terça-feira, março 11, 2014

Epidemia de generalizações.





por Paulo Rosenbaum 




Os acontecimentos na Ucrânia precisam e merecem inversão do pensamento. Aquilo a que temos assistido é mais um atestado de falência da diplomacia internacional. Falham numa das premissas essenciais a se evitar no ramo: uma epidemia de generalizações. Os russos são imperialistas. Os americanos só enxergam suas necessidades. O Ocidente é malévolo. Os ucranianos que se rebelaram contra o títere russo são fascistas.

De fato, um dos principais líderes, fervoroso ultranacionalista, impõe um vocabulário esdrúxulo, anacrônico e antissemita. Lidera uma corrente fascista, antiga como os progrons contra as minorias que remontam ao século 16. Mas, e os democratas, a maioria entre os combatentes da praça? E a significativa parcela do povo ucraniano que derrubou o presidente que ordenou abrir fogo nos insatisfeitos? E, aqui sim, pode-se responder por antecipação aos argumentos erráticos que tentaram embasar a invasão. Por que os manifestantes foram às barricadas? Por que escolheram a resistência não pacífica? E o principal: por que não o fizeram pela via democrática, o voto?

Um dos limites da democracia — um problema não previsto e muito menos equacionado — é quando o eleito usa das prerrogativas do poder conquistado nas urnas mas faz — por motivações ideológicas, pessoais ou pecuniárias — o que lhe parece mais conveniente. Pois é o que vemos em muitos países. A solução de impeachment vai ficando cada vez mais difícil, chega a sumir do horizonte, quando os poderes são amalgamados e controlados pelo Executivo.

E se nenhuma daquelas generalizações tiver consistência? É que, para fugir da complexidade pouco analisável, gostamos das reduções. Encolhidas a meras teorizações genéricas, pretensamente analisáveis, as matérias parecem nos dar a segurança da compreensão. Às vezes, ela é só uma ilusão, um ardil para não nos atordoar.

Obama se retrai diante de alguém que fala mais grosso e coloca seus diplomatas para fazer ameaças difíceis de cumprir. Enquanto acusam os fascistas, os russos violam a soberania da Ucrânia, enquanto Obama se retrai diante de alguém que fala mais grosso, coloca seus diplomatas para fazer as ameaças difíceis de cumprir. Todos fazem o jogo de fingir que são quando na verdade motivações ocultas é que dão as cartas: acesso ao mar, território rico em commodities.

Se a história é um registro, a interpretação pode virar sua borracha. Que outra explicação para que uma das primeiras medidas do novo Parlamento ucraniano tenha sido a aprovação — num país multiétnico — da supressão do russo como segunda língua? Inexperiência ou provocação? Inabilidade ou estupidez?

Putin, experiência curricular de ex-diretor da KGB, nem precisava de aulas extras de xadrez para enquadrar o falatório hesitante dos líderes do Ocidente. Ninguém tem saudades de Bush filho, mas não vamos exagerar. É o caso, com a desconcertante ingenuidade com que o atual presidente americano lida com questões gravíssimas. Por sua vez, Vladimir, com sua racionalização justificacionista e a liberdade hipnótica com que manipula os fatos, não macula sua habilidade. Nada menos que espetacular chamar a invasão de “resgate humanitário”.

Com a maior parte dos lideres ocidentais impotentes e em pânico, resta esperar que o efeito dissuasivo do piloto para a anexação da Crimeia se esgote e Putin volte a reinar, só, em seu enorme feudo. É que lá, como cá, também não se escuta a oposição. Quem imagina que a temperatura das guerras esfria, pode só estar com problemas de percepção térmica e de aclimatação.

A verdade é que nada é, nem parece.


Fonte: Pletz

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