ESCRITO POR JOSÉ MARIA E SILVA | 09 FEVEREIRO 2012
Enquanto o país chafurda na latrina moral do Big Brother e na corrupção anunciada da Copa do Mundo, a legislação brasileira está sendo subvertida pelo ativismo do Poder Judiciário, que resolveu ser uma espécie de vanguarda revolucionária, impondo à nação por meio das leis o que a esquerda queria impor por força das armas. E as principais vítimas desse verdadeiro Estado Patológico de Direito são as mulheres, pois elas precisam da civilização para sobreviver, mas o Brasil está submergindo na barbárie. Prova disso são os 50 mil homicídios anuais, numa evidência cabal de que a pena de morte já existe no Brasil – como monopólio dos bandidos, que dispõem da vida dos demais cidadãos, com a cumplicidade criminosa dos intelectuais universitários e das autoridades constituídas.
Graças principalmente às feministas, as mulheres jamais estiveram tão desprotegidas quanto estão hoje. São vítimas duplamente – dos crimes e das leis. E é natural que isso ocorra. Lugar de mulher é na civilização. Onde impera a barbárie, como no Brasil, elas são as maiores vítimas. Nas guerras, as mulheres se tornam espólio sexual do exército vencedor. Como o Brasil vive uma guerra civil, em que os bandidos massacram cotidianamente uma população desarmada, as mulheres estão virando espólio de bandido. As cadeias femininas, cada vez mais cheias, são fruto dessa barbárie. E o que é mais grave – trata-se de uma barbárie promovida pelo próprio Estado, a pretexto de respeitar os direitos humanos dos criminosos (leia-se “homens”, pois eles são quase a totalidade dos autores de crimes hediondos).
Pelo fato de ter sido acompanhada pela permissividade sexual, a emancipação da mulher já não serve para protegê-la da violência. A Lei Maria da Penha é inútil; ela própria é fruto dessa permissividade, tanto que se preocupa mais com os gays do que as mulheres. Hoje, as mulheres estão deixando de apanhar dos maridos – pela simples razão de que estão apanhando precocemente dos namorados. O sujeito não dá nem o pão, mas se sente no direito de dar o castigo. O Estado, a partir da própria escola, está arrancando as meninas da autoridade paterna para entregá-las à autoridade do mundo – ditada pela bárbara lei do mais forte. E, por mais que as feministas digam o contrário, na relação entre homem e mulher, o homem é o mais forte. Até porque, se o homem for fraco, ele nem arranja mulher – elas mesmas não o querem.
Crime de não ser virgem
Homens e mulheres devem ser iguais em direitos. E só é possível alcançar esse ideal respeitando suas diferenças – que são ditadas pela própria natureza. Mas a legislação brasileira – que incorporou as loucuras da esquerda, inclusive a patologia feminista – abomina a ideia de que homens e mulheres são naturalmente desiguais. A mulher está sendo obrigada a concorrer com o homem mesmo em áreas em que é mais frágil. Uma delas é o sexo. O homem não engravida e não é obrigado a carregar no próprio corpo os pecados do mundo. Mas a Justiça brasileira não percebe essa diferença e acabou com o estupro presumido. Hoje, meninas de apenas 12 anos são condenadas pela Justiça a se responsabilizarem sozinhas pelo sexo que praticam com adultos. É a legalização da pedofilia, justamente quando os intelectuais universitários mais fingem gritar contra ela.
Em 2 de janeiro último, o informativo eletrônico “Consultor Jurídico” divulgou uma sentença da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmando a absolvição de um homem de 22 anos acusado de estuprar uma menina de 12 anos. O homem fora absolvido em primeira instância, mas o Ministério Público recorreu da decisão. Com isso, o caso, que inicialmente fora julgado na Comarca de Quaraí, no interior gaúcho, chegou ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. De nada adiantou: os desembargadores gaúchos também entenderam que um adulto manter relações sexuais com uma menina de 12 anos não configura “estupro de vulnerável”, como prevê o Código Penal, porque, no caso, a relação sexual foi consensual e a menina não era mais virgem.
E não se trata da primeira decisão do gênero – esse entendimento já se tornou jurisprudência, tanto que os desembargadores gaúchos sustentaram sua sentença com base em acórdãos recentes de tribunais estaduais. Em 26 de maio de 2011, a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte absolveu da acusação de estupro de vulnerável um homem que havia tido relações sexuais com uma menina de 13 anos. E em 30 de agosto de 2011, foi a vez da 16ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo adotar o mesmo entendimento, absolvendo o réu adulto que também havia praticado sexo com menor de 14 anos. Em todos esses casos, os magistrados tornaram relativa a figura penal do “estupro de vulnerável”, que, a partir da Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, substituiu o “estupro presumido” no Código Penal no caso de sexo com menores de 14 anos.
Jurisprudência pró-réu
Essa jurisprudência decorre da excessiva liberação dos costumes, que erotiza precocemente as crianças. O sexo infantil vem sendo promovido nas próprias escolas, por meio da permissiva educação sexual do MEC. Crianças de dez anos vêm sendo adestradas no uso da camisinha, o que motivou uma ação contra o MEC movida pela bancada evangélica no Congresso Nacional, liderada pelo deputado goiano João Campos (PSDB). E, coroando esse trabalho corrosivo do governo, os tribunais já criaram jurisprudência no sentido de não punir de nenhuma forma homens adultos que praticam sexo com criança. Em Goiás, já houve até o escabroso caso de uma menina de 12 anos que fez sexo com um assaltante dentro da cadeia de Anápolis – aliciada pelo próprio pai, também presidiário – e nada, absolutamente nada, aconteceu com os dois criminosos em decorrência desse fato. No entendimento dos poderes constituídos goianos, a culpa pelo estupro foi unicamente da menina.
Desde a década de 90, a Justiça já vinha descaracterizando a figura do estupro presumido nos casos de sexo consentido com menores de 14 anos. Em decisão publicada em 20 de setembro de 1996, o ministro Marco Aurélio Mello, como relator de um pedido de “habeas corpus” para um acusado desse tipo de crime, considerou que se houve “aquiescência da mulher” e a menor de 14 anos tinha aparência de moça, não havia porque condenar o réu. Posteriormente, o juiz Ary Queiroz tomou decisão semelhante em Goiás. Desde então, diversos magistrados e tribunais vêm inocentando réus acusados de manter relações sexuais sem coação com menores de 14 anos. E a mudança no Código Penal de “estupro presumido” para “estupro de vulnerável” não mudou a jurisprudência, que continua favorável aos adultos envolvidos e não às meninas.
Os juízes costumam ser radicalmente contrários à redução da maioridade penal, mesmo diante de crimes bárbaros praticados por menores de 18 anos. O argumento é que os menores não estão maduros para compreender a gravidade dos homicídios, estupros e latrocínios que praticam e não podem ser julgados como um adulto. Todavia, quando se trata de uma menina de 12 anos que, por falta de berço, acaba na cama de um homem, os magistrados defendem justamente o contrário. Para eles, se a relação sexual não foi violenta, então a culpa é da própria menina. As sentenças judiciais não têm tido o menor cuidado em preservar essas pequenas vítimas. É como se a absolvição do réu exigisse a condenação delas, que são tratadas com muito mais dureza do que os menores que se envolvem em latrocínio, homicídio e estupro.
Um “menino” de 22 anos
É o caso da decisão tomada por uma juíza da Comarca de Quaraí, no interior do Rio Grande do Sul. Em sua sentença absolvendo o réu acusado de estupro de vulnerável, por manter relações sexuais com uma menina de 12 anos, a magistrada gaúcha Luciane Inês Morsh Glesse escreveu: “Embora a vítima tenha afirmado que o réu foi o primeiro com quem manteve relações sexuais, ainda assim, existem dúvidas de que não tenha consentido, mormente pelo depoimento várias vezes contraditório, pois ao ser questionada se gostava do réu, disse que um pouco e que ele ‘meio que forçava’ para que transassem, mantendo relações porque ele ameaçava terminar o relacionamento, entretanto, quando perguntado se queria continuar namorando com o réu, respondeu que não”.
Diante disso, a juíza afirma textualmente em sua sentença: “Ora, se uma pessoa não tem interesse em seguir mantendo um relacionamento amoroso, não teria motivo para se intimidar ao ser ameaçada pelo término do namoro”. Reparem na interjeição “ora”. O “Aurélio” ensina que ela exprime “impaciência, zombaria, menosprezo, dúvida”. É correto um magistrado usar essa linguagem para se referir à fala de uma menina de 12 anos que fez sexo com um adulto? Por acaso essa criança – diante de policiais e juízes – é obrigada a explicar sua atitude com lucidez aristotélica? É possível caracterizar como “relacionamento amoroso” a relação sexual entre uma menina de 12 anos e um adulto de 22 e, ainda por cima, deixar sobre os ombros da menina praticamente toda a responsabilidade pelas consequências dessa relação?
Uma conselheira tutelar, ouvida como testemunha no caso, disse que a menina se “envolvia com meninos” desde a idade de onze anos. Então, a juíza, referindo-se ao acusado de 22 anos, indaga: “E era outros meninos ou era esse menino aqui?”. Notem que a mesma juíza que usa de uma interjeição zombeteira para dizer que o “argumento” da menina de 12 anos “caiu por terra”, como se estivesse falando de um criminoso tentando enganar a Justiça, chama de “menino” justamente o adulto acusado de se relacionar sexualmente com ela. E parece fazê-lo numa audiência, talvez diante da própria vítima, pois a testemunha respondeu: “Era um menino que tinha uns doze anos talvez, mas o de mais impacto foi esse rapaz aí”. Então, com base na experiência sexual anterior da vítima, a juíza descartou a possibilidade de ameaça ou violência para a prática do sexo e absolveu o réu.
Perseguindo o capitalismo
O Ministério Público não se conformou com a decisão e recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Mas a sentença da 7ª Câmara Criminal da referida corte também foi dura com a menina, apesar de uma frase do acordão (“atualizados os antecedentes criminais do mesmo”) fazer crer que se a menina tinha “experiência sexual”, como escrevem os juízes, o réu também tinha “experiência criminal” antes ser acusado de estupro de vulnerável. Mesmo assim, o tribunal o absolveu, alegando que “a ofendida apresentava certa experiência em assuntos sexuais” e que “não era mais virgem ao tempo do início do relacionamento com o denunciado”. “Com olhos em tal realidade”, escreve a desembargadora Naele Ochoa Piazzeta, “tenho que o caso em apreço permite a relativização do conceito de vulnerabilidade”. A relatora foi acompanha pelos desembargadores Carlos Alberto Etcheverry e José Conrado Kurtz de Souza, que participaram do julgamento.
Como se vê, o Código Penal brasileiro (que protege de modo obsessivo os criminosos homens, especialmente menores) entrega as meninas à sua própria sorte. Praticamente todas as sentenças judiciais que relativizam o antigo conceito de “estupro presumido” (e, agora, o confuso conceito de “estupro de vulnerável”) assentam-se numa sociologia chinfrim. Os juízes alegam que os costumes sexuais mudaram e que os jovens amadurecem sexualmente de modo precoce, portanto, não caberia falar de “estupro de vulnerável” como no caso dessa menina. Ora, se uma criança começa a praticar sexo aos onze anos de idade, como se pode falar em “amadurecimento” sexual? Pelo mesmo critério, os menores de 18 que cometem crimes violentos também não deveriam ter a proteção da lei, uma vez que mostram inegável experiência criminal. Uma criança precocemente entregue ao sexo é, sem dúvida, muito mais vulnerável do que as outras, pois obviamente não conta com a proteção da família e, para usar a expressão da conselheira tutelar, está “largada” no mundo.
Em tese, a Lei 12.015, que mudou radicalmente a tipificação dos crimes sexuais no Código Penal, deveria proteger as meninas que se envolvem precocemente com o sexo. Todavia, como essa lei já reflete a esquizofrênica moralidade dos intelectuais universitários (oficializada pelo Estado brasileiro), a emenda ficou pior do que o soneto. A política de combate à pedofilia, encampada pela nova lei, procurou criminalizar ao máximo a prostituição infantil. Mas não o fez por motivos morais e, sim, ideológicos. Seu objetivo não é proteger a inocência, mas perseguir o capitalismo. Como a prostituição envolve dinheiro, os intelectuais a consideram muito pior do que a violência bruta. Então, quando flagram um homem adulto com uma menor, mediante pagamento, tratam o caso como crime hediondo. Mas quando se deparam com menores de rua que abusam sexualmente de suas colegas de bando, em meio a matagais e escombros, disseminando doença e gravidez, os intelectuais são tolerantes e escrevem teses afirmando que existe afeto nessas relações.
Crianças “donas” do sexo
Filha do Maio de 68, que propugna a liberdade sexual absoluta, essa cultura considera que meninas de 12 anos já são donas do seu corpo; daí a naturalidade com que o MEC distribui camisinhas às crianças de dez anos e ensina aos maiorzinhos de 12 que o crack tem o efeito de um orgasmo. Mas essa mesma cultura, numa tentativa de incriminar o branco, religioso e burguês, equivalente do “wasp” (branco, anglo-saxão e protestante norte-americano), criou uma lei excessivamente dura para combater a prostituição infantil. Hoje, se um adulto sente um irreprimível desejo de fazer sexo com uma menor de 14 anos e sabe que será correspondido, melhor é matá-la antes de cometer esse desatino. Como homicida sua pena é menor do que como amante. Enquanto a pena para o homicídio simples começa com seis anos de reclusão, a pena pelo sexto consentido começa com oito anos de cadeia.
O caráter ideológico dessa lei – repito: contra o capitalismo e não em favor das crianças – fica patente na própria comparação que se faz entre os diversos tipos de estupro. O artigo 213 do Código Penal estabelece uma pena de seis a dez anos de reclusão para o estupro violento. Ou seja, um estuprador armado que usa de violência para subjugar sua vítima recebe uma pena menor do que o homem sem antecedentes criminais que faz sexo consentido com uma menor de 14 anos. Agora, com a alteração da lei, a pena mínima para o sexo consentido começa com oito anos de reclusão e pode chegar a 15 anos de cadeia. Cinco anos a mais em relação à pena para o estuprador armado que escolhe uma vítima ao acaso e a violenta num matagal.
Por isso, nenhum juiz quer carregar na consciência o peso de condenar um homem à cadeia pela prática de sexo consentido com uma menor. E estão certos. Só estão errados quando se calam diante de uma legislação absurda e ainda a reforçam com uma linguagem que nega a existência de qualquer resquício de inocência e fragilidade nessas pobres meninas, que não tiveram a sorte de ter família. Toda vez que um adulto faz sexo consentido com uma menor de 14 anos e o juiz diz que nada deve acontecer com o réu, valendo-se para isso de críticas à conduta da vítima, na prática ele está fazendo com que a Justiça transforme a menina numa mulher devoluta, à disposição de todos os homens. E quanto mais os homens a usarem, mais crescerá a experiência sexual da menina aos olhos da lei, tornando-a ainda mais infensa a qualquer forma de Justiça.
O adulto que faz sexo consentido com uma menor de 14 anos não precisa ir para a cadeia; mas se nada lhe acontece, é como se ele não tivesse nenhuma responsabilidade pelo ato, cujo peso físico, social e psicológico será arcado somente pela menina. Em junho do ano passado, por exemplo, uma garota de 15 anos conheceu um rapaz de 26 anos pela Internet e resolveu fugir do Rio de Janeiro para ficar com ele no interior de São Paulo. Após quase dez dias, o casal foi encontrado, mas a polícia não indiciou o rapaz, sob a alegação de que a menina havia fugido por espontânea vontade. Para completar, o portal G1 do sistema Globo mantém essa notícia no ar estampando de frente o rosto da menina – o que jamais ocorreria caso se tratasse de um menor latrocida.
Como corrigir isso? Voltando ao desfigurado Código Penal de 1940 e modernizando a figura jurídica da “sedução de menores”. É preciso reconhecer que homens e mulheres são diferentes e que a mulher é, sim, o “sexo frágil”. Por iniciarem a vida sexual sempre com homens mais velhos e até com adultos, as meninas estão sujeitas à sedução. E se os homens não são penalizados por isso, ainda que com penas mais leves, a Lei 12.015, que queria prevenir a prostituição infantil, torna-se uma trágica ironia – ela obriga a própria menina a pagar sozinha pelo sexo que o adulto teve de graça.
Fonte: Mídia Sem Máscara
Publicado no Jornal Opção.
José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.
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