sábado, junho 07, 2014

Livre arbítrio?.







Livre arbítrio?.
por Paulo Rosenbaum 




A neurociência vaticinou por aí: é finda toda especulação filosófica. Somos governados por condicionamentos neurais e, sendo os neuroescaneamentos quase inquestionáveis, não há espaço para decidir mais nada. Hoje, imagens falam mais alto. Nossas escolhas, todas, já estão predefinidas via interconexões químicas, e o quer que venhamos a decidir não passa de um reflexo sináptico previsível.

Mas, se a liberdade para arbitrar está predefinida, alguém poderia responder: onde está a graça?

Estamos então numa espécie de vão. Um vão que indica tempo, mas talvez indique também, ou principalmente, uma espécie de espaço descontínuo. Penso nas manifestações e em toda a energia desperdiçada no ralo. Na falta de diretriz. Num país que não consegue enxergar que a potência real está mais nos habitantes do que nos bilhões de recursos.

Se até este discurso pode estar quimicamente predefinido, por que insisto, persisto, e, mesmo contra as evidências, não desistimos? Isso também pode estar catalogado na lei geral da evolução, uma espécie de ilusão alimentada para que continuemos a acreditar na preservação da espécie – não duvido de Darwin, apenas suspeito de uma mensagem incompleta. E como escaparemos das garras dos deterministas?

Sempre que ouço gente discorrer – do púlpito, teclado ou nas plaquinhas de manifestantes – com convicção e resolutividade, fico deprimido. Deve ser também alguma falha axonial, esta de natureza melancólica. Isso não significa inveja, desejo de compartilhar o sentimento de gente com certezas absolutas. Confesso que meu problema principal está na hesitação. E esta tendência, ainda que potencialmente paralisante, é o que permite se cogitem outras formas de perguntar.

Parece mesmo que há um vão.

Um vazio que precisa ser preenchido com incertezas. É que a certeza nos traumatiza. A dúvida nos salva. Nos salva da ideologia. Devia haver uma reza que pedisse para nos livrar de gente com opinião formada. Não seria heresia, espero, incluir nos afastar dos formadores de opinião. Basta breve rodada na grade da programação da TV para julgar se exagero. Precisamos pedir férias das posições sólidas. Exonerações de alinhamentos automáticos. É que isso pode nos resgatar do mais grave dos efeitos colaterais já inventados: a morte da criatividade.

E é essa disposição a recusar o que pedem para pensar que poderia nos liberar para um diálogo mais livre, sem formatação, liberto dos formalismos. Pensei na intenção dos velhos filósofos e em sua insistência no regime tutorial, e, ao mesmo tempo, o ensino realizado nos espaços abertos. As caminhadas peripatéticas, uma forma simbólica de induzir abertura e porosidade na mente das pessoas. Os filósofos que admiro não buscavam discípulos obedientes, mas gente que podia dissentir, arguir e, se possível, criar contrapontos aos lugares sem saída. Becos que encaixotaram cabeças.

Desde quando não surgem cabeças estratégicas, não ideológicas, que apresentem soluções mais razoáveis para os problemas crônicos que nos castigam? A hipótese é que morrem no berço. Nas escolas e nas panelinhas. Sobra espaço para correligionários, companheiros e amigões.

É raro que um dissidente sobreviva na área educacional. Um docente de universidade precisa de uma rede de apoio político, senão sucumbe rapidamente. Piora bem se o ambiente for público, estadual ou federal. O mérito hoje reside na avaliação da capacidade para criar networks. A instrumentalização política do saber é problema antigo, porém nas proporções atuais precisa ser chamado de escândalo. Pode ser muito humano, mas isso não é álibi para abonar o desanimo.

Chega de euforia e lamúrias, o déficit é de gente que preza mais a criação que a repetição e fórmulas bem sucedidas. Meus neurônios provavelmente podem até não gostar da ideia. Tanto faz. Já aprendi a discordar deles.

Nenhum comentário: