domingo, outubro 16, 2016

A democracia é um arranjo imoral. Mas será que votar também seria imoral?.






A democracia é um arranjo imoral. Mas será que votar também seria imoral?.

por Murray N. Rothbard




Se você foi involuntariamente jogado em uma batalha, utilize todas as armas disponíveis

A democracia é aquele arranjo político no qual os aspirantes ao controle do aparato estatal tentam persuadir uma fatia do eleitorado de que é correto e possível viver à custa do confisco da renda da outra fatia do eleitorado. Trata-se de um arranjo político que vê o confisco da propriedade alheia como um "direito adquirido". 

Sob um arranjo democrático, a entrada no aparato estatal é aberta a todos. Isso faz com que todas as restrições e inibições morais contra a espoliação da propriedade alheia sejam removidas. Sob a democracia, algumas poucas pessoas adquirem o privilégio de confiscar legalmente a propriedade alheia durante um determinado período de tempo, utilizando a legislação e a tributação como um meio de satisfazer essa cobiça.



Quando a entrada no aparato governamental é livre, qualquer um pode expressar abertamente seu desejo pela propriedade alheia. O que antes era considerado imoral, agora passa a ser considerado um sentimento legítimo. Sob a democracia, todos são livres para entregar-se a tais tentações e, com isso, propor toda e qualquer medida de legislação e tributação que lhes permitam levar vantagem à custa das outras pessoas. 


Todos agora podem cobiçar abertamente a propriedade de outros em nome da democracia; e todos podem agir de acordo com esse desejo pela propriedade alheia, desde que ele já tenha conseguido entrar no governo. Assim, em uma democracia, qualquer um pode legalmente se tornar uma ameaça.

Em consequência disso, há vários libertários que não apenas defendem que não se vote em ninguém, como ainda afirmam que o próprio ato de votar seria, em si, algo totalmente imoral.

Ainda em 1972, Murray Rothbard foi perguntado se ele concordava com este raciocínio. Eis a sua resposta.

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Este é um assunto que me interessa bastante. Trata-se da posição anarquista clássica, sem dúvida.

O anarquismo clássico — ou mesmo o anarco-capitalismo — defende que ninguém deveria votar, pois, se o fizer, você estará participando do jogo criado pelo aparato estatal; você estará dado seu consentimento ao estado e às suas regras.

Sendo assim, ou você se abstém de votar ou você escreve seu próprio nome na cédula [quando isso ainda era possível]. Particularmente, não vejo nada de errado com essa tática. Se houvesse um movimento nacional — se, por exemplo, vários milhões de pessoas prometessem não votar —, isso até poderia ser útil.

Por outro lado, não creio que o ato de votar seja o grande problema. Contrariamente às pessoas que pregam o boicote ao voto, não creio que seja imoral votar.

O filósofo Lysander Spooner, o santo padroeiro do anarquismo individualista, apresentou um ataque bastante eficaz a essa ideia. Disse ele:


Com efeito, para o indivíduo, seu voto não pode ser considerado como uma prova de seu consentimento ao estado. 

Ao contrário, o fato que deve ser considerado é que, sem que seu consentimento tenha sido pedido, um indivíduo se encontra cercado por um governo ao qual ele não tem como oferecer resistência; um governo que o obriga a lhe dar dinheiro, a obedecer suas ordens e a abrir mão de vários de seus direitos naturais, sob a ameaça de pesadas punições caso desobedeça.

Esse mesmo indivíduo também vê que outros indivíduos ao seu redor querem impor essa tirania sobre ele por meio da urna eleitoral. Mais ainda: esse indivíduo percebe que, se ele também utilizar a urna, ele ao menos tem alguma chance de tentar aliviar essa tirania sobre ele, virando o jogo e submetendo estes outros indivíduos à sua tirania.

Em suma, este indivíduo, sem que tenha dado seu consentimento a este arranjo, se descobre em uma situação tal que, se ele utilizar a urna, também poderá se tornar um senhor em vez de um escravo. Por outro lado, se ele não utilizá-la, ele inevitavelmente irá se tornar um escravo. E não há alternativas a estas duas opções. Logo, em legítima defesa, ele recorre à primeira opção.

A situação deste indivíduo é análoga à de um homem que foi forçado a uma batalha, na qual ele ou mata ou morre. O fato de que, para salvar sua própria vida na batalha, este homem tem de matar seus oponentes não nos permite concluir que ele entrou naquela batalha por livre e espontânea vontade. Igualmente, em disputas eleitorais — nas quais a urna é um mero substituto da munição —, o homem que, em legítima defesa, utiliza a urna como sua única chance de auto-preservação não pode ser visto como estando em uma disputa na qual ele entrou voluntariamente.

Ao contrário, ele foi forçado a esta batalha por terceiros, e sem ter nenhum outro meio de legítima defesa senão a urna. Consequentemente, por pura necessidade, ele só pode utilizar este único meio que lhe deixaram.

Portanto, se você realmente acredita que, ao votar, você está sancionando a existência do estado, então você está, sem perceber, fazendo o jogo do defensor da democracia, o qual diz que o estado é um arranjo voluntário e que você tem a opção de não participar. 



Tal raciocínio, obviamente, não procede, pois, como bem explicou Spooner, o indivíduo está sendo jogado em uma posição coercitiva. Ele está cercado por um sistema coercivo. Ele está cercado pelo estado. No entanto, o estado ainda permite uma escolha limitada. Sim, bastante limitada, mas ela ao menos existe. Logo, dado que você está nessa situação coerciva, mas ao menos ainda tem uma chance, não há motivos para você não tentar fazer uso da única arma que ainda lhe resta — caso você acredite que isso fará uma diferença para a sua liberdade e propriedade.

Portanto, não se pode dizer que aquele indivíduo que, sob essas condições, optou por votar está incorrendo em um ato imoral. Igualmente, não se pode dizer que sua escolha foi plenamente voluntária. Ele não está em uma situação voluntária. Ele está em uma situação na qual ele se vê cercado por todo um aparato estatal, o qual ele não pode abolir por meio do voto. Mas ao menos ele pode escolher quem ele quer que comande esse aparato.

Por exemplo, infelizmente não podemos abolir a presidência pelo voto — seria ótimo se pudéssemos, mas não é possível. Sendo assim, por que não podemos fazer uso do voto se houver pelo menos alguma diferença entre os candidatos? E é praticamente inevitável que haja ao menos alguma diferença entre eles. A própria praxeologia nos ensina que, entre duas ou mais pessoas, sempre haverá alguma diferença entre elas, por mais mínima que seja. Logo, por que não fazer uso da urna?

Desde que você entenda o que está fazendo e saiba bem quem está escolhendo, não vejo nada de imoral em participar do processo eleitoral.

Por fim, gostaria de enfatizar que não acredito que o real problema seja votar ou não votar. Realmente não me importo se as pessoas irão votar ou não. Para mim, o que realmente importa é: quem você apóia? Quem você gostaria que vencesse a eleição?

Você pode ser um fervoroso adepto do não-voto, não ir votar e dizer em alto e bom som que "Eu não sanciono o estado". No entanto, no dia da eleição, quem você gostaria que o resto dos eleitores — o idiotas que estão lá votando — elegesse? Esse é o ponto importante, pois creio que há uma diferença. 

Por exemplo, a presidência, infelizmente, é um cargo de extrema importância. Seu ocupante irá, por meio de seus decretos, regulamentações e políticas, exercer uma grande influência sobre nossas liberdades sociais e econômicas pelo próximos quatro anos. Logo, não vejo por que não deveríamos apoiar ou atacar um candidato mais do que o outro.

Neste sentido, eu realmente não concordo com a posição dos contrários ao voto, pois eles não apenas estão dizendo que não deveríamos votar, como também estão dizendo que não deveríamos endossar ou preferir ninguém. Será que tais pessoas, no âmago de sua alma, realmente não têm preferência nenhuma por algum resultado eleitoral? Será que elas reagirão absolutamente da mesma maneira, qualquer que seja o resultado? 

Não vejo como alguém pode não ter alguma preferência, por mais mínima que seja. Trata-se de algo que irá afetar a todos nós.

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