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quarta-feira, novembro 27, 2013

A falácia da desmilitarização da polícia.











A falácia da desmilitarização da polícia.

por José Maria e Silva 




Criar um “SUS” da segurança pública, unificar as polícias e despir a PM de sua farda – eis as propostas que prometem revolucionar a segurança pública no País. Praticamente unânimes entre os acadêmicos especializados na área, essas ideias conquistam cada vez mais adeptos em Brasília. É o que se percebe nas discussões da Comissão Especial de Segurança Pública do Senado, instalada em 2 de outubro deste ano com o objetivo de debater e propor soluções para o financiamento da segurança pública no Brasil. Criada por iniciativa do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a comissão é presidida pelo senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) e tem como relator o senador Pedro Taques (PDT-MT).


“O sistema de segurança pública no Brasil está absolutamente falido” – com essa declaração, proferida numa audiência pública realizada no dia 13 de novembro último, o senador Pedro Taques resumiu um sentimento das ruas que hoje encontra guarida até nos quartéis. Cada vez mais estão surgindo depoimentos de policiais militares colocando em descrédito a própria corporação a que pertencem. É o caso do livro O Guardião da Cidade (Editora Escrituras, 2013, 256 páginas), do tenente-coronel Adilson Paes de Souza, fruto de sua dissertação de mestrado “A Educação em Direitos Humanos na Polícia Militar”, defendida na Faculdade de Direito da USP em 2012, sob a orientação do cientista político Celso Lafer.


Nesse trabalho acadêmico, festejado por toda a imprensa, o tenente-coronel da PM paulista defende a ampliação da carga horária do estudo de direitos humanos na formação dos oficiais da Polícia Militar, como forma de combater a tortura. Em artigo anterior, procurei demonstrar que se trata de uma falácia. O Curso de Formação de Oficiais é praticamente um curso completo de Direito e, como se sabe, é impossível estudar qualquer disciplina do Direito sem tratar dos direitos humanos, uma vez que a Constituição de 88, base legal de todas as disciplinas jurídicas, é alicerçada, de ponta a ponta, nos direitos da pessoa humana.


Sobrevivendo na Gestapo brasileira


Em vários momentos do livro, influenciado por pensadores de esquerda, que vêm na polícia um braço armado do sistema capitalista, Paes de Souza, de modo quase indisfarçável, compara a Polícia Militar brasileira com a Gestapo de Adolf Hitler. Chega a descrever o produto das ações da PM como um novo campo de concentração nazista. Com base em artigo da psicóloga e psicanalista Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes, sintomaticamente intitulado “Violência, Massacre, Execuções Sumárias e Tortura”, o tenente-coronel cita como exemplo desses casos, os 111 mortos do Carandiru, em 1992, os 493 mortos quando dos ataques do PCC em 2006 e a Operação Castelinho em 2002, “que constituiu uma emboscada”, com 12 mortos – todos bandidos do PCC, acrescente-se, já que o coronel não o faz em sua tese.


Para a psicóloga Maria Auxiliadora Arantes, citada no livro O Guardião da Cidade, tais acontecimentos “são crimes filhotes de um Estado que deixou intacto um aparelho de matar e que não puniu os que o montaram”. O tenente-coronel Adilson Paes de Souza corrobora literalmente suas palavras, tanto que acrescenta a elas a seguinte frase: “De fato, Auschwitz faz-se presente”. Reparem: Paes de Souza está comparando o trabalho da Polícia Militar – instituição em que atuou durante 28 anos, chegando a tenente-coronel – com a violência das forças nazistas nos campos de concentração de Hitler. Justamente num momento em que a PM está sob o fogo cerrado dos formadores de opinião.


O cientista político Celso Lafer, responsável pela dissertação de mestrado de Adilson Paes de Souza na USP, deveria ter-lhe feito uma pergunta singela antes de aceitar a orientação de seu trabalho: “Onde o senhor estava, na condição de tenente-coronel da Polícia Militar, quando seus subordinados de farda se tornaram exemplos atuais da Gestapo de Hitler, torturando e executando pessoas?” Antes de pontificar sobre os problemas da Polícia Militar, apresentando soluções mirabolantes do conforto de uma cátedra universitária, o tenente-coronel deveria ter respondido para si mesmo essa pergunta. Na condição de tenente-coronel da Gestapo brasileira (a se crer nos seus próprios conceitos), ou Paes de Souza foi cúmplice do holocausto que denuncia ou foi omisso diante dessa carnificina que imputa à PM. Em qualquer dos casos, deveria refletir com mais profundidade sobre o assunto, antes de se arvorar a defender tese, escrever livro e contribuir, ainda que involuntariamente, para a difamação sistemática de que a PM é vítima na imprensa e nas universidades.


Não é possível sobreviver durante 28 anos num aterro sanitário moral e dele sair com a alma cheirando a talco, como canta Gilberto Gil. Em seu livro, citando o economista Albert Hirschman, Paes de Souza fala que os membros de uma instituição podem abandoná-la ou criticá-la quando se sentem descontentes. O autor não diz, mas, no caso da Polícia Militar, a via mais frequente é a omissão: o policial se esconde numa carreira burocrática, evitando o confronto das ruas e, com isso, pode pontificar sobre direitos humanos sem correr riscos. O tenente-coronel sobreviveu ao horror que denuncia foi por essa terceira via? Sem essa explicação, suas reflexões e denúncias sobre a PM perdem muito da autoridade que poderiam ter.


Depoimentos de PM homicidas


Para exemplificar as críticas que faz à polícia, Adilson Paes de Souza colheu o depoimento de dois policiais militares condenados por homicídio e se valeu também de dois depoimentos colhidos pelo jornalista Bruno Paes Manso, do jornal O Estado de S. Paulo. Em junho de 2012, Manso defendeu no Departamento de Ciências Políticas da USP a tese de doutorado “Crescimento e Queda dos Homicídios em São Paulo entre 1960 e 2010”, em que faz uma “análise dos mecanismos da escolha homicida e das carreiras no crime”. Essa tese de Manso já havia lhe rendido o livro O Homem X: Uma Reportagem sobre a Alma do Assassino em São Paulo (Editora Record, 2005), no qual o tenente-coronel buscou os dois depoimentos.


Os policiais ouvidos por Paes de Souza ganharam os apelidos de “Steve” e “Mike”, geralmente dados aos policiais que trabalham nas ruas. O policial Steve foi condenado a mais de 20 anos de reclusão por um homicídio a tiros e facadas. “No auge da prática do ato, senti que estava cheio de ódio e acabei descarregando tudo sobre o corpo da vítima. Tinha um sentimento de ódio generalizado de tudo”, afirma o policial. De origem nordestina, ele contou que seu pai era PM aposentado e costumava conversar com toda a família na hora do jantar sobre o sentimento de honra que envolvia a profissão. Inspirando-se no pai, Steve, ao completar 18 anos, ingressou na polícia, por meio de concurso público.


“Fui designado para trabalhar numa unidade da Polícia Militar na periferia da cidade de São Paulo. Comecei a ver uma realidade que não conhecia: favelas, meninas estupradas, pessoas pobres vítimas de roubo, o que causou revolta”, conta Steve. Movido por essa revolta, diz que começou a trabalhar além do horário normal, prendendo o máximo possível de bandidos, na esperança de acabar com a criminalidade na região. O PM conta que, numa ocasião, prendeu em flagrante dois ladrões que tinham roubado um supermercado, mas na noite do mesmo dia viu os dois na rua. Quando os abordou, soube que fizeram um acordo com o delegado, inclusive deixando na delegacia uma parte da propina para o policial.


“Nesse momento, percebi que a corrupção existente nos distritos policiais da área onde trabalhava gerava a impunidade dos delinquentes”, afirma Steve, que passou a frequentar velórios de policiais mortos em serviço, alimentando ainda mais sua revolta com a impunidade dos bandidos. Foi aí que decidiu fazer justiça com a própria farda: “Eu era juiz, promotor e advogado. Levava a vítima para um matagal, concedia-lhe um minuto para oração e a sentenciava a morte”. Essa vida de justiceiro fardado destruiu sua família. Sua mulher chegou a tentar o suicídio. E, na cadeia, sofreu maus-tratos e não teve a solidariedade dos colegas: os policiais que o visitavam estavam mais preocupados em sondá-lo para saber se não seriam delatados, em virtude de outras ocorrências.


Um dos entrevistados pelo repórter Bruno Paes Manso, citado na dissertação do tenente-coronel Paes de Souza, também relata que se via em guerra contra os criminosos e, movido pelo ideal de resolver o problema da criminalidade, trabalhava praticamente o dobro: as oito horas regulamentares pagas pelo Estado somadas às oito em que combatia o crime de graça, por sua própria conta e risco. Esse policial contou ter deparado com vários casos graves, que só via em filmes. Certa vez, atendeu a uma ocorrência em que uma criança de quatro anos foi estuprada e ele, junto com outros policiais militares, evitou o linchamento do estuprador. “Nesse momento, achou um contrassenso ter que proteger quem havia praticado uma monstruosidade contra uma menina. Sentiu revolta”, relata Paes de Souza.


Mais confrontos, mais mortes


Esse é praticamente o padrão dos depoimentos de policiais militares condenados por homicídio: 
1) imersão idealista do policial no combate ao crime; 
2) revolta com a impunidade dos criminosos; 
3) justiça com a própria farda; 
4) prisão, arrependimento e transferência da culpa para a corporação militar. 
O livro Sangue Azul (Editora Geração Editorial, 2009), baseado no depoimento de um soldado da PM do Rio de Janeiro ao documentarista Leonardo Gudel, também segue esse padrão. E, de acordo com as entrevistas concedidas pelo autor, parece que o recém-lançado Como Nascem os Monstros (Editora Topbooks, 2013, 606 páginas), romance do policial carioca Rodrigo Nogueira, condenado e preso por homicídio, também não foge à regra.


Um sargento preso por homicídio e ouvido por Bruno Paes Manso explica que o “assassinato é uma importante ferramenta no cotidiano perigoso do policial militar que trabalha na rua”, e acrescenta que “se os policiais fossem proibidos de matar seria melhor que parassem de trabalhar”. Esse mesmo policial diz ainda: “Sem contar que a bandidagem está cada vez ficando mais ousada, mais armada e respeita cada vez menos a polícia. Isso é explicado dessa forma, isso não foi a polícia que motivou. Hoje tem muito mais reação, o pessoal enfrenta, por isso tem mais morte”. O tenente-coronel Paes de Souza, do alto de sua tese da USP, classifica essa fala do sargento como simplista, por afirmar que mais criminalidade significa mais confronto e, consequentemente, mais mortes.


Ora, simplista é o modo como o tenente-coronel, desprezando seus 28 anos de experiência como policial, deixa-se seduzir pela inútil retórica da academia e utiliza esses depoimentos para corroborar teses injuriosas a respeito da Polícia Militar, que a acusam de ser uma máquina assassina, nazista, semelhante a Auschwitz. Quando atribuem à Polícia Militar o suposto “genocídio da juventude negra”, calúnia que já foi corroborada até por membros do Poder Judiciário, os acadêmicos escondem dois detalhes cruciais: primeiro, muitos jovens negros das periferias são recrutados pelo narcotráfico e matar ou morrer são verbos que conjugam diariamente; segundo, a Polícia Militar emprega muito mais negros do que as universidades que a criticam. Então, a ser verdade o que diz a academia, esses policiais não seriam genocidas, mas suicidas: estariam matando deliberadamente seus próprios familiares.


O tenente-coronel e os demais acadêmicos que escrevem teses sobre segurança pública acreditam que basta perorar sobre direitos humanos no ouvido de um soldado para que ele saia à rua com flores na boca do fuzil, ajudando velhinhas no semáforo e pegando crianças no colo, até que surja um marginal armado e esse policial, consciente de seus deveres, saque da farda um exemplar da Constituição e atire no rosto do bandido seus direitos humanos, para que o criminoso estenda os pulsos com cidadania e seja algemado com dignidade. É óbvio que a terrível complexidade da segurança pública não se rende a golpes de retórica sobre direitos humanos.


Policial só se equipara a médico


Uma análise verdadeiramente profunda dos depoimentos dos homicidas da PM revela a complexa natureza do trabalho policial, que, em qualquer tempo e lugar, é inevitavelmente insalubre para a alma. O policial é como o médico: sem uma dose sobre-humana de frieza, ele não será capaz de proteger vida nenhuma, pois o medo do sangue, da mutilação, do cadáver, irá acovardá-lo diante do dever a ser cumprido. Por isso, ser policial não é para qualquer um. Os policiais homicidas tentam enganar a própria consciência quando dizem que a corporação os transformou em violentos. O potencial de violência já estava presente neles ou não teriam sonhado em ser policial, uma profissão que, em algum momento, há de exigir violência para que as leis sejam cumpridas. Afinal, se bandido ouvisse conselho, não entraria no crime.


Polícia não é assistência – é contenção. Ela é chamada justamente quando as normas da cultura e os mandamentos da lei já não são suficientes para manter o indivíduo no bom caminho e alguém precisa contê-lo. Por isso, a polícia tem de ser viril. A testosterona que faz o bandido violento é a mesma que faz o policial corajoso. Daí a importância de se separar ontologicamente o policial do criminoso. Ao contrário do que acreditam os acadêmicos, o policial tem que tratar o bandido como inimigo, sim. O soldo sozinho – por maior que seja – não é capaz de separar o policial do criminoso, pois a natureza mais profunda de ambos e o ambiente em que vivem se alimentam da mesma virilidade masculina, responsável por mais de 90% dos crimes violentos em qualquer cultura humana em todos os tempos.


O policial de rua, obrigado a enfrentar o crime de arma em punho e não de uma sala refrigerada da USP, é como um médico num campo de refugiados ou em meio a uma epidemia letal: se trabalhar só pelo dinheiro, ele voltará para casa na hora, pois não há salário que pague sua própria vida, permanentemente em risco. Para compensar os riscos da profissão, o policial precisa ser tratado como herói. Especialmente num País como o Brasil em que a criminalidade soma cerca de 63 mil homicídios por ano (de acordo com estudos do Ipea). O policial precisa ter a certeza de que, ao tombar no campo de batalha, sua morte não será em vão: a sociedade irá cultuá-lo como herói diante de sua família enlutada e o bandido que o matou será severamente punido.


No Brasil, ocorre justamente o contrário: enquanto a morte de bandidos é cercada de atenção pelas ONGs dos direitos humanos e gera violentos protestos de rua em São Paulo e Rio, a morte de um policial não passa de uma efêmera nota de rodapé no noticiário e, em muitos casos, sua família não recebe nem mesmo a visita das autoridades da própria segurança pública, temerosas do que possam pensar os formadores de opinião. Já em países como os Estados Unidos, um bandido reluta em matar um policial, pois sabe que o assassinato será motivo de comoção pública e a pena que o aguarda será à altura dessa indignação cívica com a morte de um agente da lei.


Completa inversão de valores


Mas não basta tratar como herói o policial – também é preciso tratar o bandido como bandido. O ser humano é um ser relativo e não consegue julgar em absoluto, mas somente por meio de comparação. Por isso, ao mesmo tempo em que se enaltece o policial corajoso e honesto, é preciso punir verdadeiramente o criminoso, para marcar a diferença entre ambos. O policial se revolta ao proteger de linchamento o estuprador de uma criança ou ao levar para o hospital o bandido ferido que tentou matá-lo porque sabe que seu trabalho heroico e humanitário foi inútil: logo, esses bandidos serão postos na rua para cometer novos homicídios e estupros.


Mesmo o estuprador de uma criança ou o homicida que queima viva sua vítima têm direito a todas as regalias da legislação penal, travestidas de direitos humanos. Até criminosos que matam ou estupram mulheres gozam de benefícios absurdos, como a famigerada visita íntima. A Resolução CNPCP Nº 4, de 29 de junho de 2011, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, instituiu de vez a visita íntima como um direito do preso qualquer que seja a gravidade do seu crime. No seu artigo 4º, a resolução deixa claro que “a visita íntima não deve ser proibida ou suspensa a título de sanção disciplinar”; ou seja, mesmo se o preso promover rebeliões e mortes na cadeia, a visita íntima continuará sendo assegurada a ele como um direito sagrado, à custa da segurança da sociedade. É óbvio que a mulher que se presta a lhe servir de repasto sexual também há de lhe fazer outros favores associados diretamente ao crime, como passar recados para seus comparsas que estão fora das grades.


É por isso que quando uma patrulha da PM leva um criminoso ferido para o hospital, muitas vezes junto com um policial também ferido na troca de tiros, os policias que assim agem precisam ser tratados como heróis. É sua única recompensa. Não há salário que pague esse gesto. Não é fácil para nenhum ser humano salvar a vida de seu próprio algoz sabendo que aquele criminoso que tentou matá-lo não será punido como merece, pois, na cadeia, continuará comandando o crime, com direito a saídas temporárias, visitas íntimas e outras regalias. A legislação penal é tão moralmente hedionda que um dos assassinos do jornalista Tim Lopes, depois de preso, jogou água quente em sua companheira dentro da própria cela. E esse novo crime bárbaro só foi possível porque o Estado brasileiro – cúmplice contumaz de bandidos – garante a famigerada visita íntima até para um monstro dessa espécie.


Feministas contra a polícia


Mas, por incrível que pareça, até as feministas – que criticam violentamente a polícia – defendem as visitas íntimas para presos, consideradas uma extensão dos direitos humanos e classificadas como “direitos sexuais”. Ora, direito sexual é como o direito de expressão: toda pessoa tem o direito de falar, mas não tem o direito de obrigar o outro a ouvi-la. O preso não pode ser impedido de sonhar com uma mulher ou até de satisfazer solitariamente sua libido. Mas isso não significa que ele tem o direito de manter relações sexuais dentro da cadeia, mesmo que seja com sua esposa. E a razão é simples: seu desejo sexual não pode ser posto acima da segurança da sociedade. É óbvio que, durante a visita íntima, não há meio de controlar o preso. Ele pode usar a visita – e sempre usa – para transmitir recados aos comparsas fora da cadeia, daí o comando que o cárcere continua tendo sobre o crime organizado. Praticamente todas as centrais telefônicas do PCC são administradas por mulheres de presidiários. E mulher de preso inevitavelmente o obedece, sob pena de ser morta.


O mesmo se dá com a alimentação do preso. Não deixar um latrocida morrer de fome e sede na cadeia é garantir-lhe um direito humano básico, mas permitir que ele escolha o cardápio, por meio de rebeliões, como ocorre com muita frequência nos presídios brasileiros, não passa de um abuso com o dinheiro de suas vítimas. Hoje, até o criminoso que queima sua vítima viva tem direito a remissão de pena não por dias trabalhados, por horas de estudo e, pasmem, até pela simples leitura de romances na cadeia. Ou seja, o que os acadêmicos chamam de “direitos humanos” são, na verdade, privilégios civis, que deveriam ser privativos do cidadão que respeita as leis e não do bandido que fere o contrato social e, por isso, tem de ser excluído da esfera da cidadania enquanto cumpre sua pena.


Hoje, a inversão de valores é tanta que, oficialmente, por meio das políticas públicas do governo federal, o policial militar se tornou o inimigo público número um, enquanto se concede ao criminoso o monopólio dos direitos humanos. A Resolução nº 8, de 21 de dezembro de 2012, da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, sob o comando da ministra Maria do Rosário, estabelece em seu artigo 1º que, quando um bandido morre em confronto com a polícia, na descrição de sua morte nos registros oficiais não deve mais ser usada a expressão “resistência seguida de morte” e, sim, “homicídio decorrente de intervenção policial”.


A alegação é que os policiais utilizam o chamado “auto de resistência” para esconder execuções. Ora, nos casos em que isso ocorre, não vai ser mudando as palavras que o crime deixará de ser praticado. Mais do que a nomenclatura, o que importa em qualquer crime é a investigação. E essa não deixará de ser feita caso um auto de resistência levante suspeitas, a não ser que as autoridades responsáveis pelo controle externo da polícia se omitam. Prova disso é que dezenas de policiais militares são expulsos da corporação em todo o País. Classificar esse tipo de ocorrência como “resistência seguida de morte” é uma questão de respeito com o policial. É um absurdo que, após uma troca de tiros com assaltantes de bancos armados de fuzil, o policial tenha de descrever a morte de um dos bandidos como “homicídio decorrente de intervenção policial”.


Criminoso é “reeducando”, policial é “homicida”


A sociedade honesta e trabalhadora, que não se acumplicia com bandidos, não pode aceitar essa calúnia legalizada contra a polícia, tachando previamente de “homicida” o policial que mata para proteger a sociedade, cumprindo seu dever constitucional. Se numa investigação sobre um auto de resistência ficar provado que não houve confronto, mas execução, então que o policial seja punido. O que não se pode aceitar é que o policial seja antecipadamente tachado de homicida mesmo quando é obrigado a matar para proteger vidas. Na prática, é essa a mancha que o policial terá de carregar em sua imagem, caso seja obrigado a registrar a morte de um bandido em confronto como “homicídio”. Isso é ainda mais grave quando se compara o tratamento de “homicida” que querem dar ao policial com o tratamento de “reeducando” que a Justiça dá a latrocidas e estupradores nas cadeias.


Atentem para esta fórmula de inversão dos valores: policial que mata um sequestrador é “homicida”, até que prove o contrário; já o sequestrador que mata o refém vira “reeducando” quando é preso e condenado pela Justiça. Como se pode notar, há uma completa inversão dos valores morais: o policial é culpado até que prove sua inocência; já o bandido é inocente como uma criança de escola (“reeducando”), justamente quando sua culpa foi provada e sentenciada nos tribunais. Esses fatos mostram que os acadêmicos que criticam a Polícia Militar não estão preocupados com a segurança da população honesta e trabalhadora – querem é atacar a sociedade capitalista, como se não fossem justamente os mais pobres os que mais perdem com o enfraquecimento da polícia? Os ricos podem contratar segurança privada. E os pobres? E a classe média? O que será deles sem a polícia?


A grande verdade é que a Polícia Militar não é necessariamente pior do que as demais instituições humanas. Convém relembrar uma máxima do economista Albert Hirschman não aproveitada na tese do tenente-coronel Paes de Souza: “Sob qualquer sistema econômico, social ou político, indivíduos, firmas e organizações, em geral estão sujeitas a falhas de eficiência, racionalidade, legalidade, ética ou outros tipos de comportamento funcional. Não importa quão bem estabelecidas as instituições básicas de uma sociedade; alguns agentes, ao tentarem assumir o comportamento que deles se espera, estão fadados ao fracasso, ainda que por razões acidentais de quaisquer tipos”.


Ou seja, todas as demais instituições indispensáveis à Justiça, como o Judiciário, o Ministério Público, a OAB, a Polícia Federal e a Polícia Civil, para citar as principais, estão sujeitas a gravíssimas falhas por parte de seus membros. Um juiz que mata um inofensivo e desarmado vigilante de supermercado, como já ocorreu no Brasil, é infinitamente mais criminoso do que um policial desesperado, que, depois de escapar por pouco das balas de um assaltante, resolve terminar de matá-lo ao se dar conta de que ele está ferido. É errada essa atitude do policial? Sem dúvida. Mas é compreensível, tanto que a maioria da população, equivocadamente, a aprova. E a única forma de inibir essa justiça vicária feita com a própria farda é dar ao policial a certeza de que ele pode entregar o bandido aos tribunais, que a sociedade será vingada mesmo assim – sem visitas íntimas, sem saídas temporárias, sem indultos de Natal, sem celulares na prisão, sem regime semiaberto, sem remissão de pena e sem as demais regalias dadas ao criminoso.


É bom lembrar que leis mais duras serviriam inclusive para punir os maus policiais, que também existem, mas, hoje, acabam ingressando no crime organizado ao serem expulsos da corporação. Se os maus elementos de cada instituição humana fossem enforcados nas tripas dos maus elementos das outras, não sobrariam condenados nem tripas. A maldade humana está relativamente bem distribuída em todas as instituições. Por isso, é tolice creditar os problemas da segurança pública à Polícia Militar, como insistem em fazer os acadêmicos e até policiais influenciados por eles. Tortura, corrupção e truculência não são privativas da PM. E a injustiça com a PM é ainda mais grave quando se leva em conta o contexto em que a corporação atua – a miséria moral dos mais ferozes criminosos, que não têm o menor respeito pela vida humana. Por isso, é tolice achar que, desmilitarizando a PM, se resolvem todos os problemas da segurança pública. Mesmo se isso fosse verdade, seria um desatino desmilitarizar a polícia justamente quando os bandidos andam com fuzis nas ruas e transformaram até as cadeias em quartéis crime.

Fonte: http://libertatum.blogspot.com.br



quinta-feira, julho 11, 2013

ECA: uma lei contra a vida.



ECA: uma lei contra a vida.

por José Maria e Silva



Historicamente, as leis brasileiras não nascem de necessidades da nação, mas de modismos importados. O escritor José de Alencar (1829-1877) e o ensaísta Eduardo Prado (1860-1901) já denunciavam o bacharelismo para inglês ver, que, tentando impressionar a Europa, impunha ao país nocivas leis vanguardistas. Esse mal se agravou com as universidades. Hoje, o Brasil é uma espécie de protetorado da ONU, adotando, como leis nacionais, suas mais utópicas resoluções.

Uma delas é o Estatuto da Criança e do Adolescente, versão nacional das resoluções da ONU sobre direitos das crianças, rechaçadas nos próprios países de origem. A Suíça, sede europeia da ONU, contraria frontalmente as recomendações do órgão ao instituir a maioridade penal aos 7 anos e armar todos os seus cidadãos. Menores de 18 anos também são responsabilizados penalmente na Austrália (7 anos), Escócia (8), Inglaterra (10), Holanda (12), Canadá (12), França (13), Israel (13), Áustria (14) e Estados Unidos (10 anos ou 12 anos).

Como observa o psicólogo Steven Pinker, a natureza humana não é uma tábula rasa a ser modelada por engenheiros sociais. Um menino-prodígio do crime que estupra, mata ou queima sua vítima não será regenerado à custa de três anos de lenientes medidas socioeducativas. Pelo contrário: com a experiência de vida, a precocidade criminosa desse Mozart do mal vai se tornar ainda mais astuciosa e, consequentemente, mais letal.

A natureza é sábia: a força física que possibilita matar o próximo cresce junto com a consciência de que não se deve fazê-lo. A percepção da morte, segundo a psicologia, começa a se formar aos 3 anos e, aos 9 anos, já está consolidada na criança. Nessa idade, ela já tem plena consciência de que matar o próximo é errado. Por isso, a responsabilidade penal deve ser de acordo com a gravidade do crime. Só para o ECA um menor nunca é assassino: apenas comete um “ato infracional análogo a homicídio”, produzindo pessoa análoga a defunto, mesmo depois que já pode votar.



José Maria e Silva, jornalista, é mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG) com dissertação sobre violência nas escolas.

quinta-feira, junho 27, 2013

Imprensa deve explicação ao País.





Imprensa deve explicação ao País.
por José Maria e Silva
Media Watch









Parafraseando Hegel, Marx afirma em uma de suas obras mais conhecidas, o “18 Brumário de Louis Bo­naparte”, que os fatos e personagens de grande importância no mundo ocorrem duas vezes: a primeira como tragédia, a segunda como farsa. Tanto a frase original de Hegel quanto a paráfrase de Marx não têm qualquer valor científico, nem mesmo filosófico. Mas, no caso de Marx, a paráfrase serve bem à verve polemista com que ele transforma em caricatura o sobrinho de Napoleão Bonaparte, que, tentando imitar o tio, deu um golpe de Estado e se tornou um efêmero imperador francês. Louis Bonaparte também é abordado por Machado de Assis no personagem Rubião, do romance “Quincas Borba”.

Agora, diante da onda de protestos em todo o Brasil, a frase de Marx pode voltar a ser útil como metáfora. Afinal, o Maio de 68 está se repetindo pela segunda vez, mas como farsa. Se há 45 anos, quando fizeram barricadas nas ruas de Paris, os jovens tinham de enfrentar os adultos, hoje são os próprios adultos que lhes entregam as pedras e os incitam a ir às ruas, numa atitude totalmente irresponsável. A onda de protestos que assola o Brasil não nasceu espontaneamente, como a imprensa insiste em dizer. O movimento começou com o Movimento Passe Livre, mantido por partidos de extrema esquerda, incluindo setores radicais do PT, e ganhou força ao contar com o apoio amplo, geral e irrestrito da imprensa — que vive um dos momentos mais vergonhosos de toda a sua história.

Exemplo disso foi a capa do jornal “O Popular” de quinta-feira, 20. Encimada pela hastag “#naruahoje”, a referida capa trouxe a foto de quatro mulheres e dois homens, de várias idades, portando cartazes com uma só palavra escrita em vermelho que, no conjunto, formavam a frase: “Eu vou e não quero violência”. Ora, deve haver goianos que repudiam essas manifestações. Elas prejudicam o comércio, aumentam a insegurança na cidade e causam sérios transtornos para milhares de pessoas, principalmente as que dependem do transporte público. Mas “O Popular” ignorou esses cidadãos. Tratou a população goiana como se ela fosse unanimemente a favor dos protestos. Preferiu ser panfleto de grêmio estudantil, fazendo convocatória em vez de jornalismo.

Mas o histórico veículo do Grupo Jaime Câmara não está sozinho nessa conduta editorial equivocada. A imprensa brasileira, com raras exceções, abdicou do jornalismo para abraçar a militância. Especialmente o jornal “Folha de S. Paulo” e o canal Globo News, que se tornaram uma espécie de projeto de extensão da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professores universitários pontificavam sobre os protestos, relacionando-os até com o democrático projeto de decreto legislativo do deputado federal João Campos (PSDB-GO) que põe o Conselho Federal de Psicologia em seu devido lugar, mas que foi indevidamente apelidado pela imprensa e pela academia de Projeto da “Cura Gay”.

Contradições da imprensa
Até a cobertura do jornal “O Estado de S. Paulo” acabou favorecendo os manifestantes. No início dos protestos, o “Estadão” publicou contundentes editoriais defendendo o direito de ir e vir dos cidadãos e conclamando as autoridades paulistas a não deixar que esse direito fosse subtraído pelo vandalismo. Mas o noticiário do Estadão — especialmente o que é publicado na Internet e tem maior visibilidade entre os jovens — frequentemente contradisse seus editorais, minimizando as depredações ao descrevê-las como uma reação à truculência da polícia. Essa dicotomia criada pela imprensa entre o manifestante pacifista e o policial truculento se agravou quando jornalistas foram feridos nos protestos.

A partir daí, o noticiário desandou de vez e perdeu completamente o senso crítico, colocando-se a serviço dos manifestantes. Foi o que se viu na Globo News, que armou em seu estúdio uma espécie de fórum permanente de acadêmicos, em que professores de ciências humanas, invariavelmente, enalteciam as virtudes das manifestações de rua e condenavam a autoridade do Estado. O surrealismo era tanto que, nas ruas de São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais, enquanto as imagens de carros incendiados e patrimônio depredado saltavam da tela, os repórteres da emissora enfatizavam que o protesto transcorria de forma “tranquila e pacífica”.

Irônico é que esses mesmos repórteres, tão logo os protestos ganharam corpo no País, passaram a trabalhar sem o logotipo da emissora nos microfones, temendo a agressão dos manifestantes. Em várias ocasiões, as equipes de reportagem foram hostilizadas pela turba. A Rede Record teve um carro queimado num dos protestos. O SBT também sofreu uma baixa do gênero. E a Rede Globo teve um de seus estúdios ameaçados. Mas a se crer no noticiário dessas mesmas emissoras, a culpa do vandalismo foi de uma minoria de manifestantes “pacíficos e tranquilos” e, ainda por cima, só ocorreu em reação à violência da polícia. É como se o fato de dificultarem a atuação dos policiais, negando-lhes o itinerário das passeatas, não fosse um ato de explícita cumplicidade com os vândalos.

Só os jornalistas dos programas mundo cão, como Marcelo Rezende, da Record, e José Luiz Datena, da Band, é que evitaram atribuir a violência aos policiais, pois precisam deles no dia a dia para alimentar seus respectivos telejornais regados a sangue. Mesmo assim, também eles repetiam que a manifestação era um direito da população e que os vândalos não passavam de uma minoria. No caso da Record, Marcelo Rezende tentou atribuir os protestos a uma boa causa — a revolta popular contra os gastos públicos para que o Brasil sediasse a Copa de 2014. Não por um bom motivo, mas pelo despeito empresarial da emissora de Edir Macedo, que não poderá transmitir os jogos da Copa, monopólio da Rede Globo.


Cadê a nova classe média?
O ativismo do jornalismo brasileiro beirou o inacreditável. A jornalista Leilane Neubarth, da Globo News, cantava loas aos jovens que foram para as ruas, secundada por professores universitários que davam plantão no estúdio da emissora criticando a polícia. É lamentável ter que dizer isso, afinal, eu vivo da profissão de jornalista, mas o jornalismo brasileiro está próximo da barbárie intelectual. Em média, repórteres, âncoras e até editores deviam agradecer o ministro Gilmar Mendes, do STF, pelo fato de terem sido chamados de “cozinheiros”. Ao menos durante a cobertura dos protestos, muitos deles não mereceram sequer esse elogio. Afinal, o cozinheiro ao menos é obrigado a conhecer a receita que prepara.

E não são apenas repórteres e âncoras de televisão que parecem desconhecer a história do País — até profissionais experimentados do jornalismo impresso demostraram incultura ao comentar as manifestações, limitando-se a repetir e apoiar as frases de efeito da horda de jovens que paravam as cidades. É o caso da jornalista e colunista da “Folha de S. Paulo”, Eliane Cantanhêde, que também é comentarista da Globo News. Ela reforçou o tom de torcida organizada adotado pela emissora e, concorrendo com os acadêmicos convidados, procurou atribuir os protestos à uma justa insatisfação da população brasileira com “tudo o que está aí”.

Ora, não foi a imprensa brasileira — com o apoio dos cientistas sociais — que deu curso à falsa tese de que existe uma nova classe média no Brasil? Não vi nenhum jornalista dissecar e contestar os dois estudos coordenados pelo economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, mostrando, como eu fiz, que a “nova classe média” não passa de um mito político criado a partir de uma manipulação estatística. O economista da FGV baixou radicalmente os parâmetros de renda familiar e, com isso, “enriqueceu” num passe de mágica cerca de 40 milhões de pobres, que passaram a ser chamados de “classe média”. Esse falso “milagre brasileiro” contribuiu enormemente para a altíssima popularidade do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e para a eleição da presidente Dilma Rousseff.


Criando novas ficções
Após concluir o estudo com sua equipe da Fundação Getúlio Vargas, Marcelo Neri lançou no Palácio do Planalto, em 28 de agosto de 2008, o conceito de “nova classe média”, durante um evento que contou com a presença do então presidente Lula e seus ministros, entre eles, Dilma Rousseff. Para o economista, que acabou presenteado por Dilma com a presidência do Ipea (Instituto de Pesquisa E­conômica Aplicada), toda família que tem renda “per capita” igual ou superior a R$ 291 já é classe média. E se tiver renda per capita superior a R$ 1.019, já é classe alta. Em suma: se a família não estiver mendigando debaixo da ponte, então ela já é computada como classe média pelo governo. Foi com esse golpe estatístico que Lula se tornou o autor de uma peça de ficção: “Dilma no País das Maravilhas” — materializada nas urnas em 2010.

Como se vê, desde 2008, a imprensa brasileira ajudou a disseminar a ficção econômica de que havia uma nova classe média no Brasil, responsável por transformar o País numa potência mundial. E também contribuiu com o estelionato eleitoral praticado por Lula em 2010, quando o líder petista conseguiu eleger um poste com base, sobretudo, em duas ilusões: a realização da Copa e das Olimpíadas, que trariam obras, divisas e prestígio, e a renda do pré-sal, que faria do Brasil uma potência planetária. A imprensa acreditou tanto nesses mitos petistas que agora se queda perplexa diante das ruas convulsas, sem saber como explicar o descontentamento da população. E quanto tenta fazê-lo, cria novas ficções.

Sempre querendo se colocar na vanguarda dos protestos, alguns articulistas e âncoras resolveram colocar na boca dos manifestantes reivindicações que eles não fizeram a sério. Depois das cenas dantescas da noite de quinta-feira, quando mais de 1 milhão de manifestantes rugiram pelas ruas de cerca de 120 cidades no País, a imprensa tentou achar uma nova pauta capaz de pôr ordem no caos. Na Globo News, a jornalista Renata Lo Prete citou uma frase que disse ter ouvido de um “observador perspicaz” e que lhe agradou muito: “Antes, as pessoas protestavam contra o que os governos faziam de errado. Agora, elas protestam contra o que eles deveriam fazer e não fazem”. E arrematou o comentário dizendo que os protestos se devem à falta de qualidade do serviço público.

A Constituinte exclusiva
O jornalista Merval Pereira, também na Globo News, condenou as autoridades por entregarem as ruas aos manifestantes, lembrando que isso não ocorre em nenhuma cidade do mundo; mas conferiu legitimidade ao movimento, alegando que “a atividade política, do modo como é feita hoje, não é aceita por mais ninguém”. Com base nessa premissa equivocada, Merval Pereira defendeu “uma Constituinte exclusiva para fazer a reforma política” — proposta que já foi aventada por Lula e agrada sumamente o PT.

Seis senadores, entre eles Cris­tovam Buarque (PDT-DF), já assinaram, na quinta-feira, 20, uma proposta de Constituinte exclusiva. O problema é que, se em 1986, com uma Constituinte não exclusiva e um País menos aloprado, a Constituição de 88 já nasceu torta, pregando retalhos socialistas no tecido da sociedade capitalista, imaginem o estrago que faria uma Constituinte exclusiva num País tomado pelo extremismo de rua, estrumado na surdina pelo PT? É irônico, se não fosse trágico, que essa mesma gente que quer fazer Constituinte a partir da baderna, se recusa a reduzir a maioridade penal com base em sóbrias pesquisas de opinião, repetidas há décadas, com o mesmo resultado esmagadoramente favorável à redução.

O PT, começando pela presidente Dilma, tentou capitalizar os protestos, enquanto eles eram mais fortes em São Paulo e podiam ser usados contra o governo tucano. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (que até o jornalista Luís Nassif considera o pior da história da pasta), agiu com extrema irresponsabilidade ao tentar criar o caos em São Paulo, oferecendo uma cínica ajuda ao governador Geraldo Alckmin pela imprensa e responsabilizando a polícia paulista pelos distúrbios.

Essa tática petista de ser, ao mesmo tempo, situação e oposição dessa vez deu errado e, já nos protestos de quinta-feira em São Paulo, o PT, que também foi para as ruas, teve de recolher suas bandeiras. E a baderna só não tomou de assalto o Palácio do Planalto porque Dilma se escondeu atrás de um imenso batalhão de fardas, fortemente armado e pronto para cair sobre a multidão. Foi a maior derrota política do PT desde que o partido chegou ao poder em 2002. Lula ainda está em silêncio e Dilma, encurralada. Ela só se pronunciou na noite de sexta, quando a irresponsabilidade e a omissão deram lugar ao voluntarismo — sem deixar de flertar com as turbas de esquerda.

A liberdade ameaçada
Justamente agora é que os setores democráticos da sociedade brasileira — que acreditam na liberdade do indivíduo e na economia de mercado — não podem dormir tranquilos. A maioria dos jovens que foi às ruas, ao contrário do que insiste em dizer a imprensa, não tem compromisso sério com nada. Estão apenas “curtindo”, como se estivessem numa balada de fim de semana. É mais do que notório que, na maioria das cidades brasileiras, os manifestantes se comportavam como se estivessem num carnaval. E como foram para as ruas sem um palanque montado e sem uma polícia avisada (mais essenciais para a ordem do que a pauta de reivindicações), o vandalismo foi inevitável, por mais que jornalistas e autoridades pensem o contrário.

Nenhum país sobrevive com o povo em convulsão nas ruas, inviabilizando as atividades produtivas. Quem vai indenizar os comerciantes que tiveram suas lojas saqueadas? É justo o contribuinte arcar com a depredação do patrimônio público? Que direito tem a turba de impedir as pessoas de se locomoverem para o trabalho, a escola, a casa, o hospital? Mais cedo ou mais tarde, a insanidade do jornalismo e a omissão das autoridades terão de ceder lugar à normalidade. Mas o PT, que detém o poder no País, está disposto a usar essa força sem segundas intenções? Duvido. A tendência é que o partido, ao mesmo tempo em que tentará fortalecer o poder federal, também tentará enfraquecer os Estados. A necessidade de garantir a realização da Copa pode ser o pretexto que faltava ao partido para aumentar seu poder.

O atual Congresso Nacional, um dos piores da história do Brasil, não tem condições de oferecer resistência ao Executivo. Prova disso é que aceitou discutir um projeto imoral, de autoria dos senadores Marcelo Crivella (PRB-RJ), Ana Amélia (PP-RS) e Walter Pinheiro (PT-BA), que altera o Código Penal e institui uma espécie de AI-5 da Copa, criando punições draconianas relacionadas com a realização dos jogos. Esse projeto — que afronta a Cons­tituição ao desigualar os brasileiros perante a lei — foi aprovado pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado no dia 4 de junho último. Uma coisa é certa: com a revolta midiática das ruas, as nossas autoridades políticas — cada vez mais infantis e pusilânimes — vão se juntar em busca de uma solução mágica. A Constituinte exclusiva deve ser esse novo emplastro Brás Cubas. E se essa proposta prevalecer, o Brasil vai cumprir o ideal da esquerda — e se tornar uma imensa Venezuela.




Publicado no Jornal Opção, de Goiânia.

José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.
(Fonte Mídia Sem Máscara)

sexta-feira, abril 26, 2013

Criminosos bancados pelo Estado.











por José Maria e Silva.




A imprensa brasileira está morta. A exemplo dos partidos políticos, ela se tornou refém dos grupos de pressão e não consegue pensar os fatos com a própria ca­beça. O jornalismo sempre al­me­jou o papel de consciência viva da sociedade, mas hoje não passa de boneco de ventríloquo dos intelectuais universitários. É o que se percebe na discussão sobre a redução da maioridade penal, suscitada pe­lo assassinato do estudante paulistano Vitor Hugo Deppman, du­ran­te um assalto na porta do prédio onde morava. Ele foi morto por um menor que completou 18 anos três dias depois de ter praticado o crime. Além disso, o assassino agiu com extrema crueldade, al­ve­jando a cabeça do jovem depois que ele já havia entregue o celular. As imagens foram captadas por uma câmara de rua, o que contribuiu para a comoção nacional.

O Instituto Datafolha, da “Folha de S. Paulo”, saiu a campo e constatou que 93% dos paulistanos querem a redução da maioridade penal. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), foi ao Congresso Nacional defender o aumento para oito anos do tempo de internação para os menores que cometerem crimes graves, como homicídio e latrocínio, hoje limitado a três anos. Na internet surgiram petições propondo a responsabilização penal do menor a partir dos 16 anos ou até menos.

Mas a reação dos defensores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não tardou. Mal o corpo de Vitor Hugo Deppman baixou à sepultura, eles saíram a campo para barrar qualquer proposta de redução da maioridade penal ou de alteração no ECA, com o apoio do PT e do governo federal. A imprensa ouve esses dois lados e, fingindo cumprir o seu papel, busca a opinião dos especialistas das universidades, que ela imagina neutros. E aí reside o problema: eles não são neutros. A ciência no Brasil frequentemente está a serviço do crime.

Os acadêmicos dizem que não se pode discutir a redução da maioridade penal com base na comoção sus­citada por um crime envolvendo me­nor. É como se um caso como o de Vitor Hugo Deppman fosse úni­co ou raro. Como a grande imprensa parece incapaz de enxergar o Bra­sil que existe para além do eixo Rio-São Paulo, fica parecendo que os defensores do ECA têm razão e que o assassinato do estudante paulista não é representativo da criminalidade bárbara praticada cotidianamente por menores de idade. Até a revista “Veja”, em sua versão digital, que produziu uma das melhores ma­térias sobre o assunto, só conseguiu citar cinco crimes praticados por menores num largo espaço de 16 anos: dois do Rio de Ja­nei­ro (o guitarrista do Deto­nau­tas, em 2006, e o menino João Hé­lio, em 2007), dois de São Pau­lo (o casal Liana Friedenbach e Fe­lipe Caffé, em 2003, e o próprio Vitor Hugo, em 2013) e um do Distrito Federal (o índio Galdino, em 1997).

Fica parecendo que os crimes hediondos praticados por menores são de fato casos isolados (co­mo alegam os acadêmicos) e não justificam a redução da maioridade penal. Mas se a grande im­pren­sa cumprisse o seu papel e o­lhasse para o Brasil como um to­do, ela nem precisaria recuar no tem­po para encontrar outros monstros mirins até muito piores do que o assassino do estudante pau­lista. Cotidianamente, pelo Bra­sil afora, os menores matam. Diuturnamente, pelo Brasil afora, os menores estupram. Recor­rentemente, pelo Brasil afora, os menores roubam, assaltam, es­pan­cam, traficam drogas. Somen­te nos primeiros meses deste ano, pe­lo menos 40 assassinatos – al­guns com extrema crueldade – fo­ram cometidos por menores em todo o país, o que dá uma mé­dia de mais de dez homicídios pra­ticados por menores a cada mês. Esse levantamento foi feito por mim mesmo, varando sozinho as madrugadas em busca das no­tícias policiais da imprensa re­gional no país. Há casos bárbaros, que se fossem mostrados nacionalmente, revelariam, com toda ni­tidez, a face hedionda do Es­ta­tuto da Criança e do Adolescente.

Estraçalhando namorada e filha
Em João Pessoa, no dia 29 de março deste ano, apenas 11 dias antes do latrocínio que vitimou o estudante paulista, um menor de 15 anos convidou a ex-namorada de 14 anos para irem a Cabedelo, cidade com 57.944 habitantes, conurbada à capital paraibana. O que parecia um passeio de adolescentes, tentando reatar o namoro interrompido um mês antes, terminou de forma trágica. No meio da conversa, o menor puxou a fa­ca que trazia escondida e desferiu 30 golpes na menina. Em seguida jogou o corpo estraçalhado num riacho próximo. Ao ser preso, alguns dias depois, ele re­latou friamente como matou a ex-namorada e contou ter tomado banho de mar para limpar o sangue do cor­po. Mas essa não foi a primeira vi­o­lência praticada pelo menor. O re­lacionamento havia terminado por­que a menina era constantemente agredida por ele, motivo da última separação. E o que é mais estarrecedor: a menina de apenas 14 anos chegou a ficar grá­vida do menor de 15 anos, que a espancou durante a gravidez e ela perdeu o bebê. O Estatuto da Crian­ça e do Adolescente, que jamais ser­viu para protegê-la, será a ga­ran­tia de impunidade do seu algoz.

Em Conquista, cidade do Triângulo Mineiro com 6.526 habitantes, na madrugada de 23 de março (17 dias antes da morte do estudante paulista), um menor de 14 anos invadiu o quartel da PM, com a intenção de roubar um fuzil. Acabou conseguindo uma pistola, com a qual resolveu roubar um carro estacionado num quintal. Já estava amanhecendo e a porta da casa estava aberta. O adolescente deu um tiro para o alto e, com o barulho, uma idosa de 71 anos se assustou e saiu para ver o que era.

O me­nor deu um tiro na cabeça da i­do­sa e ela morreu na hora. Ao ou­vir os gritos da mãe, sua filha, de 51 anos, também saiu à porta. Le­vou dois tiros e morreu mais tar­de no hospital. Então, o me­nor entrou na casa, pegou a cha­ve do carro e fugiu para a cidade vizinha de Sacramento. Acabou sendo preso no mesmo dia e contou à polícia que seu objetivo era voltar com o carro roubado para Franca, no interior de São Paulo, onde reside sua família. Com apenas 14 anos, o frio assassino das duas mulheres, mãe e filha, tinha 13 passagens pela polícia.

Em 18 de janeiro deste ano, na cidade goiana de Santa Rita do Araguaia (com 6.924 habitantes), um menor de 13 anos matou a própria mãe, de 38 anos, com uma pedrada na cabeça. O crime aconteceu na estação rodoviária da cidade, quando a mãe tentava levá-lo para uma clínica de recuperação de entorpecentes em Jataí. O menor não queria ser internado e, para escapar da mãe, cometeu o crime, valendo-se de uma grande pedra, num momento de distração de seus familiares. A mulher ainda chegou com vida ao Hospital Municipal de Alto Araguaia, mas não resistiu aos ferimentos. Seu corpo foi encaminhado para Rio Verde, onde foi sepultado. Ela não morava na cidade e tinha ido a Santa Rita apenas para buscar o filho para ser tratado. Mas o menor preferia ficar na cidade, morando com o pai, que também é viciado em drogas. Antes de matar a mãe com uma pedrada, o menor tentou esfaquear uma tia. As matérias que pesquisei, não contextualizam a vida da mãe, mas é provável que ela tivesse outros filhos, agora, órfãos e desamparados, enquanto o menor assassino já está sob a proteção total do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Trucidando a mãe e a irmã
A cidade de Ourilândia do Norte, no interior do Pará, com 27.359 habitantes, foi abalada por um crime bárbaro no dia 18 de janeiro deste ano. Uma empresária de 35 anos foi morta em sua própria casa com nove facadas. O assassinato foi perpetrado por seu próprio filho de 16 anos, que pagou um comparsa de 18 anos para ajudá-lo. A frieza do assassino é patente nos mínimos detalhes do crime. Era uma sexta-feira, final de mais um dia comum de trabalho, e ele trouxe a mãe para casa na garupa da moto. O cúmplice já estava escondido no quintal. A mãe, que jamais suspeitaria da trama, foi tomar banho. O menor abriu a porta para o comparsa e esperou que a mãe saísse do banheiro. Quando ela entrou na lavanderia da casa, eles a agarraram. O comparsa segurou a vítima e o menor desferiu as nove facadas em sua própria mãe. Detalhe: a mulher estava grávida de sete meses – era uma menina. Depois de cometer o duplo assassinato da mãe e da irmãzinha, o menor tomou banho, perfumou-se, pegou o celular da vítima mais R$ 500 e se foi. Acabou preso numa churrascaria de uma cidade vizinha, quando almoçava com a namorada no horário do velório de sua mãe.

Na noite de 11 de fevereiro deste ano, uma menina foi encontrada morta próximo de um açude na cidade piauiense de Demerval Lobão, com 13.278 habitantes. A criança estava nua e tinha várias marcas de violência, inclusive um braço quebrado. A perícia médica constatou que ela tinha sido estuprada e morreu por asfixia. Uma semana depois, valendo-se de depoimentos de testemunhas, roupas sujas de sangue e exame de DNA, a polícia descobriu quem foi o estuprador e assassino da menina: foi o seu próprio meio-irmão, um menor de 17 anos, que alegou estado de embriaguez na hora em que cometeu o crime. Já na cidade mineira de São Francisco, com 53.828 habitantes, a vítima foi um menino de 10 anos. Ele foi violentado por um menor de 15 anos, seu amigo e vizinho, às margens do Rio São Francisco. Além de violentar o menino, com a ajuda de um comparsa, o menor afogou a criança no rio. À polícia, o menor alegou que queria roubar a bicicleta da criança, mas, para os policiais, a principal motivação do menor foi mesmo a prática de violência sexual.

Em Porto Velho, capital de Rondônia, na madrugada de 7 de abril, um menor de 16 anos matou um agricultor de 44 anos a golpes de faca e terçado. Eles estavam bebendo juntos, quando se desentenderam. O agricultor xingou a mãe do rapaz e foi atacado. O menor deu uma entrevista a uma emissora de TV local e disse que não estava arrependido. Até se vangloriou dos cortes que fez no peito, no pescoço e na cabeça da vítima e confirmou a história de que havia comido parte do cérebro do morto, conforme disseram testemunhas. Segundo esses depoimentos, ele foi encontrado com a boca cheia e suja de sangue e, depois de mastigar o cérebro da vítima, disse que achou gostoso e queria mais. Pode ser que a história do cérebro comido com muito gosto não passe de uma lenda disseminada pelo sensacionalismo da crônica policial e que o menor a tenha confirmado para parecer mais valente do que é. De qualquer modo, os estragos que fez na vítima revelam uma fúria incompatível com os meros três anos de internação socioeducativa, com chances de sair antes para as ruas, uma vez que a avaliação do menor acontece a cada seis meses.

Mundo banhado em sangue
Em Parnaíba, um das principais cidades do Piauí, com 145.705 habitantes, um menor de 15 anos matou um adolescente de 17 anos no dia 25 de fevereiro deste ano. Ele foi preso, confessou o crime, mas foi liberado em seguida. Menos de uma semana depois, voltou a matar de novo. Envolveu-se numa briga e esfaqueou um rapaz no pescoço e no peito. Na delegacia, o menor exibia nas costas uma tatuagem imensa de Chuck, o Brinquedo Assassino, personagem de filme de terror, com a faca ensanguentada do boneco destacando-se nas suas costas. Também na cidade cearense de Ipu, com 40.296 habitantes, ocorreu um crime brutal entre adolescentes. Um menor de 16 anos invadiu uma casa para vingar a morte de sua mãe, ocorrida um ano antes, mas o filho da mulher que ele queria matar, um menor de 17 anos, foi mais rápido: matou o outro menor com 36 facadas. A irmã do menor assassino, de 15 anos, colaborou no crime. E o menor que morreu tinha passagem pela polícia por furto, assalto e tráfico de drogas. Como se vê, um mundo banhado em sangue, que o ECA acha possível recuperar com discurso.

Em São Joaquim de Bicas, cidade com 25.537 habitantes na região metropolitana de Belo Horizonte, um menor de 17 anos matou a pauladas o próprio avô de 73 anos, no dia 10 de março, um mês antes da morte do estudante paulista. O menor era traficante de drogas e, segundo testemunhas, desde os 6 anos de idade estava envolvido em brigas. Já na cidade de Jaboticatubas (com 17.134 habitantes), também na região metropolitana de Belo Horizonte, a vítima de um menor infrator não foi o avô, mas o próprio pai. No dia 10 de abril, pai e filho começaram a discutir, porque o menor de 15 anos não queria levar o irmão de 8 anos à escola, conforme o pai havia mandado. Então o menor, que tinha passagem pela polícia por porte de drogas, desferiu uma facada no peito do pai e o matou. A criança de 8 anos, apavorada, correu sozinha até a delegacia, que não ficava muito longe de sua casa, para avisar que o pai e o irmão estavam discutindo. Mas quando a polícia chegou, o pai do menor já estava morto no quintal da casa. O menor fugiu, mas acabou capturado pela polícia.

Na cidade paulista de Pinhal­zinho, com 13.105 habitantes, um casal de comerciantes, idosos, ambos com 75 anos, foi morto no dia 12 de abril, três dias após o assassinato do estagiário da Rede TV. O assassino é um menor de 17 anos, usuário de drogas, com várias passagens pela polícia. Ele matou os idosos para roubar. Desferiu facadas no peito e no pescoço das vítimas e roubou R$ 1.300, que usou para comprar drogas, roupas e outros objetos pessoais. Aliás, um expressivo porcentual dos latrocínios e homicídios praticados por menores tem como principal motivação arrecadar dinheiro para sustentar o vício de drogas. E grande parte das vítimas desse tipo de crime são os próprios parentes ou vizinhos dos menores assassinos. E é só o começo. Na medida em que o Estado brasileiro for aumentando o número de leitos destinados ao tratamento de drogados, mais esse tipo de crime vai crescer. A medicina não cura drogado: ela cria bombas humanas, ao transformar o viciado num duplo dependente químico – das drogas e das medicações, misturadas indiscriminadamente no seu organismo.

O fim dos menores de rua
Mas isso é assunto que exige artigo à parte. O objetivo deste foi mostrar que o assassinato do estudante Vitor Hugo Deppman está longe de ser uma fatalidade. Na verdade, o latrocínio, o homicídio e o estupro praticado por menores é uma política pública oficial do Estado brasileiro – implantada no País pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a lei mais hedionda da história contemporânea do País. E essa lei perversa – que trata a vida humana como entulho no caminho dos menores criminosos – será complementada pelo Estatuto da Juventude, também previsto na malfadada Constituição de 88 e já em fase de aprovação final no Senado. Observem que só elenquei aqui os homicídios e latrocínios praticados por menores nos primeiros meses deste ano – somente 2013, ressalte-se. Nessa breve pesquisa, deparei com crimes ainda mais bárbaros perpetrados por menores em anos anteriores, a maioria sem nenhuma menção na grande imprensa, mas fiz questão de deixá-los de fora para provar que estão matando é nesse momento. O assassinato de Vitor Hugo Deppman não é um caso isolado.

A criminalidade juvenil é ainda mais abrangente. O problema é que contabilizar também os furtos, roubos, assaltos, tráfico de drogas e estupros sem morte praticados por menores é uma tarefa impossível para uma pessoa só – as cifras, sem dúvida, ultrapassam a casa do milhar a cada mês. Mas esse trabalho precisava ser feito por alguma instituição. Afinal, todo menor que assalta e trafica drogas é um potencial homicida. Infelizmente, as ONGs que trabalham com a questão do menor não são confiáveis. As universidades muito menos. E a maioria dos operadores do direito – juízes, promotores, advogados, defensores públicos – professam uma fé esquizofrênica na capacidade do ECA de operar milagres. Contrariando os fatos, o bom senso e própria moral (uma vez que se trata de uma mentira deslavada), toda essa gente chega a repetir que o índice de reincidência dos menores é inferior ao índice de reincidência dos adultos. É como se a esmagadora maioria dos criminosos adultos não viesse de um passado de delinquência juvenil, o que mostra que esses menores homicidas e estupradores de hoje não vão se recuperar jamais – vão é se aprofundar na crueldade.

Ao impedir que maioridade penal seja debatida em igualdade de condições entre os que são favoráveis à sua redução e os que são contrários, o governo federal – com o apoio das universidades e da maioria dos operadores do direito – está levando a nação brasileira para o inexorável caminho do suicídio. Notem que no Brasil já não existem mais os menores de rua. Esse que já foi, aparentemente, o maior problema nacional, simplesmente desapareceu da pauta dos debates. E por que isso ocorreu? Por que o problema foi solucionado? Não. Definitivamente, não. É que os menores de rua de ontem, graças ao Estatuto da Criança e do Adolescente, transformaram-se nos adultos de rua de hoje, quase todos drogados – uma tragédia humana de dimensões bíblicas, criada pelos engenheiros sociais das universidades e transformada em política pública pelo governo federal. Já os menores infratores, que antes eram menores de rua, viraram criminosos de casa. Hoje, um adolescente de 12, de 14 anos, entra no tráfico, bate ponto toda semana na delegacia de polícia e no conselho tutelar, mas continua morando com a família e frequentando a escola. Como nem seus pais nem seus professores podem repreendê-lo, muito menos a polícia pode prendê-lo, ele não tem motivo algum para fugir de casa e ir morar na rua. Pode continuar roubando e traficando e voltando para casa sempre, como se o crime fosse um trabalho. Com isso, o menor criminoso destrói a família, complementando o papel dos maiores de rua, que inviabilizam a cidade.



Publicado no Jornal Opção de Goiânia.


terça-feira, abril 16, 2013

A estatização da intimidade.







Por José Maria e Silva



“A cantora Daniela Mercury apresenta sua esposa e faz da união homossexual uma questão inadiável no Brasil.” Essa foi a manchete de capa da revista “Veja” da semana passada, que, na abertura da reportagem, reforça ainda mais a defesa do casamento gay e diz que sua discussão tornou-se “obrigatória” a partir da atitude da cantora. A despeito de se imaginar pós-moderníssima, essa capa de “Veja” me fez voltar 30 anos no tempo. A sorridente imagem de Daniela Mercury abraçada à sua “esposa” me lembrou um antigo samba de João Bosco e Aldir Blanc, responsáveis por alguns clássicos da música popular brasileira, como “O Bêbado e a Equilibrista”, de 1979, que se tornou uma espécie de hino da anistia na voz de Elis Regina. “A Nível de...” é o nome da música, que completa 31 anos: foi lançada em 1982, no álbum “Comissão de Frente”, de João Bosco, e conta a história de dois casais de amigos, cujos maridos, Vanderley e Odilon, “vão para o Maracanã todo domingo”, enquanto suas mulheres “se fazem companhia quando os maridos vão pro jogo”.

Os dois casais estavam muito descontentes com a relação convencional, machista: marido no futebol, mulher na cozinha. No estádio, Vanderley e Odilon criticavam o casamento, “e o papo mostra”, diz Bosco & Blanc, “que o casamento anda uma bosta”.

Em casa não era diferente: Yolanda, “assim a nível de proposta”, também diz que “o casamento anda uma bosta” e Adelina não discorda. Então, os casais resolveram buscar uma solução e “estruturou-se um troca-troca: Odilon agarrou o Vanderley e Yolanda, ó na Adelina”. Os novos casais ficaram ainda mais unidos: Vanderley e Odilon montaram um restaurante natural, “cuja proposta é cada um come o que gosta”, enquanto Yolanda e A­de­lina para provar que “viver é um barato” fo­ram “fazer artesanato”. Não demorou muito e Odilon, com ciúmes, começou a dar sopapos no Vanderley e Adelina dava na cara de Yo­landa. “E o relacionamento continua a mes­ma bosta”, conclui João Bosco, numa interpretação magistral, especialmente a que faz só com o violão, ao vivo, em estilo bossa-novista.

“A Nível de...” é uma bem-humorada crítica de costumes, o que significa que o casamento gay – ainda que como prática privada, entre cidadãos livres, e não como política pública, imposta pelo Estado – já estava em discussão há três décadas, nos estertores do regime militar, especialmente entre as pessoas de melhor nível social, que sempre toleraram a relação homossexual. Não só no Rio de Janeiro e São Paulo, mas até mesmo em Estados como Goiás, sempre houve homossexuais assumidos ocupando postos de relevância social em universidades e no meio artístico, com incursões não tão veladas assim até mesmo na política. Por isso, é espantoso que a revista “Veja” trate o banal anúncio de ca­samento entre uma artista e uma jornalista – classes que sempre estiveram na vanguarda dos costumes – como se fosse algo revolucionário, digno da genuflexão de todos os brasileiros. Mesmo criticando a cantora por ter associado o anúncio do casamento ao caso Marco Feliciano, a matéria não deixa de ser ridícula ao começar com uma frase de Daniela Mercury às vésperas de anunciar seu casamento com a jornalista: “Seja o que Deus quiser, Malu”. 



A Nivel de


João Bosco(quem já esqueceu)



Vanderley e Odilon
são muito unidos
e vão pro Maracanã
todo domingo
criticando o casamento
e o papo mostra
que o casamento anda uma bosta...

Yolanda e Adelina
são muito unidas
e se fazem companhia
todo domingo
que os maridos vão pro jogo.
Yolanda aposta
que assim a nível de Proposta
o casamento anda uma bosta
e a Adelina não discorda.
Estruturou-se um troca-troca
e os quatro: hum-hum... oqué... tá bom... é...
Só que Odilon, não pegando bem a coisa,
agarrou o Vanderley e a Yolanda ó na Adelina.

Vanderley e Odilon
bem mais unidos
empataram capital
e estão montando
restaurante natural
cuja proposta
é cada um come o que gosta.

Yolanda e Adelina
bem mais unidas
acham viver um barato
e pra provar
tão fazendo artesanato
e pela amostra
Yolanda aposta na resposta.
E Adelina não discorda
que pinta e borda com o que gosta.
É positiva essa proposta
de quatro: hum-hum... oquéi... tá bom... é...
Só que Odilon
ensopapa o Vanderley com ciúme
e Adelina dá na cara de Yoyô...
Vanderley e Odilon
Yolanda e Adelina
cada um faz o que gosta
e o relacionamento... continua a mesma bosta!




Até Caetano Veloso deve ter estranhado tanto drama. Afinal, em pleno regime militar, ele e Gilberto Gil já usavam brincos, vestiam saias, beijavam homens na boca e inspiravam outros artistas a fazerem o mesmo pelo país afora, inclusive em Goiás, onde o escritor Leo­nardo do Carmo deixou-se fotografar de saia, todo garboso. Ao contrário do que insiste em dizer a revista “Veja”, um artista sair do armário há muito deixou de ser ato de coragem – não passa de uma estratégia de publicidade. Em 1986, por exemplo, o roqueiro galã Paulo Ricardo já saía do armário para todo o Brasil ver, beijando Caetano Veloso na boca em pleno horário nobre da Rede Globo. Nada alimenta mais a carreira de um artista do que se declarar gay. Daniela Mercury, que sempre foi uma cantora de segundo escalão da MPB e andava musicalmente sumida desde que namorou Chico Buarque, agora dá a volta por cima como celebridade, ao anunciar seu casamento gay, que, obviamente, não choca mais ninguém. Hoje, isso é papo de crianças do ensino fundamental, que, aos 10 anos, já estão fazendo trabalho escolar sobre transexuais, sexo oral, sexo anal, tro­ca de casais e outros “temas transversais” recomendados pelo MEC, co­mo se viu recentemente numa es­cola de Con­tagem, em Mi­nas Ge­rais, com o apoio da Secre­taria de Edu­ca­ção do município.

A canção “A Nível de...”, de João Bosco e Aldir Blanc, é um contraponto a “Super-Homem — a Canção”, de Gilberto Gil, composta numa madrugada de março de 1979, na casa de Caetano no Rio, onde Gil estava de passagem a caminho dos Estados Unidos. Ele conta que se inspirou numa narrativa que Caetano fez do filme “Super-Homem”, que tinha acabado de estrear no cinema. E diz, taxativo, sobre a “porção mulher” de que fala a música: “Muita gente confundia essa música como apologia ao homossexualismo, e ela é o contrário. O que ela tem, de certa forma, é sem dúvida uma insinuação de androginia, um tema que me interessava muito na ocasião – me interessava revelar esse embricamento entre homem e mulher, o feminino como complementação do masculino e vice-versa, masculino e feminino como duas qualidades essenciais ao ser humano. Eu tinha feito ‘Pai e Mãe’ antes, já abordara a questão, mais explicitamente da posição de ver o filho como o resultado do pai e da mãe. Em “Superhomem – a Canção”, a idéia central é de que pai é mãe, ou seja, todo homem é mulher (e toda mulher é homem)”.

Não foi por acaso que “Su­per-Homem — a Canção” foi en­ten­dida com uma apologia ao homossexualismo. Entre muitos intelectuais de vanguarda da época, o homossexualismo se con­fundia com essa visão an­drógina exposta por Gilberto Gil. Ele era apresentado à sociedade não como o grito contestatório de um terceiro sexo, ou de uma miríade de sexos, como é hoje, mas como a superação do sexo meramente carnal. As fe­mi­nistas — então aliadas dos ho­mossexuais e não suas escravas, como iriam se tornar depois — viam no homossexualismo uma for­ma de combater a excessiva virilidade do homem, que, sem dúvida, está na raiz da violência. Achavam que se os homens pudessem chorar e mostrar o seu lado sensível (a sua “porção mu­lher”), o mundo seria um pouco melhor. Para isso, era preciso valorizar mais a alma que o corpo, ou seja, o masculino não devia ser determinado pelo pênis, nem o feminino pela vagina, pois isso era o que chamavam de “sexismo”. E toda a educação sexual que já começava a ser levada para as es­colas tinha esse propósito na época – superar o sexismo, que punha em conflagração pênis e vagina, para melhor realçar a alma humana, que possibilitava a comunhão de homens e mulheres.






Retrocesso sexista gay

Por isso, era impensável, naquela época, colocar no mesmo patamar o homossexual sensível, que extravasa com delicadeza a sua “porção mulher”, com o travesti violento de ponta de esquina, que encarna o que há de pior no feminino, exercitando a prostituição no fio da navalha. O travestismo, de um modo geral, é a síntese do que há de pior na natureza humana: ele reúne a tendência natural da mulher para violentar a si mesma com a tendência natural do homem para violentar o outro. Ou seja, faz justamente o contrário do que propõe “Super-Homem — a Canção”: o travesti, quase sempre, busca na natureza feminina a sua “distorção prostituta”, daí os trejeitos afetados, mas não abre mão de manter a “distorção primata” de sua natureza masculina, daí a agressividade à flor da pele, como a da célebre Madame Satã, que encanta os intelectuais. Mas, hoje, para o movimento gay, o travestismo — mesmo aquele que se prostitui nas ruas e se comporta de modo agressivo — deve ser socialmente valorizado e até apresentado para as crianças nas escolas como uma “orientação sexual” respeitável. É a volta do velho sexismo, promovido justamente por quem dizia combatê-lo — os gays e as feministas, suas escravas mentais.

Cada vez que o movimento gay se rende à ilimitada capacidade de invenção do desejo e acrescenta uma sigla a mais ao seu movimento, mais ele se torna sexista. O arcaico patriarcalismo, que impedia o menino de brincar de boneca e condenava a menina por brincar na rua, jamais foi tão sexista quanto essa cultura de gays e feministas a que somos submetidos hoje. As nefastas campanhas de prevenção da aids reduziram os homens a um pênis e as mulheres, a uma vagina. E o único diálogo possível entre esses seres estanques no próprio sexo é a camisinha. É possível que, em toda a história do mundo, salvo talvez entre os primatas, nunca tenhamos sido tão aviltados em nossa natureza humana, que perdeu qualquer aspiração à transcendência, para se reduzir ao sexo carnal perigosamente reconfigurado em laboratório. É como se a nossa alma tivesse abandonado o coração e o cérebro para entrincheirar-se no meio das pernas — sem razão nem sensibilidade. Isso é tão evidente que até a celebrada Daniela Mer­cury, mesmo se apresentando como uma espécie de vanguarda comportamental, chamou a sua nova companheira de “esposa”. Ora, Se a jornalista vai ser a “esposa”, então a cantora será o “marido” — e voltamos à velha dicotomia ho­mem/pênis, mulher/vagina (isto é, à sátira de Bosco & Blanc), justamente numa relação que só faz algum sentido se for para superá-la, ao menos em público.

Ao contrário do que a classe letrada tenta fazer crer, o casamento gay é um verdadeiro retrocesso. Ao invés de superar o casamento natural entre homem e mulher, ele tenta imitá-lo. Mas, ao se apresentar como matrimônio, o casamento gay se torna uma farsa, pois lhe falta para tanto não apenas o substrato biológico, mas também a necessidade social. Afinal, o matrimônio existe não para promover devaneios individuais, mas para garantir a reprodução da sociedade. Prova disso é que o matrimônio nunca amparou o amor romântico, pelo contrário, frequentemente se colocava, de modo pragmático, contra o romantismo do casal, aconselhando a mulher a escolher um homem que pudesse sustentá-la e aconselhando o homem a escolher uma mulher que pudesse lhe dar filhos e cuidar deles. É a fórmula do Dr. Simão Baca­mar­te ironizada por Machado de Assis, na obra-prima “O A­lienista”. Mas foi sobre essa fórmula, em que pese todos os seus defeitos, que se construiu o mun­do moderno. Sem a família tra­dicional, o Ocidente não teria alcançado o grande desenvolvimento social e econômico que alcançou, e o próprio indivíduo – como “sujeito de direitos”, para usar uma expressão tão cara à pós-modernidade – jamais teria alcançado o estatuto humano que o emancipou de condição de mero súdito apenso ao Estado.



Mulher não é gado

Em vez de pleitear o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, como quer o deputado do BBB (Jean Wyllys, do PSol-RJ), gays e feministas deviam denunciar o caráter retrógrado do matrimônio convencional, que precisa acompanhar a evolução dos costumes. Ainda hoje, mulheres e homens continuam casando como se fossem viver eternamente juntos — o que é altamente desejável, mas nem sempre é possível. Prova disso é que as mulheres, em sua esmagadora maioria, continuam adotando o sobrenome dos maridos — um resquício do patriarcalismo mais retrógrado que devia ser proibido por lei. Mulher não é gado do homem para ser marcada com seu nome, ainda que não mais com ferro e, sim, com tinta e papel. Os casamentos hoje não costumam durar dez anos e há mulheres que se casam legalmente duas, três vezes. Qual razão de se permitir essa prática arcaica, que não faz nenhum sentido diante da emancipação da mulher moderna e só aumenta a burocracia dos famigerados cartórios? É certo que o novo Código Civil — ridículo e insano como todas as leis contemporâneas — permite ao homem adotar o sobrenome da mulher. Mas alguém conhece algum caso do gênero? Melhor era proibir de vez a mudança de nomes para qualquer dos cônjuges.

O casamento tradicional não foi feito para um homem e uma mulher em busca de amor romântico, mas para um pai e uma mãe poderem formar família, criando e educando filhos até sua idade adulta. Se os gays não fazem filhos naturalmente, qual o sentido de pleitearem o matrimônio com todos os direitos a ele inerentes? Os casais gays podem e devem ter o direito a formalizar contratos de união civil, algo já garantido há muito pelo direito brasileiro, mas não podem se arvorar a ser um casal tradicional, com direito a privilégios que só fazem sentido numa relação em que há filhos naturais que precisam de cuidados. É um absurdo a falida Previdência brasileira ser obrigada a amparar com pensão um homem gay, sem filhos, capaz de se sustentar, apenas porque ele se julga a “esposa” de seu falecido cônjuge. Em vez de estender aos gays esse abusivo privilégio, a sociedade precisa é tirá-lo das mulheres que se especializam em viver da pensão de ex-maridos mesmo quando não precisam disso.

Infelizmente, o direito de família seguiu o caminho inverso e, de um modo absolutamente esquizofrênico, junta o que há de pior nos dois mundos — o mundo do matrimônio tradicional entre o marido provedor e a mãe dona de casa e o mundo da mulher emancipada em que os filhos são criados por babás. Em vez de suprimir alguns antigos direitos legítimos das mulheres que, com sua emancipação, se tornaram privilégios, o direito de família fez o exatamente contrário — estendeu esses privilégios aos homens, forjando uma igualdade artificial entres os sexos e aumentando a possibilidade de divórcios litigiosos. Com isso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julga anualmente milhares de casos envolvendo problemas de partilhas e pensões decorrentes de divórcio. Isso significa que esses processos não se resolvem nas instâncias inferiores e se arrastam nos tribunais, atulhando o Judiciário e acarretando dissabores para as partes litigantes, além de muito sofrimento para os filhos.



Policiais do desejo


Há diversos casos de mulheres sendo obrigadas pela Justiça a pagar pensão alimentícia ao ex-marido e, se o caso envolve a guarda dos filhos por parte do ex-marido, elas chegam a ser presas. Na cidade paulista de Taubaté, uma grávida de nove meses foi presa em maio de 2012 por ter atrasado o pagamento da pensão alimentícia do ex-marido, que ficara com a guarda de sua filha de 4 anos. Na época, o presidente da seccional da OAB em Taubaté, Aluísio Nobre, disse que a gravidez não é um impedimento para o cumprimento da ordem judicial de prisão e que o juiz pensou apenas na “sobrevida” da filha que estava esperando a pensão alimentícia. Ora, quem corre mais riscos: a criança que está sob a guarda do pai e apenas teve sua pensão atrasada ou a criança que pode até ser abortada num flagrante de prisão ou pode ficar, no mínimo, com sequelas psicológicas diante desse ato traumático envolvendo sua mãe?

Os casos de prisão de mães por falta de pagamento de pensão alimentícia já estão ficando corriqueiros. É preciso discutir a forma draconiana com que os juízes aplicam essa previsão legal. Muitos homens — e, agora, também mulheres — são atirados na cadeia sem nem mesmo ser ouvidos pelo juiz, apenas com base nas queixas do ex-cônjuge, muitas vezes movido pela raiva. Pai que não cuida do filho merece ser preso? Eu digo que nem deveria ter tido filho, mas, já que teve, não adianta transformá-lo num presidiário, como se não pagar pensão fosse o pior dos crimes num País que deixa soltos estupradores, assassinos e latrocidas. Além disso, pai que não presta dificilmente é preso por não pagar alimentos. Bandidos costumam ter filhos com mais de uma mulher e ai delas se ousarem reclamar da falta de pensão alimentícia: serão espancadas, ameaçadas de morte ou mortas. O pai que costuma ser preso é justamente aquele trabalhador honesto que tem dificuldade de pagar a pensão porque constituiu nova família e, ao se ver mandado para a cadeia, aí é que não consegue pagar mesmo pois o que seria para os filhos da antiga e da nova relação acaba indo para o bolso do advogado.

São essas mazelas do casamento tradicional — agravadas por leis esquizofrênicas — que esperam o novo casamento gay, cantado em prosa e verso pelos intelectuais. E, aí, os litígios judiciais na área do direito de família serão ainda mais difíceis de resolver, pois, em muitos casos, nem envolvem pais de carne e osso e, sim, sêmens anônimos de bancos de esperma. Os Estados Unidos já são pródigos em ações judiciais bizarras envolvendo essas pobres cobaias de laboratório, filhas tanto de casais homossexuais quanto de casais heterossexuais. O Brasil segue por esse caminho, com um agravante — como aqui o Estado é ainda mais gigantesco e invasivo, a saga do movimento gay no sentido de se apropriar do casamento tradicional representa um perigo para toda a sociedade. Como o casamento gay não se sustenta na necessidade concreta de reprodução social, como o antigo matrimônio, e, sim, nos desejos subjetivos de indivíduos sexualmente cambiantes, ao querer transformá-los em direitos garantidos por lei, o movimento gay coloca em risco a própria liberdade — pois o Estado será chamado não apenas para proteger a família concreta, mas para policiar a concretização dos desejos, estatizando perigosamente a intimidade.

Publicado no Jornal Opção.
Fonte - Mídia Sem Máscara