Autor: Leandro Narloch.
Por Leandro Narloch, Rodrigo Constantino e Anthony Ling
Um exercício de imaginação: como seria se a alimentação, feito o transporte público, fosse gerida pelo governo? Má qualidade, filas e corrupção
Depois de uma semana de greves de metrôs e ônibus pelo país, políticos e especialistas voltaram a repetir as opiniões de sempre.
Dizem que é preciso haver mais planejamento do poder público, que o governo precisa investir mais no transporte coletivo, que a mobilidade urbana deve ser prioridade etc.
Recomendações assim são como oferecer uísque a alcoólatras: o remédio que se receita é precisamente a causa do problema.
O que impede a melhoria do transporte não é a falta de cuidado do governo, e sim o monopólio público sobre o transporte coletivo. Para chegar a essa constatação, basta imaginar uma notícia comum nos últimos dias tratando de outro serviço essencial: a alimentação.
“A semana foi de muito transtorno para quem precisa se alimentar fora de casa. Greves de garçons e cozinheiros paralisaram os serviços de mais de 30 mil restaurantes, padarias e lanchonetes que formam o sistema de alimentação pública municipal. Os trabalhadores pedem aumento real e reajuste dos abonos salariais. Não houve acordo entre o governo e o sindicato até o fim da noite de ontem.
Na capital, 6 milhões de pessoas utilizam diariamente o serviço de alimentação coletiva.
Todos os estabelecimentos que vendem comida pronta são operados sob concessão por apenas 16 consórcios e cooperativas. A prefeitura e o governo estadual supervisionam a distribuição dos prato feitos e comerciais, planejam o sistema e realizam os repasses para as concessionárias.
Sem ter a quem recorrer diante da paralisação dos serviços, usuários chegaram a depredar bares e restaurantes. Outros se arriscaram em lanchonetes clandestinas, aquelas que não foram escolhidas nas licitações do governo e por isso atuam à margem do sistema de abastecimento da cidade.
A prefeitura alerta que esses serviços, além de ilegais, trazem diversos riscos para os usuários.
O sistema oficial, porém, é mal avaliado pelos cidadãos. Pesquisa recente mostra que o número total de queixas à prefeitura contra as comedorias saltou de 119.755, em 2010, para 143.901, em 2011.
A demora no atendimento ficou em primeiro lugar entre as dez principais reclamações. Outras queixas comuns são o desrespeito dos garçons, a pouca variação do cardápio e a falta de limpeza nas instalações.
O prefeito prometeu ontem mais investimentos na área. ‘Até 2013, esperamos reduzir para 40 minutos o tempo de espera para o almoço’, disse. Ele negou que o aumento dos salários dos garçons e cozinheiros resulte em aumento da tarifa do prato feito, hoje em R$ 30.
O Ministério Público investiga supostos repasses ilegais da prefeitura a concessionárias, que fizeram expressivas doações de campanha na última eleição. Os promotores acreditam que esses repasses seriam o principal motivo para a comida custar tão caro mesmo sendo subsidiada pelo governo.
Analistas afirmam que seria melhor que o governo deixasse para a iniciativa privada toda a venda de comida pronta. A concorrência entre padarias, botecos e restaurantes, argumentam eles, levaria diversidade e qualidade ao setor, atrairia a classe média e ainda baixaria o custo do serviço popular, como acontece em centenas de outros ramos da economia.
Para os analistas, a livre iniciativa e a concorrência poderiam até fazer a cidade ser mundialmente conhecida por seus restaurantes.
O sindicato dos garçons, a prefeitura, a associação das concessionárias, o Ministério Público e o governo estadual reagiram veementemente a essa proposta, que qualificaram de ‘irresponsável e neoliberal’.
Para as entidades, a ausência do Estado na alimentação poderia resultar na falta de lanchonetes em áreas distantes, além do desabastecimento de comida na cidade. ‘Se algum dia entregarmos o setor de restaurantes a empresários comprometidos apenas com o lucro, criaremos um completo caos’, disse o prefeito.”
Fonte: Folha de S. Paulo, 31/05/2012
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