por Percival Puggina
Morreu em 28 de fevereiro, em Miami, aos 95 anos, Huber Matos Benítez, revolucionário cubano de 1959. Ele foi o primeiro a passar pelo infindável martírio que a adesão de Fidel ao marxismo-leninismo, posterior à sua malfadada revolução, impõe ao povo de Cuba. Presto minha homenagem a esse valente cidadão, verdadeiro herói, com todos os méritos e dores inerentes a tão qualificador substantivo. Em reverência a ele transcrevo um trecho do meu livro "Cuba, a Tragédia da Utopia":
A Tragédia da Utopia - Cuba - Percival Puggina consegue uma rara e equilibrada mistura entre relato de viagem, análise política e documentação de dissidentes. as páginas são percorridas segundo o ritmo de suas viagens, nos seus encontros pessoais com os contestadores do regime, em suas conversas informais com pessoas encontradas ao acaso e em suas leituras que nos propiciam um panorama claro e preciso dessa ilha dominada por um liberticida.
São vários os casos emblemáticos na caminhada de Fidel sobre cadáveres rumo ao poder absoluto, sempre secundado pelo mano Raul. Um deles é o do comandante Hubert Matos. Na hierarquia revolucionária não havia coronéis nem generais. O posto máximo era o de comandante. Huber Matos entrou em Sierra Maestra e em combates que se seguiram, após intermediar uma operação considerada decisiva para a vitória de Fidel: o fornecimento de armas e munições, em meados de 1958, para a arremetida final contra o exército de Batista. Ganhando o posto de comandante e contando com a confiança de Fidel, passou a divergir dele quando percebeu o alinhamento comunista de seu líder. Ele relata sua amarga experiência no livro "Como llegó la noche". (baixe arquivo em PDF)
Ainda em janeiro de 1959, Fidel o declarou como o terceiro homem da revolução. Na ocasião, os principais comandantes eram Fidel, seu irmão Raul, Che Guevara, Camilo Cienfuegos e Huber Matos. O próprio Matos se declarou surpreso com a designação que recebeu: "Primero estoy yo, luego Raúl y después estás tú". Com efeito, Fidel não tinha muita confiança no equilíbrio de Che, Raul tinha ciúmes de Che e ambos desdenhavam Camilo, a quem consideravam um tipo boêmio com pouca rigidez de espírito (embora tivesse grande apelo popular, o que desagradava profundamente o Líder Máximo). Matos relata que certa feita, ainda nos primeiros meses de 1959, após visitar uma obra no porto de Havana onde Fidel falou aos operários, retornando os dois pelo Malecón, perguntou ao chefe sobre seus planos para concretizar a promessa de participação dos operários nos resultados das empresas. E Fidel lhe respondeu: "No Huber, eso no lo podemos hacer, porque si propiciamos que los trabajadores tengan independencia económica, de ahí a la independencia política no hay más que un paso. No podemos!”.
Diante do que estava percebendo, Matos enviou a Fidel uma carta pessoal, apontando divergências e afirmando que não tinha qualquer intenção de criar problemas para a revolução. Na carta, pedia seu afastamento, em caráter irrevogável do posto de comando que detinha em Camaguey. Foi o que bastou para ser levado a julgamento por alta traição em outubro de 1959. Fidel compareceu pessoalmente ao julgamento para acusar seu antigo companheiro, tomando como base de acusação o fato de que a notícia da renúncia de Matos circulava abertamente na província que ele dirigia e suscitava reações de antagonismo à revolução entre os soldados. A leitura da ata da sessão é uma evidência dos critérios partilhados pelos tribunais revolucionários. Matos é acusado de voltar atrás de seu juramento de lealdade, de atingir com sua renúncia o vigor da revolução, de tentar destruir com seu gesto o patrimônio simbólico e espiritual da revolução. Resumo da missa: "condenado a 20 anos de prisão".
Huber Matos cumpriu integralmente essa sentença, do primeiro ao último dia, por ordem do canalha que há mais de meio século infelicita a nação cubana e recolhe tanto apreço do aparelho político-partidário que governa nosso país.
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