segunda-feira, setembro 26, 2016

A Rússia de Putin esmagando a Fé Cristã e a Família.





por Luis Dufaur (*)


O cristianismo é promovido apenas enquanto instrumento domínio político


O historiador francês Philippe Fabry registrou em seu blog uma estranha contradição em seu país. Políticos e jornalistas que oscilam entre os partidos de direita passaram repentinamente a ecoar uma imagem que parece ter sido mandada fazer pelo Kremlin.

Entre eles, cita o político e ensaísta Yvan Blot, que passou a defender que o regime de Putin é o guardião dos valores tradicionais do cristianismo e da família, e que a “nova Rússia” seria uma espécie de baluarte no qual o Ocidente deve se apoiar para não afundar na decadência.

Fabry relembra então alguns dados de conhecimento geral que são omitidos por essa visualização:

— a “nova Rússia” pseudo-cristã, cuja população é mais do que o dobro da francesa, aborta proporcionalmente duas vezes mais crianças (800 mil por ano) do que a França laicista (200 mil).

— a “nova Rússia” é o primeiro consumidor mundial de heroína. Embora esse extenso país represente apenas 2% da população mundial, consome 21% da produção planetária dessa droga pesada. Trata-se de uma herança recebida por Putin, mas não se tem notícia de que ele aja eficazmente para extirpar o vício que devora a nação.

— o desmantalamento da família está provocando uma catástrofe demográfica: a população russa – mais de 140 milhões – ruma para 80 milhões de habitantes por volta de 2050, segundo as projeções.

— os índices econômicos da Rússia de Putin neste século, após um momento episódico de euforia pela alta do petróleo, afundam hoje assustadoramente. A Providência dotou a Rússia de insondáveis recursos materiais. No entanto, o problema é o coletivismo soviético, que continua de pé. E sobre essa estrutura socialista reina a nomenklatura da “nova Rússia”, uma das mais corruptas do mundo.

Costumes cristãos estão sendo achincalhados com objetivos políticos.


Por que essas figuras da direita francesa, tão dignas de respeito, caíram no conto de uma propaganda povoada de fantasmas tão contrários à realidade?

A pergunta de Fabry suscitou comentários. Sobre a calamitosa situação moral da Rússia, Robert Marchenoir observou que

“de fato, a Igreja ortodoxa russa é na prática uma dependência do FSB (ex-KGB), que professa uma concepção da religião próxima à do Islã e oposta ao catolicismo e ao protestantismo; é uma correia de transmissão fanática e supersticiosa do poder político (...). A causa não é uma influência do Islã, mas está ligada ao cisma bizantino, (...) à irracionalidade russa, e ao papel do clero ortodoxo na história da Rússia”.


Outro comentarista acrescentou que a

“Igreja Ortodoxa Russa não tem mais nada a ver com o cristianismo, é uma religião consagrada ao culto do Estado russo. O próprio Kirill [patriarca de Moscou] declarava nos anos 90 que sua igreja tinha necessidade de se reformar para se separar da KGB, mas depois mudou de opinião”.


Essas afirmações sobre o Patriarcado de Moscou ajudam a compreender a descristianização geral no interior da Rússia, mas não chegam a explicar por que políticos de direita no Ocidente vejam na “nova Rússia” um modelo de cristianismo.

A irrigação desses setores direitistas com dinheiro russo, com quantias por vezes milionárias, é uma das explicações comumente apontadas.

As máquinas de financiamento que funcionam no Ocidente em geral visam marginalizar as direitas, suas organizações, seus intelectuais e representantes. Compreende-se que, em decorrência disso, se sentindo objetivamente injustiçadas e aparecendo uma sedutora proposta, possam ter caído.

O exemplo mais citado é o empréstimo de 9 milhões de euros, feito em 2014 ao Front National francês por um banco russo de estrita observância à vontade de Putin.


Culto da personalidade de Putin reedita o culto a Stalin,
instrumentalizando e desvirtuando o cristianismo.


Mas Cécile Vaissié, professora de estudos russos e soviéticos da Universidade Rennes 2, em seu extenso livro Les réseaux du Kremlin en France, publicado em 2016, apresenta uma interpretação mais complexa e rica.

De fato, a Rússia consagra anualmente 3,5 bilhões de euros para a sua propaganda. E, ao fazê-lo, segundo a professora, “o Kremlin utiliza os velhos métodos da KGB: prefere promover sua imagem internacional, ao mesmo tempo em que reprime a população russa”.

O Kremlin visa expandir as “igrejas ortodoxas” de acordo com um projeto em nada religioso, mas completamente político.

“Tudo o que está ligado à igreja ortodoxa russa (mais conhecida como ‘Patriarcado de Moscou’) é político.

“Na chefia dessa igreja se encontram dignitários que trabalharam para a KGB na época soviética”, explica.


Hoje, acrescenta a professora, Putin se serve dela. Na Rússia, a ortodoxia é uma ideologia de estado, antidemocrática e antiocidental.

A partir dos anos 1920 a diáspora russa rompeu com o Patriarcado de Moscou, porque este dependia do Kremlin, o senhor temporal comunista ou nostálgico do comunismo que define os princípios pastorais e religiosos, bem como a nomeação dos clérigos.

O Patriarcado de Moscou foi criado em 1589 pelo czar da Rússia, que queria um apoio religioso para expandir seu império até o Mediterrâneo.

Dito Patriarcado foi suprimido pelo czar Pedro o Grande em 1721, e reconstituído em 1917 após a Revolução Comunista de Lênin.

Desde então ele vem servindo ao ditador marxista de turno que o fechou em 1925. Stalin o restaurou em 1943, após os bispos “ortodoxos” jurarem fidelidade absoluta ao regime e aos interesses soviéticos.

Segundo explicou a professora Vaissié ao Médiapart, o resultado é que a propaganda russa montou no Ocidente uma imagem “que não tem nada a ver com a Rússia real".

“Esse falso imaginário faz crer que a Rússia seria a ‘Santa Rússia’ de outrora, que defende as tradições familiares e cristãs.

“Essas tradições familiares foram imensamente destruídas na Rússia, elas são muito mais vivas na França. O cristianismo foi enormemente destruído na Rússia” – completou.


Prof.a Cécile Vaissié: as redes do Kremlin na França:




(*)Luis Dufaur é escritor, jornalista, conferencista de política internacional, sócio do IPCO e webmaster de diversos blogs.

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