por Sergio de Mello(*).
Já sabemos que o estado não tem e não deve ter voz nem vez na criação dos filhos, estando esse encargo por conta dos pais, da família em si. Os filhos não podem ser doutrinados, politizados, aculturados, pelo estado ou por quem faz as suas vezes. O máximo que se pode sugerir à mente dos infantes é uma miríade de ideias, mas sem confusão mental, dentro daquilo que a Constituição Federal permitiu no art. 206, III. Em vista disso, pergunto se essa obrigação deve respeitar algo acima da vontade paterna.
O que ocorreu com o episódio que envolveu Dona Regina, em que uma senhorinha taxada de conservadora e retrógrada (isso não foi falado, mas visto na cara daqueles dois apresentadores contrariados), clama a que se analise ao menos um pouco do que a legislação traz como encargo paterno para a formação e desenvolvimento de uma criança. Isso para não se permitir, também, que pais liberais e moderninhos se sintam à vontade para ferir a dignidade da criança, no caso, de seus próprios filhos.
A questão que se coloca é saber se só os pais é que podem decidir pelo bem-estar moral e psíquico dos filhos, dando-lhes a educação que parecer a mais adequada, e se esse possível direito dos pais é ou não ilimitado. Os filhos ficam sempre à mercê dos pais?
O que ficou mais ou menos consente nesse episódio no MAM ou no Queermuseu é que se houver consentimento dos pais o filho menor pode frequentar e assistir ou ver peças artísticas. O Ministério Público do Rio Grande do Sul até emitiu nota técnica explicando como casos como esses devem ser tratados, informando que basta o consentimento dos pais para a freqüência dos filhos em estabelecimentos de diversão e artísticos.
Mas não é bem assim. Se fosse assim, os filhos menores não teriam proteção alguma contra pais tiranos e abusivos. Muito pelo contrário. A legislação prevê proteção dos filhos contra arbitrariedades sociais e também por parte dos pais. É certo que os pais devem zelar pelo direito dos filhos de serem criados na condição de pessoa em desenvolvimento. Muito mais correto ainda a afirmar é que esse direito é dos filhos e cabe ação para respeitá-los em caso de transgressão, mesmo contra os próprios pais.
Uma coisa é certa: o estado jamais deve intervir na criação dos filhos, na criação moral e cultural deles (art. 227 da Constituição Federal). Os pais decidem, mas esse direito comporta, como não poderia deixar de ser, limitações e restrições na constituição federal e nas leis, principalmente no Estatuto da Criança e do Adolescente.
O artigo 98 do ECA assim está escrito: “Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III – em razão de sua conduta.”.
Na legislação, vemos interferência do Estado e dos pais para o bem-estar dos filhos. A idade núbil é o limite mínimo para o casamento (e, consequentemente, para o sexo conjugal!). Por outro lado, atingida a referida idade, o consentimento dos pais ainda é necessário. Assim, com menos de 16 anos de idade, via de regra, não é permitido o casamento (art. 1.517 do CC).
O crime de estupro de vulnerável está previsto no art. 217-A do CP com o seguinte texto: “Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.”. Isso significa que ter conjunção carnal ou praticar outro ato de menor sexualidade com menor de 14 anos de idade, mesmo com o consentimento dele, é crime. E crime hediondo (Lei n. 8.072, de 1990).
No dia a dia chegam casos curiosos e que não deixam de ser criminosos. O sujeito maior de 18 anos que mantém relacionamento com menor de 14 anos de idade (geralmente entre 12 e 14 anos), com ela convivendo em união estável e, como não poderia deixar de ser, tendo sexo com ela, com o consentimento dos pais, é crime. Enquadra-se no art. 217-A acima referido. O Superior Tribunal de Justiça assim decidiu. E essa decisão se mantém mesmo que a moça seja mais experiente ainda do que o próprio rapaz.
Dona Regina ficou conhecida como a mais atuante da direita brasileira, conservadora de primeira. Isso na mente da esquerda e seus tentáculos imorais e criminosos, que acham ser normal e natural uma criança de pequena idade, um ser que ainda não sabe, nem tem capacidade mental, para discernir entre o bem e o mal, entre coisas de adultos. A elite intelectual, que de intelectual não tem absolutamente nada; a elite pensante, que de pensante só tem naquilo que lhes interessa pessoalmente, intenta implementar na cultura dos infantes cenas ou atos que chegam a se configurar pedofilia. Pior de tudo ainda, com a cara de pau de dizer que não é crime e que é arte. Ou seja, sob a alegação de um mero exercício regular de direito. Esse direito: a liberdade artística ou intelectual.
No caso de espetáculos públicos, diz o ECA que o estado classifica as apresentações, os responsáveis pelas diversões ficam obrigados a expor de maneira visível essa classificação e os pais são obrigados a verificar o que é adequado ou inadequado (art. 74 do ECA). As crianças menores de 10 anos somente poderão ingressar e permanecer no local com a presença dos pais (art. 75 do ECA).
Liberdade artística, intelectual, e de expressão tem previsão constitucional. É um direito fundamental cujo obrigado é o estado, que tem que respeitar esse direito. No entanto, como todo direito, ele não é absoluto, comportando limites para o seu exercício. Um desses limites é a dignidade da pessoa humana. No caso, dignidade das crianças, que se escora em preceitos legais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, sobretudo que se trata de pessoa ainda em desenvolvimento.
A criança tem que ser tratada como qualquer ser humano, com seus direitos respeitados, na condição de pessoa em desenvolvimento. Os seus representantes legais, normalmente os pais, são os únicos que podem exercer os seus direitos. Isso porque a criança, para o direito, não tem vontade própria e apta a manifestar qualquer ato por si. Os pais têm esse direito, que é também um dever. Em caso de omissão dos pais, os filhos podem buscar esse direito violado.
Será que vale tudo com fundamento no “amor” que os pais dizem estar dando aos filhos?
Por fim, um pulga atrás da orelha que ficou: gostaria de saber se a elite global, dos iluminados, teria o despudor de deixar seus filhos, seus netos, na presença daquele homem nu. A resposta acredito ser negativa. Ora, esses pensadores iluminados, superiores, não tem preocupação alguma com os filhos dos outros. Eles querem apenas alimentar o projeto progressista e global de criação de um novo homem à base da eliminação de qualquer resistência cultural que, para eles, é a pedra no caminho. Os destinatários são os filhos dos outros, não os deles, que podem assistir a qualquer evento “cultural” com homem nu e até tocar-lhe as partes pudendas. Os deles não! Os deles são intocáveis. Ninguém mexe com os filhos deles. É pura hipocrisia.
(*)Sergio de Mello é Defensor Público no Estado de Santa Catarina
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