sábado, novembro 10, 2012

Algumas Lições do Mensalão.






por Everardo Maciel (ex-secretário da receita federal 1995-2001)

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Talleyrand, célebre chanceler de Napoleão, ao censurar a dinastia dos Bourbons, dizia que eles nunca aprendiam e nunca esqueciam. Para evitar que a sociedade brasileira seja estigmatizada por esse conceito, convém que sejam extraídas algumas lições do julgamento, embora inconcluso, do mensalão.

Sem lugar a dúvidas, esse episódio é um dos mais importantes acontecimentos da nossa Justiça. Pela primeira vez estão sendo julgados, simultaneamente, importantes próceres políticos, banqueiros, profissionais liberais e, para usar uma qualificação utilizada pela defesa, mequetrefes. Cada réu com sua pena ou juízo absolutório.

O julgamento está sendo enriquecido por memoráveis manifestações sobre a ética e a República, como um sopro alentador em favor da restauração de valores que vêm sendo vilipendiados seguidamente e comprometem a formação das gerações mais jovens.

É sagrado o direito de ficar inconformado com as sentenças (jus sperniandi) ou, em nome da liberdade de expressão, criticá-las. Não é aceitável, contudo, proferir invectivas contra a convicção dos magistrados, porque, além da possibilidade de enquadramento por crimes contra a honra, constitui uma afronta ao Judiciário.

As divergências nos entendimentos dos magistrados, malgrado os dispensáveis preciosismos e discursos confusos, devem ser vistas como prova de vitalidade da instituição. O dissenso é mais rico, como ensinamento, que o consenso. A verdade tem muitas faces.

O julgamento, em virtude da transmissão ao vivo, expôs ao público conceitos antes confinados aos recintos dos tribunais e pôde arrostar a velha tese que entendia a condenação como algo destinado a pobre, preto e prostituta, segundo a perspicaz observação de um magistrado mineiro.

Dirão alguns que outras pessoas cometeram crimes idênticos ou assemelhados. É verdade. Que se julguem todos, então! O mensalão deve ser tido não como uma exceção, mas como um precedente.

Rejubilo-me com a repulsa da Corte ao caixa 2, como crime em si ou manobra diversionista para dissimular a prática de outros crimes. A alegação dessa malfadada "tese", caso fosse razoável, deveria ter trilhado os caminhos da modéstia e da contrição, sem manifestações de entusiasmada esperteza.

O Supremo Tribunal Federal não devia, contudo, ser onerado com um longo julgamento de um volumoso processo criminal, de forma estranha à sua vocação de elucidar controvérsias constitucionais e em detrimento da apreciação de relevantes demandas.

Na explicação desse fato se encontra o instituto do foro privilegiado, que pretendeu (ainda que não se diga abertamente) evitar o julgamento dos "condestáveis" da República pelos magistrados de primeira instância, na presunção de que ocorreriam excessos.

É razoável que determinadas autoridades tenham prerrogativas no atendimento de requisições judiciais. Eventuais excessos de magistrados, por sua vez, devem ser corrigidos por uma adequada lei de abuso de autoridade e por uma correição efetiva. O privilégio de foro, entretanto, é deplorável e acarreta, como se pôde ver no mensalão, julgamento em instância única e sobrecarga de trabalhos para o Supremo.

A metodologia dos julgamentos revelou-se modorrenta, repetitiva e arcaica. O cansaço visível na face de alguns ministros é apenas consequência de sua condição humana. Um laudo sobre determinada instituição financeira foi lido mais de uma dúzia de vezes. Existe alguém capaz de ouvir atentamente um relatório de mais de mil páginas? Por que reproduzir, literalmente, depoimentos contidos nos autos? Não bastaria uma ilação referenciada aos autos? Por que dispensar a utilização de modernos meios de exposição que favoreçam a compreensão das intervenções orais?

A fixação das penas (dosimetria) deveria pautar-se pela concisão, sendo expressa numa tabela, que conteria a pena-base e as circunstâncias, se for o caso, que a agravam. Além disso, parece-me que, na determinação da pena, seria aconselhável adotar o voto médio, e não o modal, como bem aconselharia a ciência estatística no trato de situações análogas.

O julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro produz controvérsias que revelam claramente as deficiências da legislação, agravadas por mudanças recentes, que podem resultar em sérios percalços para determinados profissionais (notadamente, advogados e contadores), ainda que não tenham tido participação no ciclo criminoso. A legislação é claudicante e merece ser revista. Não há jurisprudência boa que salve uma lei ruim.

À margem desses comentários, não se pode desperdiçar a oportunidade de enfrentar as causas dos crimes que deram origem ao mensalão. Na essência, tudo gravita em torno de questões políticas e eleitorais. A prevenção desse tipo de crime aponta para o reexame da legislação relativa às prestações de contas de candidatos e partidos políticos, nela incluída a obrigação de fiscalização sistemática pela Receita Federal, e as malsinadas "emendas parlamentares" - fonte inesgotável de corrupção e de abjetas barganhas políticas.

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Sobre Everardo Maciel Thais Oyama da Veja, em agosto de 2002, traçou um interessante perfil:


O predador Everardo Maciel, o mais voraz dos secretários que a Receita já teve,incrementa a caça à sonegação,revoluciona o sistema de entrega de declarações e comemora o que,para o resto dos brasileiros, é fonte de amargura: a estratosférica subida da arrecadação (Veja mais aqui)
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Sobre o artigo ALGUMAS LIÇÕES DO MENSALÃO, Geraldo Hernandes do grupo por 1 Brasil melhor, faz algumas considerações bem apropriadas:

CARPINDO TIRIRICA

O jornal O ESTADO DE S. PAULO publicou, em 05-11-12, artigo de Everardo Maciel intitulado ALGUMAS LIÇÕES DO MENSALÃO, onde se lê:

“O julgamento está sendo enriquecido por memoráveis manifestações sobre a ética e a República, como um sopro alentador em favor da restauração de valores que vêm sendo vilipendiados seguidamente e comprometem a formação de gerações futuras”

Reconheço que o nível de conhecimento do ex-diretor da Receita Federal sobre o assunto supera o meu e lhe confere, portanto, capacidade de discernir, com maior propriedade, sobre o assunto. Mesmo assim, na minha humilde sapiência,...discordo.

Quatrocentos anos antes de Pilatos lavar as mãos, Sólon, poeta, legislador e jurista grego, já apregoava:

Justiça é como teia de aranha; só pega os pequenos enquanto os grandes a transpassa e seguem livres.

O Sr Everardo tem razão quanto ao “sopro alentador” mas, pelo tamanho que a corrupção atingiu, fermentada por anos no calor das impunidades e escorada em leis corporativistas, mesmo que os 25 acusados sejam condenados à pena máxima, muito pouco se terá avançado para redimir os poderes da República da culpa de possibilitar, por ambição, indolência ou interesse, o crescimento dessa vergonha nacional.

O que foi feito até, agora para resgatar a dignidade das nossas instituições eu vejo como... carpir tiririca.

Tiririca, para quem não conhece é, além de alcunha de um deputado, o terror dos agricultores. É uma gramínea invasora, de alto poder infestante que, por consumir nutrientes do solo, impossibilita o desenvolvimento e outras plantas e libera no solo um inibidor de geminação de sementes de outras plantas.

Carpir é perda de tempo; é grande o poder de rebrota e, em poucos dias, as folhas despontam na terra. Sua nocividade está para a lavoura assim como a dos dirigentes dos poderes da República está para a Nação.

E assim o será enquanto vigorar esse sistema que não seleciona os postulantes a cargos no legislativo.

E assim será enquanto os mais altos cargos do judiciário forem ocupados conforme os interesses de um único indivíduo.

E assim será enquanto parcela significativa do povo continuar se indignando diante da televisão e se omitindo diante da urna.

E assim será enquanto o povo ficar atirando pedras inutilmente sem uma ação efetiva.

É louvável a ação, até agora, do Judiciário, mas considero ainda prematuro assustar os passarinhos com rojões. Há muito que se fazer ainda para arrancar pela raiz as tiriricas do sistema republicano brasileiro.


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