quarta-feira, dezembro 20, 2017

Desmentindo o “Panorama Histórico da Palestina” da TV Cultura





por Tamara Stern(*).

No dia 13 de dezembro, o Jornal da Cultura trouxe a professora Arlene Clemesha para explicar 4 mapas da antiga Palestina/Israel que o programa chamou de “Panorama Histórico da Palestina”. Segundo o apresentador Willian Corrêa, era preciso voltar a 1946 para “explicar melhor o que está acontecendo em Israel” agora, com a decisão de Trump sobre Jerusalém:



Coincidentemente, os mapas acima, mostrados no telejornal, são os mesmos que aparecem no famoso e falso mapa da “perda de terra palestina” de 1946 até a atualidade, com legendas levemente modificadas de “terras judaicas” para “Israel”, e o último mapa podendo representar qualquer ano desde 2000.




O discurso da perda progressiva de territórios por parte dos palestinos usando o mapa acima, ficou conhecido em 2010, quando Juan Cole, um blogueiro anti-Israel e professor de história, começou a divulgá-lo em diversos artigos. Mas vamos ao que Clemesha diz sobre os mapas:

▶1o mapa:

O primeiro mapa mostra terras pertencentes à “Israel”, em amarelo, e terras à “Palestina” em verde, em 1946. Clemesha diz:
Esse primeiro mapa mostra em amarelo, as colônias israelenses, ainda sionistas do movimento sionista judaico que trouxe colonos, trouxe imigrantes da Europa pra Palestina. Então foram formando pontos de assentamento no território… Até 46 havia essa realidade.




Em 1o lugar, as legendas dos mapas são erradas, pois até 1948 não havia o Estado de Israel ainda. Judeus e árabes viviam na Palestina. Os judeus eram chamados de palestinos, e os árabes eram tidos como uma mistura de jordanianos, sírios e libaneses. Colocar Israel versusPalestina implica que havia um “Estado” da Palestina que foi depois tomado por Israel, quando na verdade os territórios são os mesmos, apenas o seu nome mudou, como fizeram os romanos quando trocaram o “Judéia” por “Syria Phalaestina”.

Em 2o lugar, este mapa não tem absolutamente nada a ver com a localização de judeus e árabes na Palestina em 1946. As partes amarelas são propriedades privadas de judeus (compradas) e as partes verdes são uma mistura de propriedades privadas árabes com áreas públicas controladas pelos britânicos (que constituíam pelo menos 50% de todo o território, incluindo o inabitado deserto do Negev). Judeus e árabes viviam em ambas as “cores”, em terras privadas e públicas.

O mapa apresenta uma divisão que passa a ideia de um território governado por árabes e não por britânicos. Seria possível também desenhar um mapa dos árabes versus a Palestina, combinando a terra privada judaica com as terras do governo sob o nome de Palestina. Assim, pareceria que os judeus possuiriam a maior parte da terra na época.

E um último ponto, Clemesha fala em “assentamentos” judaicos na Palestina, passando a ideia de ocupação ilegal (como existe hoje), sem mencionar que árabes provenientes de outros países também formaram assentamentos árabes na Palestina. As terras em amarelo foram compradas por judeus diretamente dos otomanos desde a 1a metade do século XIX.

▶2o mapa:

O segundo mapa apenas mostra o plano de partilha da ONU, de 1947, que foi rejeitado por toda a Liga Árabe e, portanto, nunca entrou em vigor. Clemesha diz:

Em 47, a ONU votou a partilha da Palestina na medida em que existia um conflito na região. Votou-se a partilha, o território verde, designado pra criação de um Estado árabe-palestino, e o território amarelo, designado pra criação de um Estado judeu, e Jerusalém seria uma zona administrada pela ONU, pela importância pras três religiões monoteístas.


Clemesha passa uma informação FALSA ao falar em Estado árabe-palestino. Naquela época, não existia o conceito de “palestino” atrelado somente a árabes. A ONU nunca falou em Estado árabe-palestino ou Estado palestino, apenas em Estado árabe. Vejam esta passagem da Resolução 181, e entendam que judeus e árabes eram tidos como palestinos, residentes da Palestina:


Imagem Traduzida: “1. Cidadania. Cidadãos palestinos residindo na Palestina fora da cidade de Jerusalém, bem como árabes e judeus que, sem cidadania palestina, residem na Palestina fora da cidade de Jerusalém, devem, após o reconhecimento da independência, tornar-se cidadãos do Estado em que residem e desfrutar de plenos direitos civis e políticos.”



O Plano de Partilha ganhou a forma que ganhou porque as cidades e aldeias judaicas estavam espalhadas por toda a Palestina e seu alto padrão de vida atraiu grandes porções de população árabe. Reconhecendo que o Estado judaico precisaria abrigar a maioria da população da Palestina (a maioria dos judeus e parte dos árabes), a partilha alocou 54% do território para isso. O restante formaria o Estado árabe. Os limites foram baseados exclusivamente em dados demográficos: O Estado judeu deveria ser composto por 538.000 judeus e 397.000 árabes, e o Estado árabe por 804.000 árabes e 10.000 judeus. 

Sobre Jerusalém internacionalizada, Willian comenta:


Mas isso não aconteceu… só no papel. Quem administrou mesmo foi Israel.
Clemesha dá a sua explicação:

Claro, porque em seguida, final de 47 começa uma guerra civil. Em 48, começa a guerra árabe-israelense. Com essa guerra Israel expandiu seu território pra todo esse amarelo. Então isso aqui nunca saiu do papel, o que aconteceu foi essa realidade em que o recém-criado, Israel se funda nesse momento conquistando 78% do território da Palestina histórica. E jerusalém ficou exatamente aqui, dividida ao meio. 

Quantas informações cruciais Clemesha pode esconder para fazer parecer que Israel simplesmente contrariou o Plano da ONU e tomou não só Jerusalém como a “maioria” da Palestina para si e sem motivos?

Israel não se fundou após a guerra, com a conquista de territórios, mas antes e respeitando as fronteiras do Plano de Partilha (ou seja, Jerusalém internacionalizada). E a guerra árabe-israelense não começou do nada. No dia seguinte à declaração de independência, o novo país foi atacado pelo Egito, Síria, Iraque, Transjordânia, Líbano e Arábia Saudita.

No final, apesar da desvantagem em números e em armas, Israel ganha a guerra e conquista territórios em uma guerra defensiva, incluindo Jerusalém.


A Jordânia que veio ao socorro dos palestinos, estacionou suas tropas e conseguiu defender Jerusalém oriental, onde tá a Cidade Velha, onde estão os monumentos históricos. Então a Jordânia ficou com Jerusalém oriental, administrando ela em nome dos palestinos, a quem pertence os territórios historicamente, e Jerusalém ocidental israelense.

FALSAS, Clemesha passa apenas informações FALSAS. A Jordânia (na época ainda Transjordânia) não atacou Israel nem para socorrer palestinos nem para defender Jerusalém oriental, ou Jerusalém inteira. Assim como os outros países árabes, a Jordânia atacou Israel após a sua fundação com o intuito de exterminar os judeus e seu país como um todo.

Jamal Husseini, o porta-voz da Liga Árabe, já havia dito à ONU antes da partilha, que os árabes molhariam “o solo de nosso amado país com a última gota de nosso sangue.” Após os países árabes atacarem Israel, Abd al-Rahman Azzam Pasha, secretário-geral da Liga Árabe afirmou: “Será uma guerra de aniquilação. Será um importante massacre na história que será lembrado como os Massacres dos Mongóis ou as Cruzadas”.

A Jordânia não “defendeu” Jerusalém oriental, ela apenas estava parada no meio da cidade quando houve um cessar-fogo e posterior assinatura dos Acordos de Armistício em 1949. Os acordos declararam que Israel e Jordânia dividiriam geograficamente Jerusalém, por tempo provisório (sem constituir fronteiras políticas ou territoriais), e trabalhariam juntos para o reinício do funcionamento de instituições, acesso ao cemitério judaico no Monte das Oliveiras (onde os judeus enterraram seus falecidos por mais de 2.500 anos), e lugares sagrados.

Mas a Jordânia violou o acordo, e bloqueou e isolou o leste de Jerusalém com arame farpado e muros de concreto. Os judeus que ali viviam foram mortos ou expulsos, e o acesso aos locais sagrados foi negado a toda a população do lado israelense (inclusive árabes), contrariando os termos do armistício.

Se o intuito da Jordânia era administrar a região em nome dos “palestinos” e se esses “palestinos” tinham direito à região, como afirma Clemesha, por que a Jordânia proibiu que os árabes do lado de fora das linhas do armistício entrassem em Jerusalém oriental e Cisjordânia? Porque o intuito da Jordânia não era proteger os árabes da Palestina ou seus direitos – vide a falta de interesse em criar um Estado para eles quando justamente as terras estavam sob controle árabe -, mas manter um estado de guerra com Israel.

▶3o mapa:




O terceiro mapa mostraria a região após a primeira guerra Árabe-Israelense, colocando a Cisjordânia e a Faixa de Gaza sob soberania palestina até 1967. Isto nunca ocorreu, pois neste período Jordânia e Egito tomaram o controle militar destas regiões. Clemesha 

continua: 

A ONU reconheceu exatamente isso, essa divisão de Jerusalém entre árabes-palestinos e israelenses nesse momento porque houve um armistício em 49, e a situação concreta ficou como sendo essa.

A ONU não reconheceu especificamente soberanias sobre Jerusalém, mas apenas supervisionou o acordo entre os dois países e aceitou as linhas de armistício.


E agora vem o Trump… – diz Willian.

Aqui Willian faz parecer que Trump veio para desfazer à força um acordo feito em 1949…Mas eis que falta comentar sobre a Guerra de 1967, o que Clemesha não consegue fazer de forma ética e profissional.


Porque em 67, o que aconteceu foi que Israel invadiu a Cisjordânia, toda essa parte, a Faixa de Gaza, as Colinas do Golã da Síria, e também o Sinai que já foi devolvido pro Egito… Invadiu essas regiões e manteve essa ocupação da Faixa de Gaza, Cisjordânia, Sinai… e Jerusalém leste, árabe-palestino, foi não só ocupada como anexada.

Não, Israel não invadiu a Cisjordânia ou as outras partes. Israel tomou estas terras em um ato defensivo, incluindo Jerusalém leste jordaniano.

Em 1967, as nações árabes tentaram eliminar Israel novamente: desta vez a guerra começou com uma escalada complexa que incluiu um casus belli inicial (atos de guerra) pelo Egito e um ataque preventivo de Israel contra a força aérea egípcia. No entanto, o objetivo das nações árabes combatentes (Egito, Jordânia, Síria) e das outras nações que apoiavam a campanha (Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Argélia) foi o mesmo que em 1948: a destruição total de Israel.

A Jordânia resolveu se juntar ao Egito na guerra contra Israel, apesar de Israel emitir um comunicado claro dizendo que não atacaria aquele lado se a Jordânia ficasse de fora. Mas o descaso do país árabe seguido de intenso bombardeio de alvos israelenses levou à entrada de Israel na Cisjordânia e parte oriental de Jerusalém, derrubando as barreiras e reunificando a cidade.


Israel declarou a anexação de Jerusalém oriental, declarou que jamais devolveria Jerusalém oriental, e essa anexação não foi reconhecida pela ONU. Essa anexação foi considerada ilegal pela ONU, e na medida em que foi assim, nenhum país no mundo mantém sua embaixada em Jerusalém pra não reconhecer um ato que é tido como ilegal pela comunidade internacional, pela lei internacional.

A ONU não reconheceu a anexação de Jerusalém oriental em 1980, mas antes disso, ao fim da Guerra de 1967, a ONU emitiu a Resolução 242, que exigiu essencialmente duas coisas:

  • a retirada israelense dos “territórios ocupados”.
  • que todos os Estados envolvidos terminassem a sua beligerância e respeitassem as fronteiras uns dos outros.

O contexto da resolução deixou claro que a “retirada de territórios” não significava todos os territórios, mas retirada apenas na medida em que fosse necessário criar uma situação segura para todas as partes. Israel aceitou a resolução. A Organização de Libertação da Palestina (recém-criada) rejeitou a resolução e os Estados árabes retomaram suas tentativas de aniquilar Israel pouco depois, mais dramaticamente, na Guerra de Yom Kippur de 1973.

▶“4o mapa” ou HOJE:


E aí o Trump vem agora e muda, ou pelo menos reconhece Jerusalém como a capital… – diz Willian.
…Nenhum problema haveria se, havendo um acordo de paz, Israel declarasse Jerusalém ocidental a sua capital, e a Palestina pudesse declarar Jerusalém oriental a sua capital. Nenhum problema, porque afinal de contas essa cidade foi dividida e esse status foi reconhecido.

O problema é que como existe um ato de posse forçosa, ou seja, como existe um ato de conquista de Israel de uma metade que não é dela, então não se aceita que ela declare essa capital, essa cidade unificada como sendo a sua capital toda ela. (…)

Se algum lado tomou posse forçosamente, este lado foi a Jordânia em 1948. Israel conquistou terras em atos defensivos tanto em 1948, quanto em 1967, em guerras que ela não começou.

O quarto e último mapa mostraria a situação hoje como tendo resquícios da ocupação israelense em territórios da Palestina desde 1967. Na realidade, na Cisjordânia, as áreas verdes são as controladas pela Autoridade Palestina, e as que mudaram de verde para amarelo não são somente assentamentos israelenses, mas também áreas onde Israel mantém controle de segurança segundo acordos prévios.



As pequenas áreas verdes foram as primeiras a serem concedidas para um autogoverno verdadeiramente palestino, por Israel diretamente a Yasser Arafat e seus sucessores.

Estes mapas são amplamente utilizados até os dias de hoje em campanhas pró-palestinas. O discurso da perda territorial palestina abordada desta maneira confere ao último mapa um contexto deturpado, embora carregue uma representação precisa das soberanias israelense e palestina. Os três primeiros mapas foram intencionalmente organizados para passar a imagem de uma expropriação progressiva de terras palestinas por parte dos judeus e, posteriormente, Israel, ignorando governos, guerras e tomada de controle de terras ocorridos na história anteriormente.

A disseminação desses mapas ajuda somente a estabelecer a hegemonia da imagem dos palestinos como única vítima da história.



É vergonhoso que um veículo de notícias como o Jornal da Cultura utilize estes mapas, e ainda convide uma professora completamente parcial para explicar um assunto tão complexo. O público merece muito mais ética e profissionalismo de jornalistas.

(*) Tamara Ster do Honest Reporting Defending Israel From Media Bias

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