terça-feira, março 10, 2015

Sobre o vídeo “óóun que fofo” da semana.







Sobre o vídeo “óóun que fofo” da semana.
por Alexandre Borges para o Mídia Sem Máscara






Se você não estava em Marte já viu o vídeo “óóun que fofo” da semana (logo abaixo, infelizmente), promovido pelo Ad Council, uma associação de publicitários criada em 1941 para a criação e divulgação de campanhas “sociais”.



O vídeo mostra a campanha “Love Has No Labels” (o amor não tem rótulos), criada por dois publicitários da agência R/GA de Nova York e patrocinada pela Coca-Cola, P&G, Allstate, StateFarm, Pepsico e Unilever. Nele, o público vê esqueletos se beijando e depois descobre que são, na visão dos criadores da campanha, vítimas de preconceito por cor, origem, religião ou orientação sexual. OK, pode falar “óóun que fofo” se quiser, todo mundo é a favor do amor, mas pense um pouco mais sobre esse vídeo.

Imagine Adolf Hitler e Heinrich Himmler batendo um papo animado sobre os resultados da “solução final” em 1943. Como seus esqueletos apareceriam na mesma situação? Mãos nos ombros e sorrisos largos, certo? Uma prova de amizade acima dos “rótulos”. E como ficariam os esqueletos dos psicopatas do ISIS enquanto planejam o próximo corte de cabeças? Os esqueletos deles são diferentes dos de vocês? Não, queridos, não estou comparando beijos com nazismo, o assunto é outro.

Como estariam os esqueletos de Josef Stálin e Lavrentiy Beria combinando o próximo extermínio de ucranianos? Ou de um chefe do tráfico num morro qualquer rindo do relato da última vítima mandada para ser queimada em pneus? Ou de Renato Duque e Paulo Roberto Costa combinando o percentual do próximo esquema de bilhões do Petrolão? Como seria a imagem dos esqueletos de Champinha e Pernambuco conversando sobre a tortura, estupro e morte de Liana Friedenbach?

Esqueletos são iguais, mas somos mais que esqueletos. Somos mais que nossa fisiologia, nossos instintos, mais que carne e osso. Somos o que pensamos, acreditamos, tememos, defendemos, atacamos, somos o que sabemos ou queremos saber, o que falamos e o que ouvimos, somos mais que corpo, somos também “espírito”, “alma” ou a nossa consciência, razão, intuição, emoções e escolhas, memórias, experiências, crenças e idéias.

Você verá que muito do discurso ideológico do mundo de hoje namora com a idéia da negação do pensamento, da civilização, do progresso e da razão, com uma volta romântica ao paleolítico e à nossa “natureza animal”. Desde o “bom selvagem” de Rousseau até os movimentos nudistas, passando pela arte que usa dejetos humanos nas pinturas ou músicos que dão shows emitindo grunhidos, da feminazis que usam roupas com a menstruação aparente ou atores que fazem surubas como se fossem performances, a valorização da fisiologia como definidora da existência e a negação do pensamento, do que distingue o homem dos outros animais, dá o tom.

Desde Marx, a idéia de que você é nada mais que um conjunto de preconceitos e representa apenas “interesses de classe” ganhou força e até hoje influencia o debate direta ou indiretamente. Como você seria incapaz de um “pensamento livre”, é preciso se despir do que te prende à sua classe e se entregar ao paraíso na Terra imaginado pelo marxismo, uma sociedade sem classes e sem preconceitos, “de cada qual, segundo sua capacidade e a cada qual, segundo suas necessidades”. A sociedade passaria a ser fisiológica, de corpos (esqueletos) que comem, transam e dormem, livres da responsabilidade de pensar, fazer escolhas, tomar decisões e separar “o joio do trigo”, o bem do mal, o certo do errado, o justo do injusto.

Para quem pensa assim, Shakespeare não é o maior dramaturgo de todos os tempos, é apenas “um homem branco representante das elites”. Ele, assim todos nós, seria incapaz de pensar livremente, ele apenas coloca em palavras o que sua classe e sua raça querem que ele coloque para explorar e oprimir. Nesse caso, a parte mais “valiosa” de Shakespeare é seu esqueleto, desprovido de idéias próprias, e a única que deveria ser valorizada.

Este vídeo, que tem por exemplo homossexuais se beijando em público, seria impossível em diversas partes do mundo em que pessoas com o mesmo esqueleto que os dos ocidentais considerariam o ato uma ofensa passível de chibatadas e morte. O que nos diferencia deles não é o esqueleto, o que permite que sejamos tolerantes é o nosso cérebro e não a tíbia ou a omoplata.

A construção de uma sociedade tolerante e livre, uma obra que levou séculos e que permite que existam Coca-Cola, P&G, Allstate, StateFarm, Pepsico e Unilever para patrocinar esse vídeo, é da lavra de pessoas com esqueletos iguais aos de Hitler, Marx, Stálin, Mao, Pol Pot ou Champinha, mas com idéias totalmente diferentes, e são essas idéias que precisam, mais do que nunca, ser defendidas.

Não lute apenas por seu esqueleto, lute pelas idéias que fizeram da sociedade ocidental o grande experimento da história da humanidade. São essas idéias que protegem você de virar apenas um esqueleto mais cedo do que gostaria.


Alexandre Borges é diretor do Instituto Liberal.

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