segunda-feira, julho 24, 2017

Perigosas crendices sobre o aborto





por padre Luis Carlos Lodi da Cruz.



Certa vez, um químico deixou acidentalmente que uma solução de ácido clorídrico (HCl) fosse lançada sobre sua pele. Um colega de laboratório pôs-se a pensar o que fazer para socorrer seu amigo que gritava de dor.

Pensou ele: ácidos e bases neutralizam-se mutuamente, produzindo sal e água. Assim, uma solução de ácido clorídrico (HCl) é neutralizada, por exemplo, por uma solução de hidróxido de sódio (NaOH), produzindo cloreto de sódio (NaCl) e água (H2O).

HCl + NaOH ® NaCl + H2O

Levado pelo desejo de neutralizar o efeito do ácido clorídrico, o amigo da vítima aplicou sobre sua pele corroída uma solução de hidróxido de sódio (soda cáustica). Para sua surpresa, o resultado não foi um alívio, mas um agravamento da corrosão, o que fez a vítima sofrer ainda mais.



O aborto “terapêutico”
Da mesma forma, diante do fato de que certas doenças se tornam mais complicadas com a gravidez, há médicos que, à semelhança do químico do exemplo anterior, acreditam que o aborto fará “desengravidar” a paciente, levando-a ao estado anterior à concepção do filho. Segundo Alberto Raul Martinez, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (SP), em depoimento de 1967,

“deve-se levar em conta que a reação mais comum do médico não afeito à especialidade ginecológica, quando a gravidez ocorre em uma de suas pacientes já afetadas por problema físico ou mental, é a de que a remoção da gestação poderia simplificar a questão.”

Isso, porém, não ocorre. O aborto é uma prática tão selvagem que, além de condenar à morte um inocente, agrava o estado de saúde da gestante enferma.

Sobre este assunto, convém citar a célebre aula inaugural “Por que ainda o aborto terapêutico?” do médico-legal João Batista de Oliveira Costa Júnior para os alunos dos Cursos Jurídicos da Faculdade de Direito da USP de 1965:

Ante os processos atuais [de 1965!] da terapêutica e da assistência pré-natal, o aborto não é o único recurso; pelo contrário, é o pior meio, ou melhor, não é meio algum para se preservar a vida ou a saúde da gestante. Por que invocá-lo, então? Seria o tradicionalismo, a ignorância ou o interesse em atender-se a costumes injustificáveis? Por indicação médica, estou certo, não o é, presentemente. Demonstrem, pois, os legisladores coragem suficiente para fundamentar seus verdadeiros motivos, e não envolvam a Medicina no protecionismo ao crime desejado. Digam, sem subterfúgios, o que os soviéticos, os suecos, os dinamarqueses e outros já disseram. Assumam integralmente a responsabilidade de seus atos [1].

O aborto para “aliviar” os danos do estupro
Também à semelhança do químico que pretendia neutralizar a corrosão do ácido clorídrico despejando hidróxido de sódio na vítima, há quem pense que, se uma gravidez resultou de um estupro, o aborto seria capaz de “desestuprar” a mulher. Depois de um aborto — pensam os doutos, sem qualquer fundamento — a mulher violentada voltaria a seu estado anterior ao estupro. E mais ainda: afirmam gratuitamente que, se a mulher violentada der à luz, a simples visão do bebê perpetuará a lembrança do estupro em sua vida. Leia-se, por exemplo, esta lamentável afirmação de Nélson Hungria:

Nada justifica que se obrigue a mulher estuprada a aceitar uma maternidade odiosa, que dê vida a um ser que lhe recordará perpetuamente o horrível episódio da violência sofrida [2].

Convém lembrar ao célebre jurista que a vida da criança por nascer permanece inviolável apesar da violência praticada por seu pai e sofrida por sua mãe. Ainda que o bebê parecesse repugnante aos olhos da mãe, nada justificaria a sua morte. Em tal caso (suponhamos que ele existisse), a mãe poderia encaminhar seu filho recém-nascido para a adoção, e ele rapidamente encontraria um casal para acolhê-lo [3].

No entanto, os casais que pretendem adotar não devem alimentar esperanças de encontrar bebês disponíveis entre os concebidos em uma violência sexual, pois estes costumam ser os filhos preferidos de suas mães. Explico-me.

Em meu trabalho pró-vida, já conheci muitas vítimas de estupro que engravidaram e deram à luz. Elas são unânimes em dizer que estariam morrendo de remorsos se tivessem abortado. Choram só de pensar que alguma vez cogitaram em abortar seu filho. A convivência com a criança não perpetua a lembrança do estupro, mas serve de um doce remédio para a violência sofrida. Com exceção das gestantes doentes mentais [4], não conheço nenhum caso em que uma vítima de estupro, após dar a luz, não se apaixonasse pela criança.

E mais: se no futuro, a mulher se casa e tem outros filhos, o filho do estupro costuma ser o preferido. Tal fato tem uma explicação simples: as mães se apegam de modo especial aos filhos que lhe deram maior trabalho.

Olha! Se você sofre demais para conseguir uma coisa, é muito mais amor. Porque esse filho é o que mais deu dilema.
(Maria Aparecida, violentada em 1975, referindo-se ao seu filho Renato, fruto da violência).

No início, quando você percebe que está grávida, fica com muita raiva. Mas depois que a criança nasce, você nem se lembra mais do que aconteceu.
(Maria Luciene, violentada em 1995, mãe de Bruna).

Tive tanto trabalho para ter esse neném e agora vou dar para os outros?
(E., adolescente de 12 anos, violentada pelo pai em 1999).

Se, porém, a gestante fizer um aborto, a marca do estupro, longe de se apagar, ficará cristalizada. Em vez de ter diante de si um rosto sorridente de uma criança para lhe servir de remédio, a mulher terá dentro de si a voz da consciência acusando-a de ter matado um filho inocente. Nenhuma vítima de estupro merece tão horrível castigo. Mas é isso o que nosso governo tem oferecido como “tratamento” para a violência sexual…


Notas:
[1] João Batista de O. COSTA JÚNIOR, Por quê, ainda, o abôrto terapêutico? Revista da Faculdade de Direito da USP, 1965, volume IX, p. 326.

[2] HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. vol. 5, 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 312.

[3] Quem conhece as filas de adoção dos Juizados da Infância e da Juventude, sabe que os recém-nascidos não ficam muito tempo esperando por pais adotivos.


[4] As doentes mentais não rejeitam o filho. Contudo, não criam laços afetivos com ele, de modo que não se importam que ele seja adotado.

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