sábado, julho 22, 2017

Informação e desinformação: um dos aspectos da Guerra Híbrida





por Flávio César Montebello Fabri

Bacharel em Direito, Mestre em Ciências de Segurança e
Ordem Pública, Policial Militar (SP)




O DefesaNet têm corretamente não somente alertado mas, principalmente, orientado, a respeito do cenário atual vivido a respeito de Guerra Híbrida. Tema que aparentemente é alusivo (a um leigo) somente como uma atuação militar, vivido por forças singulares, na “terra de ninguém”, mais do que nunca tem sido experimentado pelas forças policiais e pela sociedade civil como um todo, sendo extremamente complexo.



Até pouco tempo atrás, em outubro de 2015, vivenciamos em São Paulo (principalmente na capital), a ocupação de mais de 200 escolas, durante a “reorganização” proposta pelo Estado. Poucos se lembraram do evento ocorrido no Chile em 2006, conhecido como Rebelião dos Pinguins (com documentário disponível no site YouTube), com mais de 600.000 estudantes envolvidos, onde se falava muito do “amadurecimento do movimento estudantil”.

Poucos também leram a obra de Gene Sharp, Da Ditadura à Democracia (ou o documentário “Como Iniciar uma Revolução”), enquanto tentavam olhar um pouco mais atentamente a respeito das grandes manifestações populares que ocorriam, também, em passado recente.

Deixemos um pouco de lado conceitos doutrinários a respeito de Inteligência (que segundo a ABIN, Agência Brasileira de Inteligência, é o “exercício de ações especializadas para obtenção e análise de dados, produção de conhecimentos e proteção de conhecimentos para o país”) e Contrainteligência (de uma forma singela, o foco na proteção contra espionagem, por exemplo e produção de conhecimentos, realização de ações voltadas para a proteção de dados, conhecimentos etc.). Passemos a falar sobre a atividade de obtenção de informações e, mais propriamente, da desinformação.




Mas antes que pareça algo extremamente atual ou romântico (como em muitos filmes sobre espiões), gostaria de lembrar que, do ponto de vista histórico, a Sagrada Escritura (Bíblia) é rica em assuntos que ainda hoje parecem surpreendentes. Como a Bíblia é praticamente encontrada em todos os cantões do planeta, não é difícil efetuar consulta.

A não ser em relação aos meios utilizados e a refinamentos táticos, a primeira ação conhecida com típicas características de emprego de Forças Especiais, se encontra no Livro de Juízes, no seu capítulo 7. Gideão deslocou sob a cobertura da noite e do silêncio uma fração extremamente bem treinada para um acampamento adversário, que possuía um contingente muito maior que a força enviada. Tochas escondidas em cântaros (que foram posteriormente arremessados violentamente ao solo, produzindo som alto) ofuscaram e desorientaram os oponentes, que foram posteriormente abatidos.

A vitória de Gideão pouco difere em doutrina, técnica ou tática às operações do LRDG (Long Range Desert Group) britânico na África Saariana ou a equipe SEAL (Sea Air Land - U.S. Navy, sendo que a equipe 6 é denominada como United States Naval Special Warfare Development Group) desdobrada na Operação Arpão de Netuno, no Paquistão, em maio de 2011, que culminou com a morte do terrorista Osama Bin Laden. Também, a Bíblia menciona a importância do levantamento de informações, precedendo uma ação “ostensiva” propriamente dita. No Livro de Números 13: 1-2 (capítulo treze, versículos de um a dois) se lê: “E falou o SENHOR a Moisés, dizendo: Envia homens que espiem a terra de Canaã...”. Sucessor de Moisés, Josué fez uso de “espias” com a finalidade de angariar informações a respeito da situação em localidades, particularmente Jericó. Lemos em Josué 2:1-5 (capítulo dois, versículos de um a cinco) que: “Então Josué enviou dois espiões dali onde se encontrava o campo israelita em Sitim, para que passassem o rio e se dessem conta secretamente de qual era a situação no outro lado, especialmente em Jericó”.

No versículo 3 que: “São espias...foram mandados pelos chefes israelitas para estudarem a melhor forma de nos atacarem (grifo nosso)”. Em Hebreus 11:31(capítulo onze, versículo trinta e um) lemos: “Pela fé Raabe... acolheu em paz os espias”. 

Ressalto novamente que no comparativo entre ações, que se deve levar em consideração fatores como “quando ocorreu” e “com quais meios disponíveis”. Também me desculpo com aqueles que são conhecedores a respeito de temas bíblicos, por alguma incorreção de minha parte.

Estudar o objetivo, em vários outros pontos, são condições a serem avaliadas pela inteligência, podendo preceder uma ação onde, de uma forma ou de outra, se fará conhecer as reais intenções de um grupo. John Keegan, famoso historiador militar inglês, em sua obra Inteligência na Guerra: conhecendo o inimigo, de Napoleão à Al-Qaeda (Companhia das Letras, 2006), falando sobre a inteligência, cita o pensamento de George Washington de que “A necessidade de obter informações de qualidade é evidente e não precisa ser objeto de debate”. Ainda, Keegan ensina que “a conquista da Gália por César decorreu de seu melhor uso de informações...”.

A arte da observação e dedução também foi sendo desenvolvida com o passar do tempo. As regras de observação mencionavam, inclusive, a análise quando da visualização da poeira e reflexos de luz como indicação de ações de tropas adversárias. Keegan explica que “uma nuvem generalizada de poeira indicava geralmente a presença de saqueadores inimigos...colunas densas e isoladas de pó demonstravam que as hostes estavam em marcha”, tão como, citando o Marechal de Saxe, que “nos dias claros, os reflexos de sol nas baionetas e espadas podia ser interpretado a distâncias de até 1600 metros...se os raios forem perpendiculares, significa que o inimigo avança em nossa direção; quando intermitentes e infrequentes, indicam retirada”.

Pois bem. Não necessariamente nos cenários de Guerra Híbrida, um objetivo (ou grupo envolvido) fica evidente. Da mesma forma, além de obter informações de interesse (e resguardar as mesmas quando necessário), DESINFORMAR também garante resultados quando se fala em mobilização de grupos, formar opiniões, fragilizar instituições, ocultar fatos etc. Aplicativos como o WhatsApp, Telegram, como tantos outros, feitos para facilitar o contato entre pessoas, podem ser utilizados para propagar em curtíssimo espaço de tempo boatos e informações distorcidas causando comoção, sendo que nem todos os usuários, antes de compartilharem algo que receberam, se preocupam em verificar a veracidade ou contexto.

Até que seja esclarecida que a informação recebida não era verídica ou possuía um caráter outro que não o mero esclarecimento a respeito de um fato, a mensagem já produziu seu efeito: DESINFORMAR.

O professor Guy Durandin, em seu livro As Mentiras na Propaganda e na Publicidade (JSN Editora, 1997) já alertava que “quanto ao grau de informação, evidentemente é mais fácil enganar uma população pouco informada do que uma bem informada. Para ilustrar, falaremos apenas de duas situações. Nos regimes totalitários, o governo se esforça para controlar totalmente a informação, ao ponto de se tornar impossível distingui-la da propaganda.

A população, recebendo tudo da mesma fonte, não tem dados para exercer seu espírito crítico, e corre o risco de acreditar em mentiras, ou então, depois de decepções acumuladas, tornar-se totalmente cética”. Na obra, exemplos como Goebbels (um artista da desinformação) e vários outros, são citados. Este livro é de leitura quase obrigatória, principalmente nos dias atuais.

Sobre informar e desinformar vi duas circunstâncias totalmente diversas em relação a uma pessoa próxima: meu filho. Um dia, uma de suas professoras comentou a respeito das vantagens de países democráticos. Citou como exemplo... Cuba (!!!). Meu filho recebeu uma informação brevemente, não ocorreu debate ou pesquisa sobre, sendo que ao chegar em casa comentou estar fascinado com o que foi descrito. Conversamos longamente e foi exposto outro ponto de vista pessoal de minha parte. Deixo a convicção a respeito do tema com ele, desde que pesquise, tenha acesso a mais referências e outros posicionamentos.

Por outro lado, em outro ambiente (Capítulo DeMolay Sagrada Aliança Nº 791 – São Paulo / SP), testemunhei a pesquisa e debate, sem paixões exacerbadas, a respeito de temas atuais. Informações sobre determinado assunto foram expostas, ocorreram perguntas e, de forma salutar, uma conversa entre os jovens. Felizmente cada um deles tinha um posicionamento pessoal, que foi respeitado, celebrando-se as diferenças. Com uma vantagem: cada um deles, mesmo tendo uma opinião própria, teve acesso a mais informações.

Acompanhar o tema Guerra Híbrida, é um assunto mais complexo e de difícil compreensão do que aparenta. Com a velocidade que proporciona a dispersão de informações, é muito fácil, caso não se pesquise, se deixar levar por fatos parciais ou interesses que não são evidentes. Talvez, em outra oportunidade, possamos comentar mais a respeito de desinformação.

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