sexta-feira, maio 31, 2013

O jurista e o terrorista.




No dia 23 de maio, após mais de 6 meses, o posto de ministro do STF ocupado por Ayres Britto – cuja vacância se deu em virtude de sua aposentadoria compulsória – recebeu uma indicação da presidente Dilma Rousseff. Eis a nota oficial a esse respeito, emitida pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República:

A Presidenta [sic] Dilma Rousseff indicou hoje o advogado Luís Roberto Barroso para compor o quadro de ministros do STF, ocupando a vaga aberta com a aposentadoria do ministro Ayres Britto. A indicação de Barroso, professor de Direito Constitucional e Procurador do Estado do Rio de Janeiro, será encaminhada nas próximas horas ao Senado Federal para apreciação. O professor Luís Roberto Barroso cumpre todos os requisitos necessários para o exercício do mais elevado cargo da magistratura do país.

Para pessoas que não fazem parte do mundo jurídico, certamente será difícil se lembrar de quem se trata o novo ministro. Este articulista também não se recordava da figura. No entanto, ao se pesquisar (pouco, é verdade) sobre o novo ministro, eis que seu nome surgiu indelevelmente associado a um nome que, para aqueles que acompanham de perto a vida política do País e não têm memória curta, é-nos bem conhecido: Cesare Battisti. Luís Roberto Barroso foi nada menos que advogado do eminentíssimo terrorista da Itália e fugitivo da justiça daquele país, que recebemos de braços abertos como a um verdadeiro paladino da liberdade e da democracia.


Somente esse fato já serviria para causar, no mínimo, desconfiança em qualquer pessoa que tenha senso de realidade – um bem, aliás, sobremaneira escasso em Terra Brasilis. Mas como não gostamos de dar motivos plausíveis para sermos tachados de gente ignorante que não se atém à profunda verdade dos fatos – pecha que fatalmente receberemos –, gostaríamos de comentar aqui algumas poucas considerações do novo ministro conforme entrevista concedida pelo Dr. Barroso à revista “Consultor Jurídico” em agosto de 2009.

Corpo carbonizado de Stefano Mattei, vítima de Achille Lollo.


ConJur — É quase certo [que Battisti seja inocente]?


Barroso — Vamos admitir, para argumentar, que Cesare Battisti tivesse participado, naqueles dias convulsionados da década de 70, de ações armadas que resultaram na morte de quatro pessoas. Dois policiais e dois civis. Mas, registre-se, não eram civis comuns. Eram simpatizantes da extrema-direita, que seguiam a política de reagir às ações da esquerda armada. Torregiani, por exemplo, o joalheiro, andava armado, com colete a prova de balas e guarda-costas e havia reagido a uma ação em um restaurante, matando um dos invasores. Eu não posso, não devo e não quero justificar as mortes. É lamentável o quadro de intolerância mútua e de violência que marcou aquela fase da vida italiana. O que estou desmistificando é a história contada pela Itália de que pobres vítimas civis e inocentes foram chacinadas. Isso é uma afirmação deliberadamente falsa, para tentar dar uma conotação de crime comum a um embate político entre extremistas.


A lógica que o Dr. Barroso utiliza é bastante peculiar: se alguém reage a uma ação armada de um terrorista socialista, é automaticamente um membro da extrema-direita e, portanto, uma pessoa cuja morte não deve provocar comoção ou estranhamento. Pierluigi Torregiani, que é colocado pelo Dr. Barroso no grupo de “simpatizantes da extrema-direita, que seguiam a política de reagir às ações da esquerda armada”, tinha 42 anos quando foi assassinado por membros do grupo PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), em 16 de fevereiro de 1979. Fato é que, em virtude de sua profissão e da época conturbada que a Itália vivia, era mais do que sensato portar uma arma: afinal, Torregiani era joalheiro. Após reagir à primeira tentativa de assalto, o joalheiro começou a receber ameaças de morte, motivo pelo qual recebeu escolta policial. No entanto, isso não impediu que fosse assassinado a sangue frio – e que seu filho, Alberto Torregiani, então com 14 anos – o atentado ocorreu na véspera de seu 15º aniversário –, ficasse paraplégico em virtude de um disparo. Será que o jovem rapaz, hoje com 49 anos, não foi uma “pobre vítima civil e inocente”?


ConJur — Mas se for culpado, deve ser punido...


Barroso — Na vida e no Direito, existem missões de justiça e missões de paz. No caso de criminosos nazistas, entendeu-se, a meu ver com razão, que deveria haver uma busca perene por justiça. A humanidade precisava virar aquela página sombria e, para tanto, punir os culpados era imprescindível.Mas, definitivamente, não acho a mesma coisa dos que foram protagonistas da guerra ideológica entre capitalismo e socialismo. Nesse caso, o que se deve buscar é a pacificação. Hoje tudo pode parecer uma aventura absurda, mas o sonho socialista conquistou corações e mentes de toda uma geração, despertando reações igualmente passionais. E, mais do que uma injustiça histórica, acho uma perversidade você pretender retaliar esses militantes mais de 30 anos depois. A guerra fria, os anos de chumbo... Diz-se que na Itália não houve uma ditadura, como ocorreu no Brasil. Mas, independente disso, a reação do Estado italiano foi mais truculenta e acompanhada de um poder paralelo de extrema direita, de que são exemplo a Loja P2 e o Gládio. Basta ler qualquer relatório da Anistia Internacional para ficar sabendo da imensa violência física e psicológica, com torturas variadas, que marcaram a repressão italiana.



Imaginem a seguinte cena: a meio caminho do rigoroso inverno ucraniano, uma família de camponeses pobres recebe uma inesperada visita de um pelotão de soldados devidamente uniformizados e armados que começam a recolher todos os víveres de que dispõe. As famílias recebem ordens de não buscarem alimentos em outros lugares, e perímetros de segurança são estabelecidos e guardados pelo exército. Num espaço de menos de 6 meses, 7 milhões de pessoas morrem de fome. Mas o que o massacre promovidos contra os ucranianos por Stalin entre 1932 e 1933, mais conhecido como Holodomor, tem a ver com os grupos armados de esquerda da Itália dos anos 1970? Uma coisa: o ideal político. Aquilo que o Dr. Barroso chama de “sonho socialista” que “conquistou corações e mentes” na Itália setentista foi o mesmo sonho responsável pelo deliberado e minucioso extermínio de mais de cem milhões de pessoas no mundo inteiro – muitas vezes mais do que as vítimas do nazismo. Foi em nome do “sonho socialista”, a ditadura do proletariado, que grupos como o PAC, de Cesare Battisti, e VAR-Palmares, de Dilma Rousseff, promoveram seqüestros, assaltos, atentados a bomba e assassinatos. Para o Dr. Barroso, condenar um terrorista contumaz por seus crimes é retaliação, e não justiça.


ConJur — Quando começa a história de Battisti no Brasil?


Barroso — Battisti passou dez anos no México e 14 anos na França, abrigado pela doutrina Mitterand. Constituiu família, teve filhas, sobreviveu como zelador e como escritor. Seus livros são publicados pela renomada editora Gallimard. Intelectuais franceses da expressão de Bernard-Henri Levy e Fred Vargas defendem-no com veemência. Em 1991, a França negou o pedido de extradição feito pela Itália. Ele permaneceu na França até 2004. Em 2005, sob os novos ventos políticos na França e na Itália, a extradição foi concedida. Uma coisa esquisita. Nessa altura, ele já estava refugiado no Brasil. Em todo esse período, Cesare Battisti jamais esteve envolvido em qualquer tipo de conduta imprópria. Pelo contrário, ajustou-se com grande adequação a todos os lugares onde esteve. A pergunta a se fazer é a seguinte: em que serve à causa da humanidade, depois de 30 anos de vida regular e produtiva, mandar este homem para a prisão perpétua? E isso apesar da conotação política das acusações e de todos os elementos que lançam dúvidas profundas sobre a culpa? Ativistas brasileiros, acusados ou mesmo condenados pelos mesmos atos, foram anistiados. Assim como seus torturadores. Por que o Brasil deveria abandonar sua tradição humanitária para fazer uma ponta nesse filme, e como carrasco? Devemos fazer parte de uma missão de paz. Não somos vingadores mascarados. Essa não é a cara do Brasil.


É curioso notar que aqueles que pegaram em armas e cometeram inúmeros crimes em nome da implantação de uma ditadura comunista são agraciados pelo Dr. Barroso com a genérica terminologia de “ativistas”, enquanto seus algozes, que à época eram agentes de Estado no pleno cumprimento de seus deveres, são classificados taxativamente de “torturadores”, tenham-no sido efetivamente ou não. Martin Luther King foi um ativista. Mahatma Gandhi foi um ativista. Cesare Battisti não foi um ativista: foi terrorista. Assim como foi terrorista o infame Achille Lollo, que, a exemplo de Battisti, foi recebido com honras de herói estrangeiro – mesmo sendo réu confesso do assassinato Virgilio Mattei, 10 anos, e seu irmão Stefano, 22, carbonizados até a morte na madrugada de 16 de abril de 1973. O que fazer diante desses terroristas, ou melhor, ativistas? Fechar os olhos e esquecer. Tal é a “missão de paz” que propôs, à época, o eminente advogado.




O agora quase-ministro Luís Roberto Barroso não apenas atuou na defesa do terrorista italiano Cesare Battisti. É possível ver, em seu próprio site, sustentações orais perante o Supremo Tribunal Federal em que defende, dentre outras coisas, o reconhecimento legal das uniões homossexuais, as pesquisas com células-tronco embrionárias e o aborto de crianças anencéfalas.

A revolução cultural ganhou mais um defensor no seio da suprema corte constitucional brasileira. E, assim, todos nós perdemos.


(*)Felipe Melo edita o blog da Juventude Conservadora da UnB.

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