por Carlos Malamud do Infolatam.(*)
A destituição de Fernando Lugo depois do fulminante julgamento político do Parlamento paraguaio provocou um terremoto em seu país, assim como no resto do continente. Uma vez mais, como em Honduras e Equador, ressoam acusações de estado. Também se constroem boatos de golpes, vinculando alguns processos com outros para estruturar um relato. Na linguagem kirchnerista, seria um processo “destituinte” manipulado por poderosas e escuras mãos negras, e de forma conspiratória fala-se de um complô de Monsanto e dos transgênicos.
A ação do Congresso e do Senado paraguaios, acusador e juiz do processo, responde ao artigo 225 da Constituição, que estabelece o julgamento político para um presidente por “mau desempenho de suas funções”. Enquanto a fórmula é ruim, assim o quiseram os constituintes, que também não fixaram os mecanismos para sua implementação, deixando-a nas mãos do Congresso. Nesse ponto concordo com Carlos Gervasoni, que define o processo contra Lugo de “incomum e imprudente, mas não ilegal”.
A destituição de Lugo provocou ao menos três reações. A primeira, complacente e minoritária com sua saída, como se fosse do Paraguai. A segunda, preocupada com os fatos e centrada na proteção do “devido processo” que Lugo merecia, representada pelos EUA, a UE e alguns países latino-americanos como México e Guatemala, mas nenhum da Unasul. A terceira, mais agressiva, caracteriza a destituição como antidemocrática e como um golpe de estado. É liderada pelos países da Unasul e seu secretário geral, o venezuelano Alí Rodríguez.
Alguns presidentes sul-americanos (Bolívia, Equador, Venezuela e Argentina) negaram-se a reconhecer o novo governo, enquanto outros (Brasil) falam de sanções e eventuais expulsões (do Mercosul e da Unasul). Um caso que chama a atenção é o do presidente uruguaio, José Mujica, que falou da destituição e do “apoio dos países do Mercosul à democracia” com o premiê chinês Wen Jiabao, muito preocupado com o que ocorria em Assunção. Na realidade, Wen deve ter se interessado pelo tema, porque o Paraguai é o único país da América do Sul que tem relações com Taiwan.
A dureza estrangeira e vizinha surpreendem, mais “bipista do que o bispo”, maior que a do próprio Lugo. Antes do julgamento, Lugo falou de um “golpe de estado”. Quando ficou sabendo o veredito do Senado, decidiu aceitá-lo sem adotar uma postura firme, convocar as massas para protestar e muito menos não reconhecer o novo governo como “ilegítimo”. Apesar de falar do “golpe” recebido e das debilidades da democracia paraguaia, aceitou, sem reclamar, a sua sorte.
A falta de queixas em suas primeiras declarações não as anulam. No dia seguinte, disse que o ocorrido foi “um golpe de estado, um golpe parlamentar, um golpe contra a cidadania, a democracia”. Deve estar recebendo grandes pressões de seus antigos aliados regionais. Não se trata de falar sobre intromissão nos assuntos internos do Paraguai, já que existem normas regionais que permitem fazê-lo, mas seria boa a reciprocidade, especialmente dos países mais zelosos em relação aos assuntos internos, considerados privados.
Boa parte das reações governamentais latino-americanas, começando por Cristina Fernández, contêm um excesso de presidencialismo. Parece que o único poder legítimo do estado é o executivo, que apenas os votos que recebidos pelos presidentes são válidos e qualquer comportamento de controle dos poderes legislativo e judicial pode desembocar em atitudes golpistas e destituintes. Por isso, seria bom perguntar se os mesmos presidentes que se mobilizam pela destituição de um colega fariam o mesmo (o fizeram antes?) frente à dissolução ilegal do parlamento ou à saída de juízes de Tribunais Supremos.
Uma vez mais, e isto é lamentável, o Paraguai só existe quando enfrenta problemas dramáticos. O Paraguai é um dos países mais pobres da América do Sul, com uma concentração da propriedade da terra totalmente a favor dos poderosos. Em épocas comuns, isto não interessa a quase ninguém. Por isso, por cauda de sua debilidade, muitos se metem com o Paraguai, mas não com outros. Se isso tivesse ocorrido em algum país sul-americano? E se tivessem criticado o Brasil pelo impeachment contra Collor de Mello? E que não digam que o trâmite parlamentar durou meses, porque as baterias da Unasul já apontavam antes que seus ministros do Exterior haviam partido do Rio rumo a Assunção para ditar a sentença, sua sentença, algo que não puderam fazer.
(*) Carlos Malamud, perfil no facebook (https://www.facebook.com/carlos.malamud)
Nenhum comentário:
Postar um comentário