobito constituídas de Estrada de Acesso, Porto Marítimo e Terraplenagem da área da futura Refinaria, Diques de regularização dos Rios Cavaco, Coporolo e Pima em Benguela, BRT em Luanda, etc.

Observar a linha do tempo com principais marcos da Odebrecht em Angola nas páginas 12, 13, 14 e 15 do Relatório de Sustentabilidade.

2) A operação do Grupo Odebrecht em Angola é considerada a maior da empresa fora do Brasil, em termos de receita e funcionários? Quais as 5 maiores operações da OD fora do Brasil em termos de receita?

Conforme relatório de contas anual, a operação da Odebrecht Engenharia e Construção Internacional em Angola gerou em 2014 uma receita anual da ordem de US$ 1.8 MM, gerando oportunidade de trabalho para aproximadamente 25.000 trabalhadores (considerando nesse número os trabalhadores que atuam nos investimentos).

3) Qual foi a receita e o lucro da Odebrecht Angola em 2014/2015? O relatório 2014 menciona “valor econômico distribuído” em 2014, no valor de 1,851,780,000, e “crescimento de receita líquida de 22%” logo na introdução, mas não cita o valor.

Os números de 2015 ainda não estão consolidados. Os de 2014 são os que constam do relatório.

Vale salientar que o número indicado na página 27 do relatório indica o contributo direto da Odebrecht para com a sociedade, ou seja, com Fornecedores, Salários, Impostos, Investimentos, etc.

4) Quais os investimentos do África Fund em Angola? Qual seu valor? Qual foi o lucro/retorno em 2014/2015?

A participação da Odebrecht em investimentos em Angola é minoritária e sempre em projetos prioritários que gerem sobretudo benefícios econômicos e sociais para o país. Os investimentos nos quais a Odebrecht participa em Angola, através do Odebrecht Africa Fund situam-se nas indústrias de mineração, distribuição e varejo, shopping center, exploração de petróleo e agrícola. Os investimentos ultrapassarão os US$ 600 milhões de dólares até 2018. 

5) Durante a nossa viagem a Angola, diversos membros da organização afirmaram que o governo angolano não estava pagando seus compromissos com a empresa desde o início de 2015, por causa da crise. Dois exemplos concretos: ouvimos relatos que os repasses a Laúca não estavam sendo feitos, e o pagamento pela geração de energia elétrica por parte da Biocom também não estava sendo paga. Como a Odebrecht lidou com esses atrasos? A situação já foi normalizada?

As relações comerciais da Odebrecht com o Estado Angolano sempre decorreram dentro da mais estrita normalidade e em linha com as regras contratuais e as leis que regem os contratos públicos. Atualmente, o Estado angolano tem feito todo o esforço para honrar seus compromissos com prestadores de serviços e fornecedores, apesar da crise internacional.

6) No relatório de sustentabilidade 2014, há alguns gráficos mostrando “divisão da participação por setor”. Primeiro: isso se refere à receita? Segundo: O que seria considerado como “energia” e o que seria considerado como “infraestrutura”? Laúca, por exemplo, seria “energia”? E as linhas de transmissão? 

Exato, o percentual de participação por setor, constante do relatório de sustentabilidade 2014, foi calculado considerando a receita gerada por cada um dos dois setores: infraestrutura/energia e imobiliário. Os projetos de energia foram considerados para efeito desse gráfico em conjunto com os outros projetos de infraestrutura. Laúca e Linhas de Transmissão são projetos considerados na categoria de infraestrutura/energia.

7) Qual foi o número de trabalhadores terceirizados/subcontratados em Angola em 2014? No relatório de 2014, p. 62, o texto diz que “30% do trabalho da Odebrecht Angola foi realizado por subcontratados”. Na mesma página, um gráfico indica 5.360 integrantes diretos e 12.360 subcontratados. Qual é o correto?

Há um equívoco na legenda do gráfico, que foi posteriormente retificado. Onde se lê subcontratados, leia-se integrantes diretos e onde se lê integrantes diretos, leia-se integrantes subcontratados.

8) Quais foram os condomínios construídos pela OD em Angola dentro da sua atuação no setor imobiliário?

Atlantico Sul, Riviera Atlântico, Morada dos Reis, Belas Business Park, Arte Yetu, São Paulo de Loanda, Mansões do Vale, Monte Belo e Noblesse Residence, Residencial Kizomba. 

9) Entrevistamos em Angola o Eduardo Mattos, diretor de Contrato da Odebrecht Infraestrutura que afirmou que a receita com empreendimentos imobiliários foi de cerca de 1 bilhão, contando todos os empreendimentos já realizados. No entanto, o relatório de 2008 diz que apenas naquele ano foram vendidos US$ 606 milhões em empreendimentos imobiliários (ver aqui). Qual o valor real, total, de receita que a Odebrecht obteve com empreendimentos imobiliários em Angola? E de lucro? 

O total da receita referida no link é de 2008 e de 2009, período em que a grande maioria dos projetos mencionados foi lançada.

10) Quais as minas de diamantes nas quais da Odebrecht atualmente tem participação em Angola?

A Odebrecht, através da Odebrecht Mining Services (OMSI), é sócia minoritária da Sociedade Mineira de Catoca que detém a concessão para a exploração do kimberlito de mesmo nome.

11) A OD ainda é sócia da Sociedade de Desenvolvimento Mineiro de Angola? Em caso negativo, quando a sociedade se desfez e por que? 

Sim, a Odebrecht ainda detém uma participação de 50% na SDM. Notar, no entanto, que a SDM é uma empresa sem operação há cerca de 5 anos, devido ao encerramento do contrato de exploração da mina de Luzamba.

12) Qual é o lucro nas operações diamantíferas (Sociedade Mineira de Catoca e SDM), o número de empregados e qual o papel da Odebrecht no gerenciamento da minas?

Conforme mencionado anteriormente, a SDM já não é operacional e não tem empregados. Quanto a Catoca, sugerimos consultar os relatórios de auditoria e demonstrações dos últimos anos disponíveis no site da empresa – www.catoca.com. Catoca é responsável atualmente por mais de 2000 empregos. A OMSI não tem papel direto no gerenciamento da exploração do kimberlito, em razão do seu papel de sócio minoritário. A OMSI participa da sociedade no foro da assembleia de sócios, onde procura, a partir dos conceitos e princípios da Tecnologia Empresarial Odebrecht, contribuir para a melhoria do desempenho de Catoca, em diversas perspectivas, principalmente em ações voltadas para o desenvolvimento das comunidades do entorno, e em áreas como SSMTA, RH, e gestão de pessoas. 

13) Gostaria de saber qual será o papal da Odebrecht na Concessão da mina de Luaxe, em sociedade com Endiama Mining, a Alrosa, a Artcon, a LLI, a Makakuima, Limitada, e a Polyus Gold. Qual a perspectiva de início das operações? Qual a perspectiva de geração de receita para a Odebrecht?

As negociações para assinatura do contrato de concessão e exploração da mina de Luaxe ainda estão em curso, em fase preliminar, não podendo, em razão de seu estágio atual de desenvolvimento, serem divulgadas.

14) Até quando a empresa Damer foi sócia da Odebrecth na Biocom, conforme especificado na publicação de celebração aos 25 anos da OD no país? Por que houve a mudança?

Conforme ata da Assembleia geral dos sócios da Biocom, publicada no Diário da República 3.ª série, n.º 196, a sócia Damer cedeu suas quotas na sociedade à empresa Cochan S.A. em 10 de outubro de 2014, não sendo do conhecimento da Odebrecht o motivo da transferência.

15) Segundo reportagem da BBC, em outro investimento mineiro, a Odebrecht associou-se a filhos do presidente angolano para prospectar diamantes. Trata-se do consórcio Muanga, formado para prospectar diamantes na província de Lunda-Norte, uma sociedade entre a Endiama, a SDM e a Di Oro, uma sociedade entre Welwitschea José dos Santos e José Eduardo Paulino dos Santos. Qual foi o fruto desse empreendimento? Foram encontrados diamantes? A sociedade continua?

Todas as associações da Odebrecht em Angola são de domínio público, com registros em Diário Oficial ou ANIP, conforme a natureza do investimento.

Odebrecht não é, nem nunca foi , sócia dos filhos do Presidente da República de Angola.

As campanhas de pesquisa diamantífera realizadas no Projeto Muanga demonstraram a sua inviabilidade económica e a concessão não foi desenvolvida.

16) A Odebrecht mantém contratos com a empresa de segurança Teleservices?

Esta empresa foi contratada para prestar servicos de segurança patrimonial da construção do condomínio Kizomba.

17) Por que a Odebrecht participa da Assembleia Geral e do Conselho Fiscal da Fundação Eduardo dos Santos, a Fesa? Que papel ela desempenha? A Odebrecht não vê conflito de interesses, uma vez que o governo angolano é seu principal cliente? 

No âmbito de suas atividades de responsabilidade social, a Odebrecht participa de diversas entidades do terceiro setor, entre elas a FESA. Assim como diversas outras empresas que atuam em Angola, a Odebrecht participa da Assembleia Geral e do Conselho Fiscal de dita fundação. Não vemos conflito de interesses, tendo em vista que a FESA é uma instituição sem fins lucrativos voltada para o desenvolvimento do povo angolano, sob diversas vertentes e que não está subordinada ao governo angolano.

18) Qual o trabalho/função desempenhada da organização pelo coronel Jorge Silva “Sapo”?

O Sr. Jorge Silva, ex-militar da reserva, já não pertence aos quadros da Odebrecht.

19) De acordo com Dahia Blando, em entrevista para o site e Angola, “Esta semana recebemos a visita do vice-presidente Michel Temer [a entrevista foi feita no dia 12 de Novembro], que veio representar a presidente Dilma Roussef nas comemorações dos 40 anos de independência, e ele anunciou a concessão de USD 1,8 bilhão para a construção de Laúca”. A informação não conta no site do BNDES. Qual é a previsão de quando serão feitos os desembolsos?

O projeto de Láuca é extremamente relevante para Angola, tendo sido enquadrado pelo Estado angolano como prioritário para efeito de se beneficiar do financiamento de crédito à exportação de bens e serviços brasileiros, conferido pelo Brasil a Angola, no âmbito da relação bilateral existente entre os dois países, e que por seu turno gera riqueza e emprego para centenas de empresas e trabalhadores brasileiros. 

20) Qual o trabalho da Intertechne Consultores S.A. na obra de Laúca?

A Intertechne é a Projetista – Projeto de Engenharia de Detalhe da obra, exportadora de serviço que também se beneficia do financiamento à exportação do BNDES.

21) Durante nossa visita, o diretor de Contrato de Laúca, Marcos Azeredo, garantiu que a obra estraria 66% acabada até dezembro do ano passado. Essa previsão se confirmou?

A obra de Laúca concluiu o ano de 2015 com avanço de 65%.
RESPOSTAS ENVIADAS EM 18 DE FEVEREIRO DE 2016

1) Segundo as respostas 2 e 3, a conclusão que eu posso checar é que a Odebrecht não teve nenhum lucro em Angola em 2014. É isso mesmo? 

Não, a conclusão não é correta. A Odebrecht teve lucro em Angola e tem todas as suas contas auditadas por auditor independente. Como se sabe, as operações da Odebrecht em Angola são executadas por companhia de capital fechado e não está sujeita à obrigação de publicar as suas contas. De qualquer forma, as contas consolidadas do negócio de Engenharia e Construção da Odebrecht são disponibilizadas para os seus stakeholders.

2) Combinando a resposta 2) com a previsão que o Dahia Blando me deu em setembro do ano passado – de que em 2015 a Odebrecht deveria chegar a uma receita de 1,5 bilhão em Angola, concluo que a receita caiu de 2014 para 2015. Correto?

Correto.

3) Finalmente, pela resposta 2 concluo que a Odebrecht se negou a dizer quais são as suas maiores operações no exterior. 



As principais operações da Odebrecht no exterior são Venezuela, Angola, Peru, República Dominicana e Panamá.










quinta-feira, fevereiro 18, 2016

Com Janot, o destino da MP da corrupção.









por Modesto Carvalhosa para O Estado de S. Paulo


Todo o cuidadoso e consistente trabalho empreendido em juízo pelo MPF está sendo destruído pela MP da corrupção, nas barbas do próprio procurador-geral da República






A Medida Provisória 703 – conhecida como a MP da Corrupção e em plena vigência desde 18 de dezembro – suscitou grande indignação na sociedade civil brasileira. Trata-se de um poderoso instrumento utilizado pelo governo petista para legalizar a corrupção no País, neutralizando os efeitos punitivos da Operação Lava Jato e inibindo a ação do Ministério Público visando ao ressarcimento dos prejuízos causados aos cofres públicos pelas empreiteiras ao longo dos últimos 13 anos e sua inabilitação.



Em sentido contrário, permite o diploma dilmista a plena contratação das empreiteiras corruptas para retomarem aquelas mesmas obras públicas que causaram bilhões de prejuízos aos cofres da União e das empresas estatais. Podem elas, também, obter novas concessões e novas obras, em todos os níveis – federal, estadual e municipal. Basta que se submetam essas virtuosas empresas a certos rituais de pajelança e de magia negra depurativas de maus hábitos, sob a pomposa e enganosa denominação de “acordos de leniência”, para que voltem ao seio generoso e cobiçoso da administração.

Tudo isso para que não mais se interrompam as relações promíscuas que até há pouco tão bem sustentaram o projeto hegemônico do Partido dos Trabalhadores.

A iniciativa de legalizar a corrupção dos governos truculentos e populistas da África, América Latina, Ásia e do Leste Europeu, tendo ainda como artistas convidados a Itália e a Grécia, é amplamente estudada na literatura política. Veja-se Bobbio (L’utopia capovolta”); Judt (Guasto é il mondo) e Bauman (Medo líquido). Mais recentemente foram publicados os estudos de M. Arnone e L. S. Bornini (Corruption – economic analysis and international law, Elgar, 2014); Henaff (Pour une anthropologie de la corruption, Esprit, 2014_ e Barbieri e Giavazzi (Corruzione a norma di legge, Rizzoli. 2014).

Estes dois últimos autores explicam: “A corrupção mais grave, ou seja, a que mais causa danos à sociedade, não é aquela que decorre da violação das leis, mas sim a que se encontra na corrupção das próprias leis”. E continuam os autores: “Nenhuma lei é violada. São as leis – elas próprias – que são corrompidas, ou seja, escritas e aprovadas a favor dos corruptos contra os interesses do Estado. Em face desse tipo de corrupção a Justiça fica desarmada, razão pela qual somente pode ela ser combatida pela política e pela cidadania”.

Evidentemente que no Brasil o combate à legalização da corrupção não pode contar com a política, como imaginam aqueles pesquisadores, na medida em que nossos festejados parlamentares estão envolvidos, até a raiz, no propinoduto que rega seus partidos e as contas pessoais deles próprios.

Essa conivência proativa de nossos amados parlamentares é ressaltada pelo diretor da força-tarefa da Lava Jato, o ilustre promotor Luis Fernando dos Santos Lima (Veja, 13/1).

Restou para a cidadania unicamente o caminho do Judiciário, visando a declaração de absoluta inconstitucionalidade dessa execrável MP 703/2015. Refletindo o clamor público contra mais essa sinistra iniciativa dilmista de legalizar a corrupção, a Associação do Ministério Público de Contas e o Instituto Não Aceito Corrupção oficiaram ao dr. Rodrigo Janot, em 22 de dezembro – quatro dias após a publicação da indigitada MP –, solicitando que em caráter de urgência o procurador-geral da República ingressasse com ação direta de inconstitucionalidade (Adin) perante o Supremo Tribunal Federal contra a MP 703, por ferir todos os princípios de moralidade pública inscritos na Carta de 1988.

O ofício descreve, um por um, os delitos constitucionais encontrados na medida provisória, enfatizando a urgência do ingresso da Adin ante o iminente perigo de serem extintas as ações de improbidade administrativa em curso envolvendo as empreiteiras, propostas pelos procuradores subordinados ao próprio Janot. A petição do Ministério Público encaminhada ao famoso procurador-geral só necessita da sua assinatura, tal o detalhamento e a profundidade dos argumentos ali contidos, que apontam a quebra de todos os princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito constantes desse verdadeiro corpo de delito que é a MP 703.

Não obstante, o sr. Janot – passados 60 dias do pedido de ingresso por parte dos seus colegas do Ministério Público – até hoje não mexeu uma palha. Enquanto isso a famigerada MP 703 está em plena vigência. Basta que seja firmado entre a CGU e uma santificada empreiteira um Termo de Ajustamento de Conduta – em que foi cinicamente transformado o acordo de leniência previsto na Lei Anticorrupção – para que cessem quaisquer medidas judiciais contra ela já propostas pelo Ministério Público Federal.

Todo o cuidadoso e consistente trabalho empreendido em juízo pelo Ministério Público Federal está sendo destruído pela MP da corrupção, nas barbas do próprio procurador-geral da República, que deveria preservar o legítimo e necessário trabalho empreendido por seus subordinados no campo da reparação ao Estado não só das propinas pagas, mas dos prejuízos de centenas de bilhões embolsados pelas empreiteiras mediante as inúmeras fraudes que praticaram na contratação, na execução e não execução dos contratos que firmaram nos últimos 12 anos com o governo e suas estatais.

Comenta-se que o sr. Janot é especialista em punição seletiva: enquanto processa o ínclito presidente da Câmara dos Deputados, poupa o preclaro presidente do Senado e agora – ao que tudo indica – também poupa a magnânima presidente da República na sua missão de legalizar a corrupção. A Nação brasileira pede uma ampla e cabal explicação do sr. Janot sobre sua conduta omissiva, que está permitindo que se destrua todo o trabalho de saneamento das relações público-privadas.

Aguardamos.

Modesto Carvalhosa é jurista, autor, entre outros livros, de 'Considerações Sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas' e 'O Livro Negro da Corrupção'

Artigo extraído do jornal O Estado de S. Paulo de 13/2/2016

Fonte: O Globo

quarta-feira, fevereiro 17, 2016

Vencendo uma guerra não convencional.






por Clifford D. May








A guerra é – e sempre será - um inferno. A Lei de Conflito Armado não pretende mudar isso – mas apenas torná-la um pouco menos infernal. Há armas com cujo uso você não concorda. Em troca, o seu inimigo não usa essas armas contra você. Você trata humanamente os combatentes capturados. Você espera o mesmo quando os seus soldados são feitos prisioneiros.

É um conceito racional e esclarecido e, na guerra global do século 21, ele falhou espetacularmente. Aqueles que se chamam jihadistas se sentem vinculados apenas à sua leitura da lei islâmica – não pelas Convenções de Genebra e outras obrigações e restrições internacionais.

Algumas pessoas acham essa simples verdade difícil de entender. Lembre-se do debate de 2004 amplamente divulgado entre o então senador Biden e o então procurador-geral John Ashcroft. O primeiro, impaciente, informou ao último por que ele considerava vital que os Estados Unidos não usassem métodos coercitivos de interrogatório – tortura, em sua opinião e de outros – contra militantes da Al Qaeda.

"Há uma razão pela qual nós assinamos esses tratados: para proteger o meu filho no exército", disse ele. "É por isso que temos esses tratados. Então, quando os americanos são capturados eles não são torturados. Essa é a razão. Para o caso de alguém esquecer. Essa é a razão." Não parece ter ocorrido ao Sr. Biden que a Al Qaeda não reconhece nem os acordos internacionais nem a lógica de contenção recíproca.

Na teoria, isso cria um dilema: devem os militares ocidentais continuar a respeitar as regras que seus inimigos desprezam? Na prática, não há debate: combatentes de sociedades democráticas aspiram conduzir-se moral e honradamente – pouco importando a barbárie exibida pelos seus inimigos. Esses inimigos não estão envergonhados por esta disparidade – eles aproveitam as vantagens que obtêm.

O High Level Military Group (Grupo Militar de Alto Nível) – que inclui ex- autoridades dos EUA, Reino Unido, Índia, Austrália, França, Espanha e Colômbia - fixaram-se na tarefa de explorar "as implicações para nações democráticas da guerra contra inimigos que têm um total desrespeito pela vida e pela lei, mas que exploram ativamente a adesão de nossas próprias nações ao Estado de Direito para obter ganhos estratégicos e táticos”. O HLMG foi organizado no ano passado pelos the Friends of Israel Initiative, entre cujos membros fundadores estão o ex-presidente espanhol José Maria Aznar, o ex-primeiro-ministro australiano John Howard e o ex-presidente do Peru, Alejandro Toledo.

Este mês, o HLMG publicou um estudo que chega a conclusões perturbadoras. Em particular, as tropas que combatem as forças jihadistas "estão expostas a um perigo maior, e de fato a morrer, como resultado do cuidado tomado para lutar de acordo com nossas leis e valores".

O estudo também constatou que "adversários irregulares e terroristas" muitas vezes exibem "uma capacidade extraordinariamente bem desenvolvida para explorar a tecnologia de comunicações e a mídia, a fim de influenciar a batalha das narrativas políticas para efeito estratégico." Em outras palavras, na guerra de idéias, os jihadistas estão pagando pouco ou nenhum preço por sua bestialidade.

Um estudo separado concluído pelo HLMG em outubro passado observou especificamente o conflito de 2014 entre Israel e o Hamas, no qual encontrou talvez a mais notória "perversão do nosso atual sistema legal."

"Não importa o quão eficaz e legítima seja a conduta das Forças de Defesa de Israel (IDF)", o estudo concluiu, "há sempre uma enxurrada de alegações contra ela. Conceitos como ‘crimes contra a humanidade’, genocídio, e acusações em organismos como as Nações Unidas e no Tribunal Penal Internacional, são ampla e facilmente utilizados com a finalidade de obter vantagem política."

O HLMG constatou que essas acusações não têm mérito, que "a conduta de Israel no Conflito de Gaza em 2014 atendeu e, em alguns aspectos excedeu o mais alto padrão que estabelecemos para militares de nossas próprias nações." Enquanto isso, o Hamas "não apenas flagrantemente violou a Lei dos Conflitos Armados como uma coisa natural, como parte de seu conceito estratégico híbrido terrorista-exército, mas abusou das proteções oferecidas pela lei para tirar vantagem militar".

Entre outras coisas, o Hamas mirou em não-combatentes israelenses e usou não-combatentes palestinos como escudos humanos. "O conceito estratégico do Hamas busca ativamente a morte de seus próprios civis como um reforço vantajoso para sua estratégia que visa a erosão da legitimidade de Israel", constatou o HLMG.

O HLMG cita a "coerção de jornalistas baseados em Gaza", "motivação ideológica" e "a ausência de conhecimento e de juízo militares e legais adequados ", como fatores que contribuem para o preconceito contra Israel e a favor do Hamas, uma organização auto-proclamada jihadista comprometida abertamente com o extermínio de Israel.

Um aspecto da conduta de Israel preocupa o HLMG: O IDF vai muito além do que é exigido nos termos da Lei de Conflito Armado em seus esforços para prevenir danos colaterais e, por isto, que elas criam novas normas de guerra que outras nações ocidentais passam a emular .

Por exemplo, os israelenses muitas vezes abandonam folhetos e bombas fictícias em edifícios sendo usados pelo Hamas para fins militares, a fim de induzir os ocupantes a sair. Às vezes eles até telefonam para indivíduos para aconselhá-los a buscar segurança.

Os israelenses podem fazer isso porque Gaza é relativamente pequena e a inteligência de Israel tem se concentrado em sua população há anos. Mas se as forças aliadas decidissem, por exemplo, atacar o Estado Islâmico na sua capital de fato, Raqqa, eles não poderiam tomar precauções semelhantes.

O conflito global agora em curso é muitas vezes chamado de "não convencional". Entre as formas que indicam isto: O Ocidente decidiu lutar com meias medidas ao tentar "resolver as queixas" de seus inimigos e daqueles que poderiam estar inclinados a se juntar a eles.

Os jihadistas, pelo contrário, têm a intenção de ganhar. Eles estão preparados para fazer o que for preciso. Um experimento sem precedentes está em andamento. Do seu resultado depende o futuro do Ocidente.


Clifford D. May é presidente da Foundation for Defense of Democracies (FDD) e colunista do Washington Times. 

Tradução: William Uchoa




terça-feira, fevereiro 16, 2016

O machismo Cristão.








por Mateus Colombo Mendes








Eis que Cristo apresenta a Nova Lei:

– Não pensei que vim abolir a Lei ou os Profetas. Não vim abolir, mas consumar.

O que Cristo faz é consumar e radicalizar:

– Ouvistes o que foi dito aos antigos: não matarás; quem matar, será réu de julgamento. Pois eu vos digo: quem se encolerizar contra seu irmão, será réu de julgamento.

Ou seja, Jesus deixa claro que mesmo erros menores podem receber a grande punição, pois essas pequenas ofensas se enraízam no coração do homem e semeiam o campo para os grandes erros. O antigo mandamento de não matar é radicalizado e passa a exigir que nem sequer se magoe o irmão. Por isso, aliás, que o exame de consciência, etapa anterior à confissão sacramental (Prática Católica da Confissão), é tão importante; não basta analisar a letra fria e abstrata dos Dez Mandamentos; é preciso analisar nossas ações reais à luz de cada Mandamento, contemplando suas centenas de implicações menores.

É nesse sentido que surge uma das maiores provas de que, se o cristianismo é machista, é no sentido de proteger a mulher na máxima potência (ou seja, não é machista de forma alguma):

– Ouvistes o que foi dito: não cometerás adultério. Pois eu vos digo: todo aquele que lançar um olhar de cobiça sobre uma mulher, já cometeu adultério em seu coração (Mateus 5:28).

Se essas palavras são duras aos homens de hoje, imagine dois mil anos atrás. Um “mero” olhar, uma simples “olhadinha”, é suficiente para nos distanciar gravemente de Deus. Obviamente, como sempre, não se trata de uma ordem arbitrária e abstrata, mas de uma recomendação que leva em consideração a realidade das coisas. O homem, o macho, é, digamos, extremamente visual. Nossos estímulos sexuais mais fortes vêm pelos olhos. Talvez vocês não saibam, mulheres, mas quando, em ato sexual com uma mulher desprovida de beleza, é quase regra que o homem visualizará mentalmente uma mulher que lhe agrade mais; do mesmo modo, quando precisa, pelo motivo que seja, evitar um estado de excitação, tratamos de imaginar algo visualmente desagradável. Sendo o sentido da visão algo tão grave para nós, homens, que Cristo faz, a fim de que não plantemos pecados graves com as sementes dos pecadinhos?

– Se teu olho direito te escandaliza, corta e joga longe de ti. Pois é preferível que pereça um de teus membros a que todo teu corpo seja lançado no inferno (Mateus 5:29)

Para que não traiamos nem mesmo mentalmente a mulher e não ofendamos a Deus, Cristo ordena que arranquemos o olho! Mas não pára por aí.

– Também foi dito: quem repudiar sua mulher, dê-lhe certidão de divórcio. Pois eu vos digo: todo aquele que se divorciar de sua mulher – exceto em caso de “prostituição” – a induz ao adultério, e aquele que se casar com ela, comete adultério (Mateus 5:31-32)

Perceba que a única possibilidade que o homem tem para não ofender a Deus é permanecer fiel e jamais romper o matrimônio. Se se divorciar, peca gravemente; com o divórcio, estará o homem induzindo a mulher ao adultério, o que é pecar gravemente; por fim, o homem que se unir à mulher abandonada também estará pecando gravemente. Nós, homens, somos culpados, com justiça, se abandonamos a mulher e se, por isso, ela mesma vier cometer adultério. Não é muito machismo?

O pior é que há quem responderá “Sim, é muito machismo!” à minha pergunta retórica e irônica. Em pleno século XXI, há quem considere ofensa gravíssima à honra feminina o ato de zelar, de ter extremo cuidado, de proteger uma mulher, de dar-lhe a segurança que ela naturalmente exige e que somente nós, homens, naturalmente somos capazes de dar. Com a graça de Deus, somos, homens e mulheres, incrivelmente diferentes – e nas tensões surgidas dessas diferenças nos completamos, crescemos e nos unimos a Deus, através de Cristo e da intercessão do ser humano puro mais perfeito já criado, Maria – que, não por acaso, é uma mulher.

Também não é por acaso que as pessoas que se ofendem com a constatação de que homens e mulheres são diferentes e que, por isso, mulheres devem ser tratadas de forma realmente distinta, são as mesmas que desejam corromper a mulher, através de um igualitarismo atroz. No prefácio da edição da Ecclesiae para a obra O que há de errado com o mundo, de G. K. Chesterton, o professor Rodrigo Gurgel faz um resumo preciso e brilhante do problema:

<< Chesterton sabia perfeitamente que “se as mulheres chegassem a ser ‘iguais’ aos homens, se envileceriam”, diz Joseph Pearce. É nossa realidade hoje. Como afirma Francisco José Contreras, “o tipo de sexualidade (banalizada, de consumo rápido, desvinculada do amor, do compromisso e da reprodução) parece desenhada à medida das necessidades e caprichos masculinos. As mulheres são as grandes vítimas da revolução sexual. Na sociedade hipersexualizada, a mulher se converte com freqüência em objeto de usar e jogar fora. As feministas conseguiram impor à mulher o modelo sexual masculino”. [...] “O neofeminismo converte as mulheres em ‘machos falidos’”. >>

Olhe em volta, para suas relações, para suas amigas com entre 20 e 40 anos totalmente perdidas, fragilizadas, rebaixadas, e me diga se não são de fato “as mulheres as grandes vítimas da revolução sexual”. A mulher de hoje é a grande vítima do feminismo, da libertação sexual. O caos é completo. Mulheres não se respeitam, seja porque esta é muito liberal, seja porque aquela é muito conservadora. Homens não respeitam mais as mulheres, seja porque esta “não deu” na primeira vez (e aí não têm paciência e a descartam), seja porque aquela “deu” de primeira (e aí “não serve para ser amada e respeitada” – e acaba sendo igualmente descartada). A mulher está atônita, não sabe mais como agir para conquistar um homem. Vê-se paralisada ante a percepção surpreendente de que não é transando de todas as formas possíveis na primeira noite que o homem lhe amará pela eternidade, a despeito de tudo que lhes disseram e prometeram por décadas os grandes gurus e especialistas em livros, revistas e programas de TV – “Cem formas de ganhar um homem na primeira transa”; “Não se reprima, faça tudo que você tiver vontade!”; “Seu corpo, suas regras”.

O antídoto para tanta loucura, como sempre, é a firme, simples e maravilhosa realidade. Basta não patrolar as evidências e respeitar as naturezas de homens e mulheres para saber como agir. Nossas percepções primeiras das coisas valem muito mais do que anos de problematizações ideológicas, que procuram adaptar a realidade ao ideário revolucionário. O deslumbramento infantil, puro e aparentemente bobo, que diz “Meninos têm pinto; meninas, não”, é muito mais cientificamente verdadeiro e filosoficamente assertivo do que todas as teorias modernas juntas. E não sou eu que estou dizendo – é a realidade, com o endosso de Nosso Senhor Jesus Cristo. E você, ainda dará ouvidos a pelancudas ressentidas?